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Câmbio depreciado

Por que o real é a moeda que mais perdeu valor em 2020

Entenda os motivos que fizeram o real se tornar a moeda que mais desvalorizou em relação ao dólar em 2020
O real foi a moeda que mais desvalorizou em relação ao dólar em 2020, no acumulado até setembro. (Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas)

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O real foi a moeda que mais perdeu valor em relação ao dólar nos nove primeiros meses de 2020. A desvalorização acumulada de janeiro a setembro foi de 39,59%. Nenhuma divisa, entre as de países emergentes e as 33 mais negociadas no mundo, teve um desempenho tão ruim.

Para além da pandemia da Covid-19, que afetou o mundo inteiro, são os problemas domésticos, principalmente o risco fiscal, que explicam esse resultado ruim.

A Gazeta do Povo selecionou 15 moedas, entre as mais relevantes do mundo (como euro e libra) e as de países emergentes. O real aparece com o pior desempenho no ano. Na sequência, com desvalorizações de mais de 20% no ano, aparecem a lira turca (-29,76%), o peso argentino (-27,69%) e o rublo russo (-25,24%).

Ao longo deste ano, quatro dessas moedas registraram valorização em relação ao dólar, entre elas o yuan chinês (2,44%) e o iene japonês (2,92%). Mesmo assim, um dólar ainda vale mais que um yuan e um iene.

O euro (com alta de 4,35% no ano) e o franco suíço (4,90%) são as únicas divisas dessa lista que fecharam os nove primeiros meses em alta em relação ao dólar e superam a moeda norte-americana na cotação nominal – isto é, um euro e um franco valem mais que um dólar. A libra esterlina também supera o dólar, porém teve ligeira perda de valor no ano.

O ano foi marcado por uma valorização do dólar em relação a grande parte das moedas. O motivo é o de sempre: em momentos de incerteza, os investidores buscam a moeda norte-americana, que ao lado do ouro é vista como principal reserva de valor do mundo.

“O dólar global valorizou muito nos últimos nove meses. Existe um movimento global de fortalecimento do câmbio norte-americano, e isso também contribui para a nossa depreciação”, observa o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira.

A pressão doméstica depreciou o real

Países com câmbio muito líquido, como é o caso do Brasil e de outros emergentes, estão mais suscetíveis às oscilações. Os fatores externos que pressionam o câmbio – como a pandemia e os riscos da segunda onda, as eleições norte-americanas e a avaliação de pacotes de socorro de países como os EUA –, atingiram a todos.

“O pacote da pandemia, o sofrimento da pandemia, afeta todo mundo. Todas as moedas tiveram perda, mas o real perdeu mais”, resume Vanei Nagem, responsável pela mesa de câmbio da Terra Investimentos.

Se quase todos perderam, a explicação para o tombo mais forte do real está em problemas domésticos. E também no "exagero" do mercado interno, que costuma registrar quedas e altas mais fortes que as do restante do mundo.

Os ruídos de comunicação constantes, que trazem incertezas em relação ao compromisso fiscal e o andamento das reformas estruturais, também influenciam.

A economista da Coface para América Latina, Patricia Krause, frisa que um dos fatores que influenciam nessa desvalorização é o risco fiscal, que piorou bastante com a pandemia. O Brasil optou por aumentar o gasto público para mitigar os efeitos da crise sanitária, com ações como o auxílio emergencial e o crédito a pequenas empresas.

“Esse risco fiscal que foi colocado, que não se discute porque era necessário, tem esse efeito todo, com a dívida pública aumentando. Muitos países não colocaram tanta ajuda, o que se reflete no desempenho do câmbio. Tem esse risco soberano”, avalia.

Oliveira, do Banco Fibra, avalia que o quadro brasileiro, além da situação fiscal ruim, tem outras particularidades que influenciam essa desvalorização. Um fator são os juros baixos.

Com a Selic no menor patamar histórico, fixada em 2% ao ano, houve uma fuga de parte dos investidores que colocavam dinheiro no país por causa dos juros altos, em operações conhecidas como carry trade – em que o investidor toma dinheiro emprestado em um lugar com juros baixos (Estados Unidos ou Europa, por exemplo) para então aplicar o mesmo capital em outro país com juros altos (em geral, países emergentes).

A questão é que, no Brasil, os juros caíram, mas não foram acompanhados de uma alta no crescimento econômico, que facilitaria a atração de investimentos produtivos, que são mais estáveis e não "fogem" do país de uma hora para outra.

O resultado é que o fluxo cambial está negativo e o país enfrenta uma fuga de capital. “Você tem atrai não mais o dólar especulativo, mas o Brasil não cresceu nesse período. Não tem dinheiro de carry trade, nem de investimentos bons”, aponta Oliveira. Embora positivo, o saldo do investimento direto no país (entradas menos saída de dinheiro estrangeiro "produtivo") é o pior dos últimos 11 anos. Os ingressos desse tipo de recurso são os menores em quatro anos e as saídas, as maiores em pelo menos 25 anos.

Esse crescimento baixo ainda é reflexo das trapalhadas econômicas do governo Dilma Rousseff e da consequente recessão, que afetaram o risco Brasil. Apesar de algumas reformas terem saído do papel no governo Temer, os ruídos de comunicação da gestão Bolsonaro cobram o preço.

Oliveira pondera que isso começou ainda em 2019, com a desconfiança e a curiosidade em relação ao novo governo. Os embates com o Congresso e a questão ambiental, em que há um movimento de empresas adiando aportes ou desistindo de investir no país, coincidiram com a pandemia e um sentimento de que alguns planos do governo atual não vão sair do papel.

“Percebeu-se que, ao longo do tempo, as reformas não virão, que esse grupo [no poder] não é tão reformista. É outubro do segundo ano do mandato de Bolsonaro e não tem proposta de reforma tributária. O estrangeiro percebeu que, se não fazia reformas antes da pandemia, não vai fazer durante”, avalia.

O real vai voltar a subir?

A valorização e depreciação das moedas são processos de precificação do mercado. E dos mais difíceis de se prever.

Em sua última análise de cenário econômico, enviada nesta semana, os economistas do Bradesco avaliam que, nessa situação de câmbio depreciado, a sustentabilidade fiscal é um risco relevante e um desafio para a evolução do quadro brasileiro. Neste momento, os riscos fiscais internos se sobrepõem a quaisquer questões externas, o que deve manter o câmbio mais depreciado.

“Ao longo do fim deste ano e do próximo, acreditamos que a retomada da atividade, juntamente com um ambiente favorável para os termos de troca do país, dará respaldo para a manutenção da taxa de câmbio em R$/US$ 5,20, mesmo em meio a um elevado nível de volatilidade, sobretudo no curto prazo”, analisam.

Para Vanei Nagem, da Terra Investimentos, a desvalorização do real ante o dólar ocorreria de qualquer forma, ainda que o Brasil fosse um país economicamente mais forte. Além de todos os fatores da política e do risco fiscal, o exagero do mercado no país também pressiona o câmbio. Para ele, um bom preço de moeda hoje seria entre R$ 4,95 e R$ 5,10, o que tiraria um pouco o peso do dólar na inflação e tornaria o mercado interno mais competitivo.

Esse valor de câmbio só será alcançado com a diminuição do “exagero” do mercado, na visão de Nagem. “Esse exagero pode ser retirado com aprovação de pacotes de mudanças trabalhistas, tributárias, para ir voltando ao normal”, aponta.

Na avaliação de Patricia Krause, da Coface, o desenrolar da crise do coronavírus e a questão fiscal do Brasil é que vão influenciar o câmbio no futuro. “Num cenário base com vacina, sem segunda onda e pouco fechamento nos países da Europa, e as reformas caminhando aqui, é o que vai conter essa desvalorização”, aponta.

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