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As perspectivas de uma recessão nos Estados Unidos são cada vez maiores e podem arrastar a economia global, diante da necessidade de combater a elevada inflação com altas nas taxas de juros. O alerta foi dado recentemente por executivos de grandes bancos como Citi e Deutsche Bank. E o cenário deve impactar negativamente o Brasil. O principal reflexo poderá ser sentido na cotação do dólar.
Segundo a XP Investimentos, a possibilidade de recessão aumenta nos Estados Unidos. A combinação de inflação persistentemente alta e juros elevados deve fazer com que a atividade econômica desacelere com força a partir do terceiro trimestre.
“Os Estados Unidos estão passando por um período muito complicado. O mundo todo realizou o mesmo plano durante a pandemia da Covid-19, de estimular as economias. A oferta não teve capacidade para atender à demanda e os preços explodiram”, diz Igor Cavaca, head de investimentos da Warren Asset Management.
O remédio usado nos EUA (e em boa parte do mundo) para conter a inflação é a alta de juros. Esse movimento torna os títulos da dívida norte-americana – os Treasuries, tidos como um porto seguro – ainda mais atraentes para investidores, o que leva a uma migração de dólares aplicados em outras economias em direção à norte-americana.
Como o Brasil pode ser atingido pela recessão lá fora
Esse cenário mais conturbado deve atingir o Brasil e outros mercados emergentes. A inflação mais elevada, perspectivas de juros mais altos e maior possibilidade de recessão global tende a implicar menor fluxo de entrada de capitais, impactando diretamente no câmbio.
Do início do mês até sexta-feira (24), o dólar comercial subiu 10,7% em relação ao real e o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores brasileira, caiu 11,4%. “Tão cedo não veremos o dólar de volta ao patamar de R$ 5,00”, diz João Manuel Campanelli, diretor de desenvolvimento de negócios do Grupo Travelex.
O analista de macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets, Alef Dias, aponta que esse comportamento da moeda americana indica maior aversão ao risco e uma fuga em direção a ativos mais seguros, como os Treasuries americanos.
Ele aponta que o cenário de dólar potencialmente mais caro sinaliza para maiores pressões inflacionárias no Brasil, o que poderia obrigar o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) a promover novas altas na taxa Selic, que serve de referência para os juros. Atualmente, a taxa está em 13,25% ao ano e boa parte do mercado vê perspectiva de uma nova elevação, de meio ponto percentual, na reunião programada para o início de agosto.
“Isto também deve provocar um freio na atividade econômica no Brasil”, ressalta Dias. E, segundo ele, esse cenário mais adverso no exterior pode também atingir as commodities, que são parte fundamental das exportações e do próprio crescimento econômico brasileiro.
Campanelli, do Grupo Travelex, tem uma avaliação diferente. Ele aponta que as commodities não devem ser afetadas tão cedo, uma vez que a maior parte dos contratos é de longo prazo. “São operações feitas com um, dois anos de antecedência.”
Por outro lado, ele ressalta que os temores de recessão global contribuem para adicionar mais volatilidade ao mercado brasileiro, que já se encontra pressionado por causa da proximidade das eleições.
Commodities devem dar ajuda a economias emergentes
Os economistas apontam que alguns fatores devem contribuir para mitigar a saída de capitais em direção a economias desenvolvidas.
“As bolsas de valores dos países emergentes vêm mostrando retornos melhores do que as economias desenvolvidas e continuam descontadas. A persistente alta dos preços das commodities deve ajudar a sustentar o desempenho econômico da região”, destacam os analistas da XP. Segundo a Bloomberg, as commodities acumulam uma alta média de 34% no ano.
A XP aponta que a demanda por matérias primas está sólida e que a procura deve continuar em alta com o esforço de transição para energia limpa. O preço do petróleo, por sua vez, vai depender do andamento da guerra na Ucrânia. A tendência é que o barril do tipo Brent caia para cerca de US$ 100 se o conflito não recrudescer.
O que está acontecendo na economia dos EUA
A inflação elevada nos Estados Unidos – que atingiu 8,6% nos 12 meses encerrados em março, a maior desde dezembro de 1981, segundo o US Bureau of Labor Statistics – está deixando os consumidores mais pessimistas e freando a economia.
Depois de um crescimento de 5,7% no ano passado, as previsões mais recentes indicam para uma expansão de 1,7% no PIB norte-americano neste ano, segundo o Conference Board, entidade empresarial e centro de pesquisas que reúne algumas das principais corporações daquele país.
Pesquisa feita pela George Mason University em conjunto com o The Washington Post mostra que dois em cada três norte-americanos esperam que a inflação piore no próximo ano e estão ajustando os seus gastos em resposta à alta nos preços, que é a maior em 40 anos.
Outro levantamento, feito pela Universidade do Michigan, mostra que a confiança do consumidor está em baixa. Em maio, ela atingiu o pior nível desde junho de 1980. Segundo a pesquisa, 64% dos entrevistados avaliam que sua situação financeira está igual ou pior do que há um ano.
O Conference Board não considera que, atualmente, os Estados Unidos estejam em recessão. Eles projetam uma alta de 1,9% (taxa anualizada) no PIB do segundo trimestre frente ao primeiro. “No momento, a atividade econômica nos Estados Unidos continua a se expandir e o mercado de trabalho permanece robusto, apesar da inflação e das taxas de juros.” Entretanto, essas forças devem frear o consumo e o investimento privado nos próximos trimestres, diz a entidade.
A Conference Board aponta que o nível de atividade perderá força ao longo do ano e que uma breve recessão ocorrerá no fim de 2022 e no início de 2023. “Este cenário está associado a uma inflação persistente e um aperto na política monetária pelo Federal Reserve (o BC americano)”, cita a entidade.
O cenário conturbado na economia dos EUA faz com que novas altas de juros sejam inevitáveis. A previsão é que o FOMC (equivalente americano do Copom) aumente a taxa em meio ponto percentual na próxima reunião, elevando-a para a faixa de 2% a 2,25% ao ano. “Mas, se a inflação persistir, não é de se descartar uma alta de maior magnitude”, afirma Dias, da hEDGEpoint.
Situação parecida vive a zona do euro. A inflação atingiu 8,1% nos 12 meses encerrados em maio. O Banco Central Europeu (BCE) deve iniciar um ciclo de alta nos juros em julho, o que também deve esfriar a economia da região. “É inevitável conviver com juros elevados por algum tempo”, sintetiza Cavaca, da Warren Asset Management.
Economias terão de abrir mão do crescimento no médio prazo
“A mensagem geral é que todas as economias terão de abrir mão de maior crescimento econômico no médio prazo para conseguir trazer a inflação de volta para a meta”, aponta a XP Investimentos.
“Apesar disso, também esperamos que preços de ativos de risco tenham pouco alívio pela frente, dado que as taxas de juros globais seguirão em alta, em particular nos Estados Unidos e na Europa, como reação às pressões inflacionárias”, cita a instituição financeira.
Na contramão de boa parte das avaliações, o Itaú avalia que a possibilidade de recessão mundial no curto prazo parece ser exagerada. Segundo o banco, a economia norte-americana tem fundamentos sólidos. E, paralelamente, a economia chinesa está em processo de reabertura e a Europa mostra resiliência, mesmo diante da guerra na Ucrânia.