Um recado sutil, mas contundente, foi passado pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) no comunicado em que justifica as razões para a redução, da taxa Selic, de 13,25% para 12,75% ao ano: o governo precisa cumprir suas obrigações para permitir a continuação do ciclo de redução de juros.
O recado foi direcionado ao governo federal. “Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas”, destaca o comunicado divulgado na quarta-feira (20), após a reunião.
Na reunião anterior, pela primeira vez em três anos, o Copom havia retirado do comunicado as referências à questão fiscal. Mas o refresco durou pouco.
Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena, observa que enquanto na ata de agosto alguns membros do Copom avaliavam que ainda persistia alguma incerteza entre os agentes econômicos sobre a superação dos desafios fiscais, o que poderia também estar afetando as expectativas de inflação em prazos mais longos, agora o comitê enfatiza a importância da realização das metas fiscais já estabelecidas para ancorar as metas de inflação.
“Em outras palavras, fica claro o recado de que uma frustração com o resultado primário ou uma eventual mudança das metas fiscais poderia levar a uma desancoragem adicional das expectativas, afetando a condução da política monetária”, ressalta ele.
A situação vem se deteriorando nos últimos meses. Depois de atingir o piso de 72,6% do PIB em janeiro, o endividamento público subiu para 74,1% do PIB em julho, segundo dados do BC. E as contas, que fecharam no azul no ano passado com um superávit primário de 1,28% do PIB, já estão no vermelho: no acumulado dos 12 meses encerrado em setembro, registraram déficit primário de 0,78% do PIB.
Apesar do aumento de impostos – como a reoneração dos tributos federais sobre combustíveis, a alteração na tributação de compras online do exterior e a tributação periódica de fundos de investimento –, a receita líquida do governo caiu 5,3% em termos reais, enquanto as despesas aumentaram 8,7% na comparação entre os sete primeiros meses de 2022 e 2023.
O economista Júlio César Barros, da Daycoval Asset, avalia que a reintrodução do tema fiscal no comunicado do BC foi mais um alerta sobre a importância de cumprir a meta, mas sem incluir no balanço de riscos. “Além, claro, de apontar o ritmo de quedas.”
Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP Investimentos, destaca que o comunicado levanta a dúvida de que, caso o governo tenha que mudar a meta fiscal ou não a cumpra, isso pode afetar a magnitude dos futuros cortes.
Desinflação vai ser menor, indica BC
Outra mensagem transmitida pelo Copom, segundo o estrategista Nenad Dinic, do banco suíço Julius Baer, refere-se ao processo de desinflação, que tende a ser menos pronunciado na atual fase de redução das taxas de juros.
Depois de atingir o mínimo recente de 3,16% em junho, a inflação em 12 meses voltou a subir, atingindo 4,61% em agosto. Uma das principais razões para essa alta foi a exclusão das deflações registradas no terceiro trimestre de 2022 do cálculo.
Os analistas não veem muito espaço para aceleração no ritmo de cortes de juros. Segundo os economistas do BV, os principais fatores que têm limitado essa possibilidade devem permanecer nos próximos meses. Eles incluem:
- pressão sobre os juros globais;
- preocupação com o crescimento chinês;
- dificuldade no atingimento das metas globais; e
- resiliência da inflação.
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