O Brasil registrou em 2008 um nível recorde na queda da desigualdade social, com um movimento que elevou uma parcela considerável da população a classes sociais mais elevadas. A conclusão é do estudo "Crônica de uma crise anunciada: choques externos e a nova classe média brasileira", divulgado na semana passada pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.
O destaque foi o crescimento de 4,13% na classe C, que consolidou-se como a classe econômica mais expressiva da sociedade brasileira, representada por 52,3% da população. Esse crescimento da classe média foi alimentado pela diminuição das camadas mais pobres, com a redução de 10,8% na classe E e de 5,9% na classe D em 2008.
Sem crise
Outro dado da pesquisa indica que a parcela da população que já pertencia à classe C ainda não foi afetada pelos efeitos da crise econômica internacional. O estudo considera julho de 2007 como a primeira fase da crise e setembro de 2008 como o segundo estágio. O único estrato social afetado, após o segundo estágio, é a classe AB. Com o agravamento do cenário econômico no último trimestre de 2008, a classe AB sofreu retração de 0,65%, mas, mesmo assim, fechou o ano com crescimento de 4,42%. O movimento é atribuído principalmente à queda nas bolsas de valores, que representou diminuição do capital das classes mais altas.
Para efeitos de definição de classes econômicas, a FGV considera como classe E as famílias com renda total de até R$ 804, considerando todas a fontes; classe D são as famílias com renda entre R$ 804 e R$ 1.115. A classe C (classe média) é composta por famílias com renda entre R$ 1.115 e R$ 4.807 e a classe AB (alta), por famílias com ganho mensal acima de R$ 4.807. Os valores são atualizados a preços de dezembro de 2008.
Para o coordenador da pesquisa da FGV, professor Marcelo Néri, a mobilidade ascendente é um fato inédito no Brasil, e contribui com a criação de um "efeito amortecedor" dos efeitos da crise na economia do país.
"Nunca houve uma mudança tão forte por tanto tempo. A única que se assemelha a essa é a verificada no chamado Milagre Econômico [que durou entre os anos de 1969 e 1973, sob o regime militar]. Mas, àquela época, o bolo cresceu e não foi distribuído; desta vez o fermento está justamente nas classes mais baixas", justifica.
Mobilidade
No acumulado dos últimos seis anos, a classe C apresentou crescimento de 21,6%. A empregada doméstica Maria Colombo é um exemplo da emergência dessa nova classe social. Nos últimos anos, o aumento real na renda alavancou sua família da classe D para a classe C. Somado o salário do marido encanador ao seu, a renda mensal da família de Maria chega a R$ 2,5 mil.
Ela garante que a mudança no padrão de vida é sensível. "Hoje dá para faz mais do que antes. Por exemplo, no supermercado, dá para comprar carne com maior frequência e sobra para comprar uma caixa de bombom por semana. Antes só dava para fazer isso na Páscoa e no Natal", compara. Além disso, a filha mais velha do casal está cursando jornalismo na Universidade Positivo, com bolsa do programa Universidade Para Todos (ProUni), do governo federal.
Para o consumo de bens duráveis, a trabalhadora conta que prefere poupar e comprar à vista do que apelar para financiamentos. "Se não você acaba endividado. Pagando à vista dá para conseguir desconto e se livrar da preocupação com dívidas", garante.
O aumento da renda da família também possibilitou a conclusão da reforma interna da casa própria. A família agora poupa para terminar a obra externa e trocar de carro assim que possível.
O coordenador da FGV revela que os efeitos da melhor distribuição socioeconômica têm reflexos no índice de crescimento do país. "O Brasil não era nenhum tigre asiático e crescia menos que a média mundial, mas agora começa a ganhar posições no ranking. Em 2007, éramos o 30° país em termos de crescimento. Em 2008 saltamos para a 22ª posição e a projeção para 2009 é de ficarmos em 8º lugar", aponta. "Mas é importante ressaltar que, em termos relativos, não foi o Brasil que melhorou, mas os outros caíram. Mesmo assim, isso só se sustenta pela melhor distribuição de renda, que alimenta o mercado interno", avalia Néri.
"Mas não podemos ter ingenuidade achando que isso é a solução para tudo. O contexto é interessante e oferece oportunidades. Para aproveitá-las, é preciso direcionar políticas para aproveitar o potencial desses nichos, integrando as classes emergentes aos mercados."
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