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A confiança de empresários e consumidores está em baixa e a incerteza sobre a economia não deve arrefecer no curto prazo. É o que aponta uma série de indicadores divulgados nos últimos dias pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Juros altos, desaquecimento da atividade, dúvidas em relação ao encaminhamento da política econômica do governo e endividamento são fatores que têm influenciado o ânimo dos agentes econômicos.
Queda na confiança e aumento da incerteza são fenômenos que costumam afetar negativamente a atividade econômica, pois inibem consumo e investimento. As projeções já não são as melhores: o ponto médio das expectativas de economistas aponta para um crescimento de apenas 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, o que representa forte desaceleração após a expansão de 2022, estimada em 3%.
O Índice de Confiança Empresarial calculado pela FGV está em seu menor nível desde março de 2021, em 85,9 pontos. Números acima de 100 indicam um melhor cenário para os negócios.
Segundo o superintendente de estatísticas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, Aloísio Campelo Jr, a queda na confiança empresarial em janeiro reflete a continuidade da tendência de desaceleração da atividade econômica, iniciada no quarto trimestre de 2022, e as expectativas pouco otimistas para a evolução da economia no curto prazo.
“A piora no ambiente de negócios ocorre de forma mais disseminada entre os setores, mas é percebida de forma mais acentuada nos segmentos do comércio e serviços”, destaca Campelo em nota.
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A confiança dos consumidores, também apurada pela FGV, apresentou em janeiro a sua segunda queda consecutiva, para 85,8 pontos. Segundo a coordenadora de sondagens, Viviane Seda Bittencourt, o resultado reflete o pessimismo em relação aos próximos meses. As famílias de menor poder aquisitivo são as que se mantêm mais otimistas.
Os dados são influenciados pela desaceleração do mercado de trabalho, o endividamento pesado e as elevadas taxas de juros, que diminuem as intenções de compra para os próximos meses.
Nos últimos dias, comunicado do Banco Central deu a entender que a taxa básica de juros (Selic) pode se manter em 13,75% por mais tempo que o esperado, levantando ainda mais dúvidas sobre o desempenho do PIB neste ano.
Incerteza aumenta pelo quarto mês seguido
Se a confiança de consumidores e empresários está em baixa, o nível de incerteza em relação à economia apurado pela FGV aumentou, em janeiro, pelo quarto mês seguido. A alta é atribuída às discussões sobre a política econômica do novo governo, com possíveis implicações sobre o direcionamento da dívida pública e da inflação.
A FGV calcula o Indicador de Incerteza a partir de dois componentes: a frequência de notícias com menção à incerteza e as variações das previsões de analistas econômicos para inflação, taxa de câmbio e taxa Selic.
O presidente Lula (PT) é crítico do teto de gastos – que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pretende substituir por outra política fiscal, de contornos ainda desconhecidos – e defende a revisão, para cima, das metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
“Vale citar que nos dias seguintes ao 8 de janeiro, quando os edifícios do Congresso, STF e Palácio do Planalto foram invadidos por manifestantes, o nível de incerteza chegou a subir ainda mais (o patamar atual está em 113,3 pontos) para depois recuar um pouco”, diz a economista Anna Carolina Gouveia, do Ibre/FGV.
Segundo ela, a incerteza inicia o ano em patamar elevado e não há sinais de convergência para níveis mais confortáveis no curto prazo.
Serviços sofrem com perda de fôlego na demanda
No setor de serviços, o índice de confiança caiu 2,7 pontos na passagem de dezembro para janeiro. O recuo do indicador começou em outubro e agora ele chegou ao menor nível desde fevereiro de 2022.
Segundo Rodolpho Tobler, economista do Ibre/FGV, a redução no primeiro mês do ano foi influenciada principalmente pelo aumento do pessimismo em relação aos próximos meses, mas também por uma "menor satisfação com a situação atual, gerada pela perda de fôlego da demanda".
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o volume de serviços prestados às famílias encolheu em outubro e novembro frente ao mês anterior. E os serviços de informação e comunicação, os profissionais, administrativos e complementares e os transportes vêm registrando perda no ritmo de expansão.
Segundo Tobler, o cenário para os próximos meses não deve ser facilmente revertido, uma vez que as questões macroeconômicas envolvidas nessa desaceleração devem permanecer por algum tempo.
“A cautela dos empresários é percebida em suas projeções para o curto prazo com queda na demanda prevista, nas contratações e na tendência dos negócios para os próximos seis meses”, diz o economista.
No ano passado, o setor de serviços criou 1,18 milhão de novas oportunidades formais de trabalho, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), de um total de pouco mais de 2 milhões de empregos com carteira gerados em toda a economia.
Comércio sente juros e inflação em patamares elevados
Queda ainda mais forte na confiança ocorreu no comércio, onde o índice despencou 4,4 pontos em janeiro, alcançando o menor nível desde março de 2021.
“Esse resultado negativo foi influenciado pela piora mais forte das avaliações sobre o presente, mantendo o padrão que já se observava no fim de 2022, sugerindo redução da demanda e consequente desaceleração do setor", aponta Tobler, da FGV. "As expectativas para esse novo ano não são animadoras, dado que o momento de juros e inflação ainda em patamar alto, e consumidores com poder de compra reprimido não permitem vislumbrar uma recuperação no curto prazo.”
O setor sofre com a menor demanda do consumidor por crédito – ela caiu 16,7% em novembro, comparativamente ao mesmo mês de 2021, segundo o dado mais recente da Serasa Experian. Em paralelo, a inadimplência aumentou – 69,8 milhões de pessoas têm alguma restrição de crédito no país, de acordo com a empresa.
Quem também detectou uma perda de confiança entre os comerciantes foi a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O indicador calculado pela entidade está no menor nível desde abril de 2022.
Conforme a CNC, quase um terço dos varejistas acredita em piora da economia nos próximos meses, e 23,7% têm expectativa de queda nas vendas.
Segundo a economista Izis Ferreira, da CNC, "a piora na percepção das condições atuais e das expectativas está levando os comerciantes a reavaliar investimentos na empresa e na recomposição dos estoques".
A CNC aponta que, em janeiro, 42,4% dos comerciantes pretendiam reduzir seus investimentos, o maior percentual desde junho do ano passado. Um dos responsáveis por esse cenário mais problemático são os juros. Ferreira avalia que eles permanecerão elevados pelo menos até o terceiro trimestre do ano, o que deve prejudicar o comércio de bens mais dependentes do crédito.
Indústria registra acomodação e enfrenta falta de confiança
A confiança dos industriais teve uma ligeira queda em janeiro, segundo o Ibre/FGV. Segundo Stefano Paccini, economista da instituição, o ano começa com um cenário de acomodação, já que há uma percepção de novo enfraquecimento da demanda, que se reflete em aumento no nível dos estoques.
Segundo a sondagem, os empresários esperam uma melhora na tendência dos negócios, gerada por alguma reação da demanda e de recuperação das contratações – o que, porém, não levará necessariamente a aumento de produção. “Mesmo com resultados menos pessimistas, isso não se refletiria numa melhora da produção nos próximos meses, o que pode estar relacionado ao nível de estoques”, comenta.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que faz uma sondagem própria, o cenário é mais complexo. Desde junho de 2020, é a primeira vez que o setor como um todo demonstra falta de confiança.
A entidade aponta que os empresários passaram a perceber piora das condições de suas empresas. Em relação às condições da economia brasileira, a percepção de piora se tornou mais intensa e disseminada. Em relação ao futuro, as expectativas para as empresas seguem positivas, embora menos otimistas do que em relação à economia brasileira.
Revisão das perspectivas da atividade impacta na construção
O índice de confiança da construção registrou, em janeiro, a quarta queda seguida, puxada pela revisão das perspectivas da atividade nos próximos meses. A coordenadora de projetos de construção do Ibre/FGV, Ana Maria Castelo, aponta que esses resultados vêm da previsão dos empresários de queda na demanda, refletida também em uma visão negativa para a tendência dos negócios.
Um dos balizadores do setor é a trajetória futura da taxa básica de juros e, sem um horizonte claro de quando iniciarão as quedas, não há como prever uma melhora das projeções para os negócios no médio e longo prazo.
Castelo ressalta que a construção apresentou uma resiliência muito grande em 2022. “O setor imobiliário residencial, por exemplo, teve desempenho excepcional nas vendas. A questão para 2023 é se os bancos subirão mais as taxas de juros. Se isso acontecer, o cenário ficará mais complicado”, diz.
Segundo ela, o cenário de juros vai se refletir na desaceleração contratada da atividade econômica, o que tende a repercutir no emprego e na renda, tornando o comprador mais cauteloso. “Acumular estoque não é o desejo do mercado”, cita.