O presidente Jair Bolsonaro (PL) elevou a pressão sobre a Petrobras em razão da alta nos preços dos combustíveis, puxada principalmente pela cotação do petróleo no mercado internacional. Em menos de um mês, ele trocou o ministro de Minas e Energia e anunciou a terceira substituição no comando da empresa depois de se irritar com um reajuste no valor do óleo diesel praticado pela estatal.
A insatisfação do presidente está diretamente relacionada à política de preços que a Petrobras adota e que é conhecida pela sigla PPI (preço de paridade de importação), que faz com que a empresa alinhe o valor dos derivados que saem de suas refinarias à cotação internacional do petróleo e a custos de logística que importadores precisam bancar.
“Tem uma legislação errada feita lá atrás que você tem uma paridade com o preço internacional. Ou seja, o petróleo – o que é tirado do petróleo – leva-se em conta o preço fora do Brasil. Isso não pode continuar acontecendo”, disse Bolsonaro, em março, em entrevista à Rádio Folha de Roraima. “Estamos vendo isso aí, sem ter nenhum sobressalto no mercado.”
O objetivo da estratégia, adotada desde 2016, é manter o mercado atrativo para que refinarias privadas e importadores possam suprir a demanda do país, uma vez que, sozinha, a companhia não é capaz de fornecer todo o combustível que os brasileiros consomem.
Sem mudar o PPI, o que a diretoria da empresa pode fazer é alterar a frequência com a qual repassa as oscilações de preço do mercado internacional. Em 2018, a Petrobras fez 177 reajustes nos preços praticados nas refinarias. Em 2021, já sob a pressão de Bolsonaro, foram apenas 16 mudanças nos valores do diesel e 12, nos da gasolina. Neste ano, até momento, a estatal reajustou a gasolina duas vezes, e o diesel, três.
Nesta quarta-feira (8), a Petrobras divulgou nota em que "reitera o seu compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado global, necessária para a garantia do abastecimento doméstico" e "para que o país continue sendo suprido sem riscos de desabastecimento pelos diversos agentes".
A empresa afirma que, "em um cenário de escassez global, o abastecimento nacional requer uma atenção especial", e que "o país é estruturalmente deficitário em óleo diesel, tendo importado quase 30% da demanda total em 2021".
Com isso, a estatal quer dizer que os preços locais precisam estar alinhados ao mercado internacional para que os importadores continuem ajudando no abastecimento do mercado interno. Segundo a Abicom, que representa os importadores, o preço do diesel vendido pelas refinarias da Petrobras está 15% abaixo das cotações internacionais, e a gasolina tem defasagem de 19%.
Acabar com a PPI não depende apenas de decisão de Bolsonaro, do ministro de Minas e Energia ou de qualquer nome indicado para a presidência da Petrobras. A empresa, embora controlada pela União, é uma sociedade de economia mista e, portanto, toda e qualquer mudança em sua estratégia precisa passar por seu conselho de administração, que é eleito em assembleia de acionistas.
A metodologia foi adotada no governo de Michel Temer (MDB), sob a gestão de Pedro Parente na Petrobras, depois de anos de prejuízos da companhia em razão de uma política de controle de preços na estatal na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Ex-membros do Conselho de Administração da Petrobras chegaram a ser julgados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por causa da política na época do governo petista. A acusação entendia ter havido falha no dever de lealdade dos conselheiros, por terem induzido investidores a erro ao retardar decisão sobre mudanças na precificação. O julgamento terminou em 2021 com a absolvição dos investigados.
Que poder tem o governo sobre as decisões da Petrobras
Hoje, a União tem 36,61% do capital total da petroleira, mas mantém o controle acionário em razão de possuir 50,26% das ações ordinárias, aquelas que dão direito a voto. O restante dos papéis está majoritariamente nas mãos de investidores estrangeiros (44,49%), enquanto brasileiros detêm 18,9% das ações da empresa. As ações são negociadas na B3 e na bolsa de Nova York.
Por ser acionista controlador, a União tem a prerrogativa de indicar a maior parte das cadeiras do Conselho de Administração da Petrobras, o que, em tese, confere ao governo federal algum domínio sobre as decisões.
No momento, esse colegiado é composto de 11 pessoas, das quais seis foram indicadas pelo governo: Márcio Andrade Weber (presidente do conselho), José Mauro Ferreira Coelho (presidente da companhia), Luiz Henrique Caroli, Murilo Marroquim de Souza, Ruy Flaks Schneider e Sonia Julia Sulzbeck Villalobos.
Os demais membros são Francisco Petros Oliveira Lima Papathanasiadis, José João Abdalla Filho, Marcelo Gasparino da Silva, Marcelo Mesquita de Siqueira Filho e Rosangela Buzanelli Torres.
Lei das Estatais e Lei das S.A. proíbem abuso de poder da União
Para evitar abuso de poder do acionista controlador, a Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) veda a indicação ao conselho de qualquer ocupante de cargo público comissionado ou que tenha atuado em partido político ou campanha eleitoral nos 36 meses anteriores. Também proíbe sindicalistas e pessoas que tenham firmado contrato com a Petrobras como fornecedor ou comprador ou que tenha qualquer forma de conflito de interesses.
O mesmo texto exige que, para ser membro do colegiado, o indicado precisa ter “reputação ilibada” e “notório conhecimento”, tendo experiência profissional de no mínimo dez anos na área de atuação da Petrobras, ou quatro anos em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa.
Os nomes são avaliado pelo Comitê de Pessoas da Petrobras, que recomenda a aprovação ou rejeição, com base em uma série de critérios, incluindo a Lei das Estatais. A decisão final, no entanto, cabe ao próprio Conselho de Administração, que nem sempre segue à risca as restrições.
O nome escolhido para novo presidente da companhia, Caio Paes de Andrade, não cumpre os requisitos da legislação. Em 2021, o general Joaquim Silva e Luna também teve sua indicação questionada em razão de não cumprir as exigências da lei, mas acabou tendo o nome aprovado pelos conselheiros da empresa.
No início deste ano, após Silva e Luna ser demitido, também por insatisfação de Bolsonaro com um reajuste nos combustíveis, o nome do empresário Adriano Pires foi indicado para ocupar o lugar. Ele acabou desistindo do cargo, no entanto, após ter seu nome questionado pelo Comitê de Pessoas por conflito de interesses.
A Lei das Estatais foi criada após o escândalo de corrupção na empresa que ficou conhecido como Petrolão justamente com o objetivo de blindar estatais de interferências políticas que levem prejuízos aos seus negócios. Em seu artigo 14, diz que a União deverá “preservar a independência do Conselho de Administração no exercício de suas funções”. No artigo 15, prevê responsabilização ao acionista controlador e à empresa por “atos praticados com abuso de poder”.
O parágrafo 2.º do artigo 8.º diz ainda que obrigações e responsabilidades que a estatal assuma “em condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado em que atuam” deverão:
- Estar claramente definidas em lei ou regulamento, bem como previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-las, observada a ampla publicidade desses instrumentos;
- Ter seu custo e suas receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil.
Outra lei que rege a Petrobras, a 6.404/1976 (Lei das S.A.), também prevê responsabilização por abuso de poder se o acionista controlador “promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia”.
Estatuto da Petrobras prevê responsabilização de conselheiros por prejuízos à companhia
Com última atualização em abril de 2017, o próprio estatuto da Petrobras prevê também responsabilização individual e coletiva dos membros do conselho “pelos atos que praticarem e pelos prejuízos que deles decorram para a companhia”.
O documento estabelece que “as atividades econômicas vinculadas ao objeto social da empresa serão desenvolvidas pela companhia em caráter de livre competição com outras empresas, segundo as condições de mercado” e de acordo com o que diz a Lei do Petróleo (9.478/1997).
Conforme essa lei, o objeto social da Petrobras é a “pesquisa, a lavra, a refinação, o processamento, o comércio e o transporte de petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas, de seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, além das atividades vinculadas à energia, podendo promover a pesquisa, o desenvolvimento, a produção, o transporte, a distribuição e a comercialização de todas as formas de energia, bem como quaisquer outras atividades correlatas ou afins”.
Interesse público pode se sobrepor ao da empresa
Apesar das blindagens criadas na legislação para evitar novos prejuízos à Petrobras, há previsão legal para uma eventual intervenção na companhia. A Lei das S.A., por exemplo, cita em seu artigo 238 que “a pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
A própria Constituição Federal, embora cite (no artigo 170) a livre concorrência como um dos princípios da ordem econômica, abre brecha (no artigo 173) para a exploração direta de atividade econômica pelo Estado “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
Essa, aliás, tem sido a justificativa de Bolsonaro para criticar os reajustes definidos pela Petrobras e os resultados que a empresa tem apresentado ultimamente. “Eu espero, nos próximos dias, com as mudanças que fiz no Ministério de Minas e Energia, que nós consigamos mexer com a Petrobras, fazer com que ela cumpra um dispositivo constitucional, que fala do fim social da empresa”, disse o presidente há algumas semanas, ao comentar a demissão do ex-ministro Bento Albuquerque.
“Apesar de estar na Constituição o seu caráter social, [a Petrobras] não aplica. Ela tem um lucro fenomenal, não se compara percentualmente com outras petrolíferas do mundo todo”, reiterou Bolsonaro no fim de maio, em entrevista à rádio Massa FM.
A ideia de o governo interferir na Petrobras, no entanto, encontra forte resistência do mercado. Em fevereiro de 2021, após Bolsonaro anunciar a demissão de Roberto Castello Branco da presidência da companhia, os papéis da empresa chegaram a cair 21%. Já a última menção do presidente à revisão da PPI, em março, fez as ações da companhia perderem 7% de seu valor.
Economistas especializados no setor entendem que qualquer política voltada a combater a alta nos preços dos combustíveis deve ser feita com recursos do Tesouro, e não por conta da margem de lucro da Petrobras.
A possibilidade de um subsídio do governo para o óleo diesel é defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mas o Ministério da Economia é refratário à proposta.
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