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Sob a liderança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um manifesto em defesa da harmonia entre os três Poderes tem gerado novos desentendimentos antes mesmo de ser divulgado oficialmente. Intitulado “A Praça é dos três Poderes”, a carta seria publicada em diversos veículos de comunicação nesta terça-feira (31).
Após uma conversa do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, principal articulador do documento, com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a divulgação foi adiada. Segundo o jornal “O Globo”, ficou combinado que o documento sairá apenas na semana que vem, após o feriado de 7 de setembro, data para a qual estão marcadas manifestações pró-governo pelo país.
O manifesto é visto por alguns setores como um movimento político de Skaf, apoiador de Bolsonaro de primeira hora e que deixará o comando da Fiesp após 17 anos. O empresário pretendia disputar o governo de São Paulo em 2022 com apoio do presidente da República, mas acabou tendo os planos frustrados com as recentes declarações de Bolsonaro em favor da candidatura do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ao Palácio dos Bandeirantes.
Apesar disso, Skaf tem feito questão de ressaltar, nos pedidos de adesão à iniciativa, que a mensagem não se dirige a um dos Poderes especificamente, mas a todos simultaneamente. No texto enviado a entidades e sindicatos para reunir assinaturas, o presidente da Fiesp afirmou que “mais do que nunca, o momento exige aproximação e cooperação entre Legislativo, Executivo e Judiciário e ações para superar a pandemia e consolidar o crescimento econômico e a geração de empregos”, segundo a “Folha de S.Paulo”.
À Gazeta do Povo, a Fiesp informou que não comentará o assunto. Informações que vieram à público dão conta de que mais de 200 entidades, entre associações, empresas e pessoas físicas, como economistas, devem aderir ao manifesto. A mensagem, construída ao longo das duas últimas semanas, será curta, com cinco parágrafos, e não mencionará nomes.
O jornal “O Globo” e depois a "Folha de S.Paulo" divulgaram nesta tarde o que seria a versão mais recente do documento, que circulava entre os empresários no início da tarde desta segunda-feira (30):
"A praça é dos três Poderes
A Praça dos Três Poderes encarna a representação arquitetônica da independência e harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, essência da República. Esse espaço foi construído formando um triângulo equilátero, cujos vértices são os edifícios-sede de cada um dos Poderes.
Esta disposição deixa claro que nenhum dos prédios é superior em importância, nenhum invade o limite dos outros, um não pode prescindir dos demais. Em resumo, a harmonia tem de ser a regra entre eles.
Este princípio está presente de forma clara na Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico do país. Diante disso, é primordial que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição nos impõe.
As entidades da sociedade civil que assinam este manifesto veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas. O momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional e, sobretudo, foco em ações e medidas urgentes e necessárias para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer, a gerar empregos e assim possa reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população.
Mais do que nunca, o momento exige do Legislativo, do Executivo e do Judiciário aproximação e cooperação. Que cada um atue com responsabilidade nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna. Este é o anseio da Nação brasileira."
Banco do Brasil e Caixa ameaçam deixar Febraban após adesão de entidade a manifesto
A maior polêmica até agora se dá em razão da adesão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que ocorreu sob forte divergência interna. Os presidentes da Caixa, Pedro Guimarães, e do Banco do Brasil, Fausto Ribeiro, ambos membros do conselho diretor da entidade, se opuseram à decisão. Eles encaram o documento como uma crítica ao governo federal, o que seria incabível aos dois bancos, já que o governo é o principal acionista de ambos.
Conforme apuraram diferentes veículos de imprensa, além da Fiesp e da Febraban, estariam representantes de diversos setores, como o comércio e o agronegócio. Alguns dos signatários do documento seriam:
- Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi);
- Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp);
- Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio);
- Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV);
- Associação Brasileira do Agronegócio (Abag);
- Instituto Brasileiro da Árvore (Ibá);
- Sociedade Rural Brasileira;
- Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee);
- Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave);
- Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop); e
- Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
A inclusão do nome da Febraban na lista de signatários da carta foi confirmada na sexta-feira (27), em uma reunião que contou com representantes de Bradesco, Itaú, Credit Suisse, JP Morgan, BTG, Safra, Santander e outros, de acordo com a “Veja”. Vencidos, Guimarães e Ribeiro, ambos alinhados ao Planalto, teriam comunicado que os bancos públicos deixarão a federação, criada em 1967, imediatamente após a publicação da carta.
O jornal “O Estado de S.Paulo” apurou que os bancos comunicaram ao governo que pretendem deixar a federação não apenas pelo apoio que ela dá ao manifesto, pelo fato de a própria ideia da carta ter surgido na Febraban. Somente depois é que a iniciativa teria sido encampada pelo presidente da Fiesp.
Além disso, a versão que saiu da entidade representativa dos bancos seria ainda mais enfática na crítica, embora também não citasse o nome do presidente da República. Falava em “grande preocupação em relação à escalada de tensões entre as autoridades públicas, o que coloca em risco um dos pressupostos para a funcionalidade da democracia: a harmonia entre os Poderes”, segundo o jornal.
Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estariam cientes do movimento dos bancos públicos.
Ao ser questionado sobre o assunto nesta manhã, O vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), disse que a Febraban e a Fiesp são “pilares da nossa civilização”. “São entidades da sociedade civil, com representatividade, e que consequentemente elas têm que sempre fazer valer às pessoas que foram eleitas por eles, o pensamento deles e as necessidades para que haja uma harmonia maior, vamos dizer, e uma comunhão de esforços e interesses entre os encarregados de governar, legislar, e o restante da nação”, disse Mourão à “Folha”, ao chegar em seu gabinete, em Brasília.
Também nesta segunda-feira (30), o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, disse que vai apresentar requerimento para ouvir Guedes e os presidentes dos dois bancos sobre a possibilidade de as instituições deixarem a Febraban.
“Não dá para ficar brincando com esse negócio de banco. É um assunto sério. Os bancos são importantes para a economia brasileira. Agora a gente politiza a questão do banco, complica muito”, disse o parlamentar à "Folha".
O ministro da Economia, por sua vez, disse ter sido informado de que o manifesto estaria suspenso. “A informação que tenho é que havia um manifesto em defesa da democracia, que não haveria problema nenhum, e que alguém na Febraban teria mudado isso para, em vez de ser uma defesa da democracia, seria um ataque ao governo. Aí a própria Fiesp teria dito ‘então não vou fazer esse manifesto’. E o manifesto está até suspenso por causa disso. Não estão chegando a um acordo”, disse Guedes, segundo o jornal.
À “CNN Brasil”, Skaf disse que a publicação de manifesto foi adiada com o objetivo de permitir novas adesões. Segundo o canal, houve pedidos para que o período de inscrição fosse estendido até o final desta semana, já que algumas entidades precisavam consultar seus integrantes e acionistas.
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