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A Receita Federal apagou o vídeo publicado em redes sociais em que o secretário especial do órgão, Robinson Barreirinhas, defendia a tributação de rendimentos em aplicações no exterior, as chamadas offshores. A postagem, incomum para os padrões do órgão, chegou a ser distribuída em um grupo oficial voltado a jornalistas que cobrem a área econômica do governo.
Segundo o jornal “O Estado de S.Paulo”, a gravação foi excluída por ordem de Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, após incômodo de deputados, que fizeram chegar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a queixa de que o governo estaria tentando “emparedar” o Congresso.
À noite, durante um jantar promovido pelo PoderIdeias, divisão de eventos do portal “Poder360”, em Brasília, o presidente da Câmara falou diretamente sobre o episódio. “Houve um tuíte desastroso do secretário da Receita. Um tuíte de mau gosto, com vídeo, com tudo, depois saiu do ar. A fala do Barreirinhas tocou fogo, ele joga rico contra pobre, depois disse que é o Congresso e faz essa confusão toda.”
Lira é contra a taxação, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conta com a medida para elevar a arrecadação e garantir o cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024. Na semana passada, falas de Haddad sobre o presidente da Câmara durante uma entrevista a um podcast já haviam causado mal-estar.
A incidência do Imposto de Renda sobre investimentos no exterior é uma forma encontrada pelo governo para compensar a elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
Em maio, por força de medida provisória (MP) rendimentos recebidos em outros países por meio de aplicações financeiras, entidades controladas e bens e direitos nos chamados trusts passaram a ser taxados.
Para ser convertida em lei, no entanto, a MP precisa do aval do Congresso, o que não ocorreu nos 60 dias exigidos. Prorrogado por mais 60, o prazo expira na próxima segunda-feira (28) e, sem a aprovação dos parlamentares, a MP caducará e perderá seus efeitos.
Em uma tentativa de “cortar caminho” para a efetivação da medida, o deputado federal Merlong Solano (PT-PI) incluiu a tributação sobre rendimentos em offshores no relatório de outra MP, a que reajusta, com aumento real, o valor do salário mínimo e que enfrenta menos resistências na Casa.
A manobra foi mal digerida por Lira, que defende a derrubada do trecho. “A questão não é de mérito, é de forma. O governo não combinou com a Câmara nem com o Senado. Nem tive a preocupação de ver quais foram as alterações”, disse o presidente da Câmara no jantar do Poderideias.
Para ele, é trabalho do governo encontrar uma forma de compensar o reajuste da tabela de Imposto de Renda. “Isso é uma batata quente do governo, não nossa”, afirmou. “A gente [Câmara dos Deputados] apanha muito, somos a Geni. Tem uma MP do salário mínimo. Outra do Imposto de Renda. O governo vai ter que encontrar uma solução. Quando converso, todo mundo aceita uma solução negociada.”
Na gravação divulgada em redes sociais na segunda (21) e apagada horas depois, Barreirinhas dizia que a tributação de rendimentos em paraísos fiscais seria “muito importante”. “No início deste ano, o presidente Lula aumentou o valor do salário mínimo em valores reais e também aumentou a faixa de isenção do Imposto de Renda, para R$ 2.640, algo que não acontecia desde 2015, beneficiando assim mais do que 38 milhões de brasileiros”, falava.
“Para compensar isso propôs exatamente que 0,04% dos brasileiros, muito pouca gente, que têm milhões de reais no exterior, às vezes mais de R$ 1 bilhão no exterior cada um, que essas pessoas passem a pagar Imposto de Renda”, argumentava.
Ele dizia ainda que a iniciativa não resultaria em aumento da carga tributária, por não impor mudanças para a maior parte dos contribuintes, que já paga IRPF sobre seus salários e sobre rendimentos em aplicações financeiras no Brasil. “O que nós estamos propondo é que essas pessoas que têm centenas de milhões, bilhões de reais, no exterior comecem a pagar Imposto de Renda, como você.”