Veja comparativo da inflação dos últimos 28 anos| Foto:

Há três semanas, um sortudo metalúrgico de Taubaté (SP) protagonizou uma história que, se tivesse ocorrido há 15 anos, teria um final bem mais pobre – ou menos rico. O sujeito passou três meses sem saber que havia acertado as seis dezenas da Mega Sena, e só retirou os R$ 5,3 milhões a que tinha direito no último dia do prazo. Com isso, a fortuna esquecida deixou de render pelo menos R$ 80 mil, e seu poder de compra encolheu pouco mais de 1%, uns R$ 60 mil, por causa da inflação. Uma ninharia, ao menos para o metalúrgico milionário.

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Quem cometesse o mesmo descuido nos primeiros meses de 1994, quando os preços subiam a uma média mensal de 43%, teria de se contentar com muito menos. Em 90 dias, a inflação "comeria" dois terços do poder de compra do prêmio. Mais três meses embaixo do colchão, e seu poder aquisitivo cairia a um décimo do original.

Antes do Plano Real, que completa 15 anos na próxima quarta-feira, os brasileiros conviveram por mais de uma década com uma inflação que superava facilmente a marca de 100% ao ano. Entre 1980 e 1993, a média anual foi de 428%, coisa de 14% ao mês, ou 0,46% ao dia. Se causava algum desconforto a milionários desavisados, o "imposto inflacionário" era um verdadeiro flagelo para a maior parte da população. Dependendo da época, os salários demoravam meses a ser reajustados, e pessoas sem conta bancária simplesmente não tinham direito à correção monetária e ao "overnight" – instrumentos que por muito tempo camuflaram ineficiências de bancos, empresas e do próprio governo.

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Sucesso

Fruto de uma sofisticada engenharia política, econômica e jurídica, o Real não teve apenas o mérito de derrubar a inflação e mantê-la em níveis minimamente civilizados – algo que seis pacotes fracassaram em fazer entre 1986 e 1991. Mais importante, o plano conseguiu enfraquecer uma "cultura inflacionária", que por anos incentivou o lucro meramente financeiro, desestimulando o investimento em produção e tecnologia e mantendo o país em um resignado (e, para alguns, confortável) atraso.

O sucesso do plano em acabar com a chamada "memória inflacionária" – fenômeno em que a inflação presente se alimenta da inflação passada, provocando um círculo vicioso – foi tal que, hoje, muita gente nem lembra de hábitos cultivados à força até 1994. "A gente vai se esquecendo dos tempos de inflação. Felizmente", admite Oswaldo Lazzaris, sócio da panificadora Pote de Mel, de Curitiba. "Faz quase seis anos que trabalhamos com o pão francês a R$ 6 o quilo. Antes do Plano Real, tinha que aumentar a cada dez ou quinze dias, o que irritava o freguês, porque o salário dele não subia junto."

Nos últimos 15 anos, os preços monitorados pelo IPCA, o indicador oficial, subiram a uma média que não chega a 8% ao ano. As previsões do mercado indicam que, em 2009, o índice tende a ficar muito próximo da meta perseguida pelo Banco Central (4,5%). É mais do que em países desenvolvidos, mas quase nada para o padrão histórico brasileiro.

Compromisso

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Nem tudo o que ocorreu a partir do momento em que o real começou a circular, em 1º de julho de 1994, agradou – e nunca faltaram críticas aos efeitos colaterais do método adotado para derrotar a inflação. Empresas e bancos quebraram. O desemprego subiu. Exportadores chiaram muito no início do plano, e ainda reclamam. Ao contrário do prometido, os gastos do governo não pararam de crescer, elevando o endividamento público, exigindo uma carga tributária cada vez maior e impedindo quedas mais fortes na taxa de juros. E o juro alto – que em nada combina com um país de inflação controlada – limita o crescimento da economia.

Ainda restam desafios consideráveis ao país do real. Mas economistas fazem questão de reforçar que, antes de mais nada, é preciso manter a todo custo o compromisso de segurar a inflação. Alegam que os eventuais benefícios de tolerar índices menos comportados, como volta e meia alguém sugere, não compensariam os custos.

"O combate à inflação continua imprescindível, por mais que o nível dos juros incomode", diz Luiz Afonso Cerqueira, do conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-PR), referindo-se ao sistema de metas para a inflação, adotado em 1999, no qual o país usa a taxa básica de juros (Selic) para "calibrar" a evolução dos preços. Para Fernando Antônio Ribeiro Soares, doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), o governo não deve apenas cumprir as metas de inflação – tem de sinalizar e reforçar, sempre, que está comprometido com elas. "Se o comprometimento não persistir, o risco, e o consequente retrocesso, serão muito grandes."