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O decreto que promete viabilizar a geração de energia eólica em alto mar no país já está em vigor. Conforme estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a norma tem potencial para garantir produção equivalente a 50 usinas hidrelétricas de Itaipus, mas é apenas o primeiro passo para botar turbinas em movimento fora da costa brasileira.
A partir da entrada em vigor, em 15 de junho, quaisquer pedidos feitos objetivando produzir energia elétrica a partir do vento em alto mar ao longo da costa brasileira têm que obedecer às regras listadas. O texto define um rito para a contratação de áreas de domínio da União (ou prismas, já que se trata de loteamentos tridimensionais, abarcando não só o leito submarino, mas também a profundidade da lâmina de água) para a geração de energia, mas o entendimento é de que segue necessária a formatação de um aparato regulatório mais robusto, que dê mais segurança jurídica aos investidores e proporcione mais clareza sobre a exploração da atividade.
Desse modo, o setor segue na expectativa por novos avanços de regulamentação para efetivamente viabilizar empreendimentos que pretendem fincar seus parques geradores nas areias submersas (ou fazê-los flutuar sobre o Atlântico).
Segundo o Ministério de Minas e Energia em nota à Gazeta do Povo, “atualmente, existem mais de 40 projetos com pedido de licenciamento no Ibama, com um potencial de capacidade instalada de mais de 100 GW”. O número é muito superior à capacidade total da eólica instalada hoje em terra - de 21,95 GW, posicionada como a segunda maior geradora da matriz brasileira. Apesar disso, nenhum deles iniciou, de fato, o processo de cessão e não há previsão de leilões para cessão de uso segundo a pasta.
Energia no mar tem interesse crescente e concorrência à vista
Em números mais precisos (ainda que potencialmente defasados), dados do Ibama publicados em abril apontavam 54 projetos do tipo com processo de licenciamento ambiental aberto junto ao órgão. Somados eles ultrapassam 130 GW em potência, mas mais de 60% deles se sobrepõem uns aos outros, em cenário que demandará regramentos mais claros para estabelecer quem deve obter autorização para operar e transparece maior interesse por determinadas áreas.
Os projetos citados estão distribuídos pela costa do Ceará (11), Espírito Santo (4), Piauí (4), Rio de Janeiro (9), Rio Grande do Norte (8), Rio Grande do Sul (17) e Santa Catarina (1), único estado a não apresentar “concorrência” por prismas, exatamente por ter tentativa única de licenciamento para geração de energia em alto mar. Em todos os outros há pelo menos uma sobreposição de interesse.
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Os dados do Ibama dão conta também de um salto na demanda por licenciamentos para eólica offshore, coincidindo com a publicação do decreto, em janeiro.
Os pedidos do tipo começaram a surgir em 2019, evoluíram lentamente até a virada para 2021 e a partir daí o interesse ganhou velocidade. Até dezembro de 2020 os processos de licenciamento para usinas eólicas no mar não ultrapassavam dez, mas mais que dobraram nos doze meses seguintes, fechando dezembro de 2021 em cerca de 25. Já em 2022, o acumulado de pedidos avançou até 54 só no primeiro quadrimestre, mas o número certamente subiu desde então.
Regulamentação para energia eólica offshore pode avançar em agosto
Possível caminho para os avanços esperados para a geração de energia offshore é um projeto de marco regulatório em tramitação no Senado. Para além do escopo do decreto já vigente, que se dedica pontualmente à geração eólica, o PL 576/2021 prevê regramentos para outras fontes que possam produzir energia em alto mar e em outros corpos d’água no interior do país, como lagos e barragens.
O texto pretende disciplinar a cessão do direito de uso de áreas marítimas para fins de geração de energia, que passa a ser objeto de outorga mediante autorização, resolvendo problemas de titularidade e definindo critérios para tal (inclusive com pagamento semelhante a royalties e contrapartidas socioambientais).
Protocolada em 2021, a matéria está na Comissão de Serviços de Infraestrutura da Casa em caráter terminativo – o que significa que o que for resolvido pelo colegiado terá valor de uma decisão do Senado, sem a necessidade da votação em plenário. Antes do início do recesso parlamentar de julho, a votação do projeto foi adiada por um pedido de vista e deve ser retomada em agosto.
Energia em alto mar terá salto até 2030
Uma regulamentação célere para o offshore é considerada essencial para evitar o risco de atrasos e do encarecimento dos projetos que esperam na fila de liberação nos órgãos nacionais. A preocupação é de que haja aquecimento na procura por equipamentos e que um eventual pico de demanda se atravesse no caminho dos futuros empreendimentos de geração.
O receio tem fundamento: conforme projeção recente da consultoria britânica Wood Mackenzie, aproximadamente U$S 1 trilhão devem ser injetados em energia eólica offshore na próxima década, “atraindo número crescente de novos competidores e intensificando a concorrência”. A expectativa é de que esses investimentos quase decupliquem a capacidade total instalada no globo, saltando de 34 GW em 2020 para 330 GW em 2030, e ajudem a puxar o interesse e o capital colocado nos empreendimentos de alto mar, aproximando-o das instalações em terra dentro do período.
Cabe ressaltar, as regras estabelecidas a partir de agora devem se converter em geração de energia apenas num cenário de médio e longo prazo. A expectativa é de que os primeiros projetos a serem construídos mar adentro funcionem somente na década de 2030, já que o tempo médio para tirar esse tipo de empreendimento do papel é de oito anos, mais demorado do que o formato onshore - mais caro também.
Brasil tem condições favoráveis e potencial como gerador
No país, o Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (estatal encarregada do planejamento do setor), traz previsão de que a fonte eólica offshore alcance capacidade instalada de até 16 GW naquele ano, independentemente da indicação de um alto crescimento dos parques eólicos terrestres.
Na avaliação do Ministério de Minas e Energia, “o Brasil notadamente possui características favoráveis para instalação e operação de empreendimentos para geração de energia elétrica offshore". Nesse panorama entram a extensa costa (de 7.367 km), vasto espaço marítimo (de 3,5 milhões km²), ampla plataforma continental, com águas rasas ao longo do litoral, e ainda a incidência de ventos alísios, constantes em intensidade e direção, com destaque para a região Nordeste.
Estudo realizado também pela EPE para identificar o potencial eólico offshore brasileiro e publicado em 2020 destacou áreas em que a velocidade dos ventos é superior a 7 m/s (consideradas mais atrativas para este tipo de geração). Os resultados indicam que, a 100 m de altura e em locais com profundidade de até 50 metros, o potencial do Brasil seria de 697 GW: o equivalente a quase 50 vezes a capacidade de geração da maior hidrelétrica brasileira.
As análises, entretanto, “não consideraram nenhuma restrição nas áreas exploráveis, como por exemplo áreas de proteção ambiental, rotas comerciais, rotas migratórias de aves, áreas de exploração de petróleo ou outras áreas com usos conflitantes”, conforme frisa a própria EPE.