Um efeito dominó, que está sendo impulsionado pela retração das expectativas em relação à economia brasileira, está sendo sentido pelas linhas internacionais de navegação que atendem ao comércio exterior brasileiro. Um levantamento feito pela consultoria Dataliner para a Maersk, uma das principais operadoras nos portos brasileiros, mostra uma queda de 2% nas exportações e importações no primeiro trimestre, comparativamente a igual período de 2018.
"Sem expectativas favoráveis, os consumidores estão reduzindo seus gastos. Com isso, cai a demanda de bens de consumo; afetando as importações e, por conseguinte, se refletindo no transporte de cargas", diz Matias Concha, gerente de produto da Maersk para a Costa Leste da América do Sul.
A pesquisadora Lia Valls, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) explica que o volume de importações reflete o nível de atividade da economia. "Quando a economia vai bem, as importações aumentam."
Pé no freio
Um dos segmentos onde é mais evidente esse problema é o de manufaturados. "Os investidores pisaram no freio", diz Eunice Minczuk, gerente de operações terrestres da Maersk. As importações de cargas de máquinas e equipamentos caiu 5% no comparativo entre os primeiros trimestres de 2018 e 2019, de acordo com dados da Dataliner. E a de bens de consumo, 7%.
Outra situação que causa preocupação e que pode ter reflexos no médio prazo é a queda de 10% nas importações de produtos químicos, principalmente fertilizantes. O produto é crucial para o incremento das exportações brasileiras, que tem a soja como principal produto.
Concha aponta que é difícil ver um crescimento expressivo da safra com este cenário. "Está claro para nós que os produtores agrícolas estão apertando os cintos e vão segurar os gastos este ano, o que não é bom para a indústria."
As implicações desta retração podem ter um impacto mais profundo na economia, afetando as exportações de produtos básicos, que são mais da metade do total, segundo dados do Ministério da Economia.
“Ao analisar a queda (na importação) dos fertilizantes significa dizer que haverá menos exportações e menos empregos. Por sua vez, isto enfraquecerá ainda mais o consumo. A questão é quanto tempo durará o mau desempenho do consumo, já que as empresas que deveriam ter começado a contratar agora estão, pelo contrário, reduzindo os gastos, dispensando funcionários com cargos mais altos e caros.”
Antônio Dominguez, diretor geral da Maersk para a Costa Leste da América do Sul
Expectativas desfavoráveis
O cenário não é animador, pelo menos no curtíssimi prazo, apontam executivos da Maersk:
"A reforma da previdência - aprovada ou não no terceiro trimestre - deixa o país em espera. Empresas adiam seus investimentos por ainda não terem certeza se o novo governo no Brasil conseguirá apoio o suficiente para seu programa de reformas. As esperanças de uma onda de contratações no segundo trimestre e o início de uma recuperação econômica modesta agora estão frustradas."
Brazil Trade Report da Maersk
As expectativas se deterioram a cada semana. As projeções para o crescimento da economia estão em queda há 14 semanas, segundo relatório Focus, pesquisa realizada semanalmente pelo BC junto a instituições financeiras. A última expectativa, divulgada na segunda, sinaliza uma alta de 1,13% no PIB neste ano, mesma expansão registrada nos últimos dois anos. Mas já há bancos projetando taxas de expansão inferiores a 1%.
Exportações prejudicadas
Mesmo com o real mais fraco com que o dólar - a desvalorização média entre os cinco primeiros meses de 2018 e 2019 foi de 14,6%, segundo dados do Banco Central (BC), as empresas não estão conseguindo se beneficiar desta situação. Entre janeiro e maio, as exportações atingiram US$ 92,8 bilhões, 0,9% a menos do que em igual período do ano passado.
A situação coincide com uma temporada em que os portos não estão congestionados, não há falta de contêineres no mercado - situação que persistiu até o início do ano - e não há greves.
Segundo Denis Freitas, diretor da transportadora marítima Safmarine para a Costa Leste da América do Sul, o fraco desempenho expõe a falta de competitividade do produto brasileiro no exterior e ressalta a necessidade do estabelecimento de acordos comerciais.
O problema de falta de competitividade ocorre mesmo em segmentos em que o Brasil tem relevância, como o agronegócio. "O Brasil não está conseguindo materializar oportunidades nem no mercado da proteína, onde é um forte player. Isto acaba gerando oportunidades para outros países", diz Concha, da Maersk.
Isto ocorre em um cenário em que a China, o maior comprador mundial de soja, está restringindo as compras da oleaginosa dos Estados Unidos, por causa da guerra comercial, e enfrenta uma epidemia de peste suína, que a obriga a buscar carne no exterior.
Um dos países que mais está ganhando espaço no mercado chinês é a Austrália, com aumento de exportações de carne bovina. E os parceiros do Mercosul também estão ganhando espaço no mercado internacional.
A Argentina está aproveitando a desvalorização de sua moeda para promover as exportações de carne e fruta. O Uruguai firmou um acordo para exportar carne bovina ao Japão.
O resultado, de acordo com o executivo, é que parceiros tradicionais estão olhando o Brasil com certa preocupação, tanto em relação à competitividade, quanto às questões políticas. "O que é importante que esse resultado ruim não continue e que não se torne uma tendência maior", enfatiza Dominguez.
Falta de acordos bilaterais
Uma das dificuldades mais evidentes, segundo o executivo. é a falta de acordos bilaterais por parte do Brasil, que dificultam a entrada e saída facilitada de produtos.
Um dos mais importantes acordos em negociação envolve o Mercosul e a União Europeia. As tratativas estão em andamento há 20 anos e em março tiveram mais uma rodada de negociações que se mostrou infrutífera. Mas os presidentes da Argentina, Maurício Macri, e do Brasil, Jair Bolsonaro, acreditam que o acordo pode ser selado até o final do mês, quando acontece uma nova rodada de negociações em Bruxelas (Bélgica).
Outro aspecto preocupante e que tem impactos negativos, de acordo com a executiva, é a instabilidade cambial, decorrente das idas e vindas na tramitação da reforma da Previdência. "A oscilação dificulta o fechamento de contratos de comércio exterior." No ano, a cotação do dólar já oscilou ente a mínima de R$ 3,65 e a máxima de R$ 4,10.