O governo federal segue sem consenso sobre uma solução que mitigue a alta do preço dos combustíveis. Após uma reunião na terça-feira (8) e outra nesta quarta-feira (9), permanece um impasse entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o núcleo político do governo, sobre qual medida adotar.
Participaram da reunião desta quarta o presidente Jair Bolsonaro (PL), Guedes, os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o de Minas e Energia, Bento Albuquerque, além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Bolsonaro, inclusive, cancelou uma viagem que faria à Baixada Fluminense para comandar a reunião.
Na terça-feira, sem a presença do presidente da República e de Campos Neto, a reunião ocorreu com a participação de Guedes, Nogueira, Albuquerque e do presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna.
"Ontem não chegou a acordo nenhum e hoje também", sustenta um interlocutor do Palácio do Planalto. Propostas como congelamento de preços ou mudanças na política de preços da Petrobras estão, entretanto, afastadas. "A Petrobras tem que oscilar de acordo com os custos dela, se não quebra a empresa", alerta um interlocutor da equipe econômica.
O chefe da equipe econômica é a favor da desoneração de tributos sobre combustíveis para atenuar os impactos que a alta do preço do barril de petróleo no mercado externo podem acarretar ao custo do óleo diesel e da gasolina ao mercado interno. Já a ala política defende um subsídio, proposta que encontra apoio entre o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna.
Neste caso, a ideia é subsidiar o diesel a fim de bancar a defasagem atual de preços no combustível, de 40%, até junho. A engenharia política estudada para essa operação prevê o envio de um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) prevendo a abertura de um crédito suplementar para assegurar recursos fora do teto.
Mesmo na equipe econômica alguns assessores concordam que essa é uma saída plausível de ser feita. "Desde que não seja dentro do Orçamento normal e seja tratado como uma verba absolutamente extraordinária fora do teto, o subsídio é viável", analisa um técnico. Guedes, contudo, rejeita essa hipótese.
A proposta defendida pelo ministro da Economia defende a desoneração de PIS/Cofins (tributos federais) sobre o diesel e uma calibragem sobre a tributação de combustíveis. O governo propõe uma tributação variável para a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e estabilização do PIS/Cofins sobre o diesel a fim de suavizar momentos de crise como o atual.
A calibragem sobre a Cide e o PIS/Cofins é uma estratégia complementar à da desoneração, proposta já encaminhada pela equipe econômica ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 11/2020, que determina alíquota unificada e em valor fixo para o ICMS sobre combustíveis em todo o país. A sugestão de desoneração do PIS/Cofins sobre o diesel foi sugerida como uma emenda ao texto após reunião na manhã desta quarta-feira entre Guedes e o relator do projeto, o senador Jean Paul Prates (PT-RN).
Custo do subsídio pode chegar a R$ 36 bilhões em três meses, estima XP
Diante da queda de braço entre a equipe econômica e o núcleo político, o governo vai esperar a votação do PLP 11 para decidir seu próximo movimento. Qualquer definição sobre a necessidade ou não de um subsídio fica em compasso de espera pela aprovação do texto com a emenda defendida por Guedes de desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel.
O relator sinalizou que acolheria a emenda do governo e a sinalização dada no Senado era de que o parecer de Jean Paul Prates seria votado ainda nesta quarta, mas a votação foi adiada. Além do PLP 11, outro texto que aguarda a apreciação pelos senadores e também está com a relatoria nas mãos do petista é o Projeto de Lei (PL) 1472/2021. A matéria propõe a criação de um fundo de estabilização de preços dos combustíveis, que seria gerido pelo governo federal para que os preços sejam menos afetados por oscilações cambiais e do preço do barril de petróleo. A medida não tem o apoio da equipe econômica.
De toda a forma, interlocutores do governo ouvidos pela Gazeta do Povo entendem que só a aprovação do PLP 11 não destrava todo o impasse entre os núcleos econômico e político do governo. "Há uma discordância entre as duas partes que são fundamentais ali. O presidente [Bolsonaro] tem urgência para resolver isso e terá a última palavra, mas ainda não há nada fechado", diz um interlocutor palaciano.
A falta de consenso do governo é explicada pelos cálculos econômicos feitos pelo governo. Só a desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel representaria uma renúncia fiscal de R$ 18 bilhões ao Orçamento federal. Já a alternativa defendida pelo núcleo político poderia custar R$ 27 bilhões para bancar integralmente a defasagem de preços no diesel pelos próximos três meses, segundo cenários internos do governo informados à Folha de S. Paulo.
A conta do subsídio pode, contudo, ser ainda maior. As estimativas feitas pela XP Investimentos apontam que o custo seria de R$ 12 bilhões mensais, ou seja, em três meses, seria de R$ 36 bilhões, o dobro do que representaria a renúncia fiscal proposta por Guedes sobre o diesel.
O Planalto defende o subsídio sob a alegação de que os efeitos atenuariam mais e a um prazo mais rápido o custo do diesel no mercado interno. Existe o temor entre o núcleo político de que o preço do barril de petróleo atinja patamares superiores a US$ 130. Alguns até não descartam uma cotação em US$ 140. Em um cenário desses, existe o temor de o governo enfrentar pressões populares e de categorias como a dos caminhoneiros.
"Uma coisa é você discutir o problema da operação do preço do barril quando não chegava a US$ 100, outra coisa é discutir quando pode chegar a US$ 140. Agora, imagina o impacto disso no preço da passagem de ônibus e no custo aos caminhoneiros. Imagina uma greve de caminhoneiros por falta de atitude em termos de tomar alguma medida. Então, que tem que tomar ação, tem, todos estão de acordo, estamos buscando um consenso", sustenta um interlocutor palaciano.
O discurso na equipe econômica é de que é imprescindível evitar manchar a visão da austeridade fiscal adotada por Guedes. "A não ser que se considere um estado de calamidade e que a guerra é uma calamidade que atinge o mundo e inclusive nós. Aí, nesse caso, pode ter uma flexibilidade de usar um crédito extraordinário sem mexer estruturalmente na Petrobras", analisa um assessor.
Como o impasse sobre os combustíveis é avaliada por Mourão e liberais
O governo não é o único dividido sobre qual é a melhor medida a ser adotada para conter a alta do preço dos combustíveis. O tema naturalmente não tem uma solução única e isso se reflete nas diferentes opiniões feitas por lideranças políticas na Esplanada dos Ministérios. O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), por exemplo, que irá se filiar ao Republicanos para disputar o Senado nas eleições, defende a ideia do governo da criação de um subsídio temporário.
Porém, diferentemente da ideia aventada pelo governo de pedir a abertura de um crédito suplementar ao Congresso, Mourão apoia o uso de recursos vindos de royalties e dividendos. “Na minha opinião, a linha de ação que causasse menos danos a posteriori seria usar os recursos de royalties e dividendos para dar um subsídio ao combustível aí durante um período devidamente qualificado”, declarou.
Já o deputado federal Alexis Fonteyne (Novo-SP) critica a ideia de subsídio. O parlamentar entende que há uma “sinuca de bico” e que a situação é delicada, mas ele não concorda com a proposta da ala política do governo em propor uma arrecadação fora do teto orçamentário. “Não teria o meu apoio no Congresso e veja, esse é o tipo de recurso que endividaria, de novo, o Estado e toda a população pagaria por isso”, alerta.
Presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, Fonteyne reconhece que não subsidiar o diesel traria impactos sobre a alta da inflação e a perda do poder de compra dos brasileiros, mas ele mantém sua defesa de não intervenção. “Ainda prefiro a ideia de quanto menos intervir, menos criaremos distorções que são muito caras. E também sou contra o uso da Petrobras para fazer política econômica, como foi feito no passado”, pondera.
A solução defendida por Fonteyne seria a aprovação de uma reforma tributária pela PEC 110, mas ele pondera que isso seria uma medida estruturante e de longo prazo. A curto prazo, ele defende a aprovação do PLP 11. “Congelar a arrecadação dos impostos do ICMS por litro é inteligente e é razoável com a população brasileira. Os estados não têm que aumentar sua arrecadação em detrimento do sofrimento do brasileiro”, analisa.
Já o deputado federal Paulo Ganime (Novo-RJ), pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, tem opinião divergente de Fonteyne sobre o PLP 11 ao discordar da proposta do texto em determinar uma alíquota unificada e em valor fixo para o ICMS sobre combustíveis. "Existem outras soluções que permitem principalmente aos próprios estados atuarem nisso de forma responsável, até porque a carga tributária não é igual", justifica.
Coordenador das frentes parlamentares pelo Brasil Competitivo e da pelo Livre Mercado, Ganime entende que a melhor alternativa para o momento era aprovar a proposta de emenda à Constituição (PEC) proposta pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ) que autoriza estados e a União a promoverem a redução total ou parcial de alíquotas de tributos de sua competência incidentes sobre combustíveis e gás. O texto, contudo, se encontra politicamente "enterrado". O parlamentar entende que a desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel, proposta por Guedes, pode ser positiva a depender do modelo, mas discorda da ideia de subsídio defendida pelo Planalto. A longo prazo, ele defende a aprovação de reformas tributária, administrativa e no setor de óleo e gás.
A presidente do Instituto Livre Mercado, Beatriz Nóbrega, admite que não há uma solução simples para o debate. "É como diz a clássica frase: 'para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada", comenta. No entanto, ela entende que o ICMS monofásico proposto pelo PLP 11 é uma parte importante para encontrar uma boa solução para o momento atual.
"Uma solução precisa continuar sendo construída pelo setor e, principalmente, visando a sustentabilidade de mercado que vai realmente oferecer para os consumidores. Permitir que os governadores tenham liberdade de reduzir o ICMS e gerar um ambiente mais competitivo também pode ser parte desse caminho", analisa.
Soluções como a fundo de estabilização proposto pelo PL 1472/21, contudo, não são bem-vindas por Beatriz. "Nada mais são do que formas de tapar o sol com a peneira. É vender uma falsa ideia de que algo está sendo resolvido, mas a prática mundial mostra que não é bem assim", alerta.
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