O pacote de impostos anunciado pelo governo federal na semana passada, que inclui tributação sobre a gasolina, levou o mercado a reajustar de maneira recorde no governo Dilma Rousseff a estimativa para a inflação oficial, medida pelo IPCA. Em uma semana, a projeção do índice para 2015 passou de 6,67% para 6,99% um avanço de 0,32 ponto percentual, o maior já registrado na gestão da petista. Os dados são do relatório Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, a partir das previsões do mercado financeiro.
Esta foi a quarta alta semanal consecutiva e apenas a segunda vez em que, na administração Dilma, a elevação superou 0,25 ponto percentual entre uma pesquisa e outra. A aposta de inflação das cinco instituições que mais acertam as previsões do relatório (chamadas de "Top 5") é ainda maior, de 7,28%, ante 6,90% na semana passada. Para janeiro, a expectativa é de que o IPCA suba 1,20% se confirmada, será a mais forte alta mensal desde março de 2003, quando a taxa se elevou 1,23%.
Esse conjunto de números indica que, pela primeira vez desde 2004, a inflação deve encerrar o ano acima do teto da meta estabelecida pelo governo, de 6,50%. "Em 2015, será muito difícil que a taxa fique dentro do limite. O governo até tem um discurso de que, no segundo semestre, o índice vai cair, mas o mercado já trabalha com outra perspectiva", diz o analista de inflação André Ramos, da agência de classificação de risco Austin Rating.
Tributos
O principal fator para a revisão dos dados foi os anúncios da volta da incidência da Cide sobre a gasolina e do reajuste do PIS/Cofins cobrado sobre os combustíveis. O banco Pine, por exemplo, prevê que somente o retorno da Cide amplie o preço final gasolina em 7,2%. O impacto na inflação é direto. "A gasolina tem um peso muito relevante no IPCA, respondendo por 3,80% do índice. Neste ano, o combustível deve subir 10,04%, sendo a maior parte agora", explica a analista de inflação Adriana Molinari, da consultoria Tendências.
Também entra na conta dos analistas o iminente reajuste da tarifa de energia, estimado em pelo menos 30%, já que o país enfrenta uma crise hídrica e o fim dos aportes do Tesouro Nacional na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) tende a onerar o consumidor, que passará a arcar com a despesa, conforme a admite a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O governo deixará de investir R$ 9 bilhões no fundo, que financia ações como o programa Luz Para Todos.
Também pressionam a inflação os gastos com transporte público, visto que cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte tiveram as tarifas reajustadas; e despesas típicas de início de ano, como mensalidade e material escolares."Essa concentração é atípica e elevará a inflação de janeiro para um patamar acima do habitualmente observado", diz o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.
Contrapeso
Economia em crise freia alta de preços
A inflação deste ano só não será maior, dizem analistas, por causa do momento ruim da economia, que deve reprimir a alta dos preços livres, que não dependem de atuação do governo. O relatório Focus indica expectativa de que o Produto Interno Bruto (PIB) suba apenas 0,13% neste ano. Algumas entidades já trabalham com expectativa negativa, como a consultoria Tendências, que estima queda de 0,5%.
O desaquecimento deve reduzir a oferta de crédito, dificultar a criação de empregos e gerar reajustes salariais inferiores aos de anos anteriores. "Os efeitos deflacionários vão atuar no sentido de segurar a inflação já neste ano. A demanda do consumidor vai diminuir e haverá pouco espaço para o repasse de preços reajustados", afirma André Luis Chagas, coordenador do IPC-Fipe. Voz dissonante no mercado, Chagas acredita que o IPCA fechará o ano dentro do teto da meta, de 6,50%. Ele diz que o cenário econômico já é de recessão e que isso se refletirá no fim do ciclo de alta dos preços, especialmente a partir do 2.º trimestre.