O clima de descontentamento na Receita Federal é crescente com o modelo de desonerações tributárias e o enfraquecimento do papel do órgão na formulação da política tributária. O Fisco estaria passando ao largo do centro das decisões mais importantes e a estratégia de corte de tributos é vista por setores importantes da Receita como desordenada.
É grande o temor na área técnica de que as sucessivas desonerações anunciadas pelo governo Dilma Rousseff se transformem numa verdadeira "bomba-relógio" para as contas públicas, de difícil desmontagem no caso de piora das condições da economia brasileira e mundial. Apesar de números animadores, um longo período de baixo crescimento mundial não é descartado por analistas.
A maior crítica é de que muitas medidas são anunciadas sem que a regulamentação esteja "azeitada" e o seu impacto no sistema tributário brasileiro devidamente avaliado. Há uma preocupação, sobretudo, com o risco das desonerações para a arrecadação não só este ano como nos próximos.
Os cálculos estariam sendo feitos de forma frágil, porque a renúncia fiscal envolvida nas decisões de desonerações é difícil de ser mensurada, principalmente porque tem como base a arrecadação passada.
Outro problema identificado é que os cálculos para embasar as decisões de renúncia fiscal de caráter permanente, como as da desoneração da folha de pagamento, levam em consideração apenas um período curto, sem dimensionar de forma mais detalhada os seus efeitos na arrecadação no médio prazo.
Pacotes
Depois de anunciar 18 pacotes para estimular a economia, vários de forma sucessiva, a área técnica do governo tem corrido para regulamentar os incentivos tributários - os economistas do governo argumentam que nem sequer conseguem tomar conhecimento da medida antes do anúncio.
Há casos em que a decisão acaba causando efeitos colaterais, como a desoneração da cesta básica. A decisão criou entraves para compensação de créditos de PIS/Cofins acumulados por setores como o de soja e açúcar.
Uma das queixas no corpo técnico é de que a condução da política de desonerações, baseada em isenções tributárias pontuais e setoriais, tem ampliado ainda mais a complexidade do sistema tributário e dificultado o trabalho da fiscalização.
Além disso, o modelo de corte de tributos para setores escolhidos pelo governo nem sempre beneficiaria quem mais precisa, mas aqueles que têm mais poder de pressão nos gabinetes de Brasília.
Encaminhamento
A reportagem do Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, ouviu várias fontes de destaque da Receita, que constatam o isolamento do órgão como formulador. Por razões profissionais, os nomes não podem ser mencionados, mas a avaliação mais constante é a de que, em circunstâncias normais, boa parte das medidas de desonerações teria um encaminhamento contrário do Fisco.
"Quando as medidas chegam ao Congresso, que sempre foi o momento para defender as propostas, a Receita está vendida porque a proposta não foi dela e começam a aparecer mil emendas", critica uma fonte do comando da Receita.
Para fontes da Fazenda, no entanto, parte das críticas reflete o forte corporativismo na Receita e não procede a avaliação de que há um processo de isolamento do órgão. Mas medidas tributárias são parte das decisões de política econômica. Segundo uma fonte, não é correto achar que o Fisco deve ter a palavra final de política tributária, tese que prevaleceu em um período no qual só se aumentavam impostos no País.
Dados irreais
A maior parte dos cálculos para desoneração da folha de pagamentos foi feita com estimativas do faturamento bruto dos setores beneficiados, já que a liberação dos dados oficiais - que pertencem ao banco de dados do Fisco - não é ágil. "As medidas são para ontem, e precisam ser feitas sempre muito rapidamente, então muitas vezes precisamos estimar o impacto com base em dados do próprio setor e com modelos nossos, sem os dados reais", disse um técnico.
Oficialmente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não existe nenhum enfraquecimento da Receita nas definições de política tributária. Mantega destaca que sem a Receita as desonerações não teriam ocorrido e ressalta que os cálculos das desonerações foram feitos pelo órgão.
Procurado, o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, informou por meio da assessoria, que não tem conhecimento de descontentamentos do corpo técnico com as desonerações e a Receita participa da elaboração das medidas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.