Depois de permanecer 11 meses acima de 10%, a inflação anual pode descer do patamar dos dois dígitos em agosto. Isso porque, após o IPCA registrar a menor taxa da série histórica em julho, quando caiu 0,68%, uma nova deflação pode estar a caminho neste mês, puxada novamente pela queda dos preços dos combustíveis.
Por consequência, as expectativas para o IPCA ao fim de 2022 também estão em baixa. Há sete semanas, elas estão diminuindo, mostra o relatório Focus, um compilado de projeções coletadas pelo Banco Central. O ponto médio (mediana) está em 7,02%.
Uma série de fatores contribui para essa tendência de redução na inflação. Entre eles estão:
- a redução de impostos e consequentemente de preços de combustíveis e energia;
- a queda nos preço das commodities no mercado internacional;
- a expectativa de uma boa safra no Brasil; e
- a desaceleração da economia global.
Enquanto caem para 2022, as estimativas para 2023 têm sido revisadas para cima – estão em alta há 18 semanas e chegaram a 5,36%, segundo o Focus. “Os incentivos dados pelo governo são um ponto de atenção, pois tem impacto na inflação de serviços principalmente”, diz a economista Eduarda Korzenowski, da Somma Investimentos.
Confira a seguir, em detalhes, os fatores que contribuem para uma queda da inflação no curto prazo, e o que joga na direção oposta.
O que ajuda o Brasil no combate à inflação
1. Redução de impostos e de preços de combustíveis e energia
A redução de impostos sobre os combustíveis e a energia foi o principal fator que contribuiu para a deflação registrada em julho. Uma emenda constitucional promulgada no fim de junho alterou as alíquotas do ICMS de combustíveis, energia, telecomunicações e transporte público para o limite entre 17% e 18%, dependendo do estado.
Segundo o IBGE, em julho houve queda de 15,48% no preço da gasolina, de 11,38% no etanol e de 5,78% na energia elétrica residencial. O único dos combustíveis a ficar mais caro no mês foi o óleo diesel, 4,59%.
A tendência é de que uma nova deflação seja registrada em agosto. Desta vez, o impulso da redução dos impostos vem combinado a reduções no preço dos combustíveis nas refinarias, em reação ao recuo das cotações do petróleo no mercado internacional.
Em 19 de julho, a Petrobras anunciou uma redução de 4,93% na gasolina. No dia 29, houve uma segunda queda, de 3,89%. Em 4 de agosto, foi a vez do primeiro corte no preço do diesel desde maio de 2021: 3,56%. Nova baixa do diesel, de 4,07%, entrou em vigor na última sexta-feira (12). E, no dia 15, nova redução nos preços da gasolina. Desta vez, de 4,85%.
2. Queda no preço das commodities
Outro fator que pode ajudar na batalha contra a inflação é a queda nas cotações das commodities, algumas delas retornando ao patamar anterior ao do início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. “Há uma reversão em andamento”, diz Eduarda Korzenowski, da Somma Investimentos.
Desde o pico, atingido em maio, o Índice de Commodities do Banco Central (IC-Br) caiu 4,2%, em reais, e 11,7%, em dólares. Há espaço para mais quedas, aponta o Bradesco, principalmente entre as agrícolas. Esse alívio favorece a redução na inflação à frente.
Segundo as economistas Ana Beatriz Moreira dos Santos e Myriã Bast, a principal causa deste movimento é a reavaliação, nos mercados, sobre o tamanho da desaceleração das economias desenvolvidas. Isso tem levando a uma expectativa de redução na demanda por matérias-primas.
Em paralelo, continua em curso o processo de recomposição das cadeias de produção e fornecimento, levando a um equilíbrio mais positivo do balanço entre oferta e demanda. “O preço dos fretes está mais comportado, os prazos de entrega, se regularizando, e os custos pararam de subir”, diz Tatiana Nogueira, analista de inflação da XP.
“No curto prazo, o andamento do clima para a safra nos EUA é decisivo. Para o ano que vem, os modelos climáticos sugerem condições mais favoráveis do que em 2022, com a transição do La Niña para neutralidade. Ademais, a demanda chinesa por grãos já tem se enfraquecido”, dizem Santos e Bast.
As commodities metálicas foram as que mais recuaram até o momento: cerca de 25% desde o pico, atingido em março. No entanto, as economistas do Bradesco consideram que o movimento mais relevante já foi incorporado aos preços, não havendo espaço adicional para quedas, a menos que haja uma sinalização mais negativa do segmento imobiliário na China.
No caso das commodities energéticas, a avaliação é de que há uma margem pequena para queda nos preços. Os estoques permanecem baixos e a oferta segue apertada, mesmo com a queda no ritmo de crescimento da economia. “A guerra entre Rússia e Ucrânia e seus desdobramentos mudaram, ao menos temporariamente, o equilíbrio dos preços de petróleo e gás natural para cima.”
3. Expectativa de uma boa safra
A produção agrícola recorde prevista para 2022 também pode colaborar para uma queda nos preços. Dados do IBGE sinalizam para uma produção total de 261,4 milhões de toneladas no ano, 3,2% superior à de 2021.
“Uma produção recorde beneficia o país pela maior disponibilidade de alimentos no mercado interno, reduz a pressão sobre os preços desses produtos. E, como o agronegócio é parte importante do nosso PIB, a produção recorde no campo poderá impulsionar o crescimento da economia do país”, diz Daniely Martins, consultora sênior da EY e membro do Centro de Excelência em Agronegócio.
Pedro Renault, economista do Itaú, aponta que a perspectiva de menor demanda à frente contribui para interromper a escalada do preço das commodities, mas não necessariamente forçará uma acomodação brusca. "Os balanços entre oferta e demanda tendem a seguir bastante apertados, entre outros motivos, porque a demanda por alimentos (principalmente os mais básicos) é menos sensível a ciclos econômicos", diz o analista.
4. Desaceleração da economia global
Outro fator que ajuda a baixar a inflação é a desaceleração da economia mundial, à medida que a demanda perde vigor. No mês passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) rebaixou as expectativas de crescimento do PIB global neste ano de 3,6% para 3,2%. O mesmo foi feito para 2023: as projeções caíram de 3,6% para 2,9%.
“Os governos pararam de transferir renda; o poder de compra foi corroído e os consumidores rebalancearam sua estratégia de consumo, passando a focar em serviços”, ressalta Tatiana Nogueira, da XP.
Para tentar conter a inflação, algumas das maiores economias mundiais estão aumentando os juros. Os Estados Unidos subiram, no fim de julho, a taxa referencial em 0,75 ponto percentual, passando para o intervalo de 2,25% a 2,5%. Nos 12 meses encerrados em julho, os preços nos EUA aumentaram 8,5%, puxados principalmente pela energia e pelos alimentos, que registram a maior alta acumulada desde março de 1979.
Situação parecida vive a Zona do Euro, que em julho aumentou a taxa-base pela primeira vez em 11 anos. O ritmo foi forte: meio ponto percentual de alta, enquanto o mercado esperava 0,25 ponto. Nos 12 meses encerrados em junho, a inflação no bloco chegou a 8,6%, mais de quatro vezes a meta do Banco Central Europeu (BCE).
O que dificulta o combate à inflação
Medidas fiscais do governo estão estimulando a demanda e atenuam a desaceleração inflacionária, apontam economistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Um dos principais efeitos é sobre a inflação dos serviços. “Ela está pressionada por causa dos incentivos dados pelo governo”, diz a economista da Somma Investimentos.
Apesar de ter desacelerado em julho, a dinâmica do grupo de serviços é de pressão até o fim do ano, com uma variação estimada em 0,75% ao mês, segundo cálculos da XP Investimentos.
A deflação registrada em julho foi concentrada em poucos itens. Dos nove grupos que compõem o cálculo da inflação, houve retração em apenas dois: habitação e transportes. E 63% dos itens do IPCA tiveram alta no mês passado. “Isso o mostra que a inflação ainda segue disseminada pela economia”, destaca o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung.
A corretora aponta que os preços de bens industriais devem desacelerar nos próximos meses, mas tendem a continuar elevados por causa dos custos pressionados e da demanda estimulada. A elevação do Auxílio Brasil e outros benefícios vão injetar mais de R$ 40 bilhões na economia neste segundo semestre.
Os estímulos fiscais tendem a contribuir para uma desaceleração mais suave da atividade econômica até o final do ano, ante o inicialmente esperado. “A nosso ver, os impulsos de renda devem compensar, no curto prazo, os efeitos baixistas do aumento das taxas de juros e da maior percepção de risco acerca do ambiente econômico global e doméstico”, cita a XP.
A expectativa é de que despesas que, no momento, são transitórias se tornem permanentes a partir de 2023. Há discussões políticas que indicam para a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, com um custo estimado de cerca de R$ 59 bilhões.
Outras despesas permanentes podem ser incorporadas ao Orçamento do ano que vem, como o reajuste de servidores públicos, o pagamento de precatórios postergados e a criação de novas despesas. Assim sendo, a tendência é de que haja um retorno nos déficits do governo central.
Há, também, a possibilidade adicional de desonerações serem mantidas. Economistas da XP lembram que as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins sobre os combustíveis foram reduzidas a zero até o final do ano: “No entanto, se os preços do petróleo continuarem elevados, é possível que o governo estenda a medida no próximo ano, o que pode levar a uma perda de arrecadação de até R$ 52 bilhões.”
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