Ocupando a posição de uma entre milhões de consumidores de uma multinacional francesa, a advogada catarinense Daniely de Andrade Argenton usou a internet para entrar em uma briga de cachorro grande. Em fevereiro de 2011, ela levou para redes sociais a frustração de quem financiou o primeiro carro novo e quatro anos depois não o tinha dirigido por mais de 20 dias. Daniely já estava processando a concessionária e a fábrica, mas o caso mudou de rumo quando ela postou um vídeo com a história no YouTube e abriu o blog "Meu Carro Falha", também com perfil no Twitter o blog teve mais de 700 mil acessos em um mês.
Pelo menos no início, a popularidade não trouxe a solução para o carro vendido com defeito de fábrica. O que veio foi mais incômodo: Daniely foi processada pela Renault, que argumentou estar sendo difamada. Quando a montadora ganhou uma liminar, a advogada teve de tomar uma decisão difícil. "Me mandaram sair do Twitter e do Facebook, ficar quietinha. Em um país democrático, isso era inconcebível", lembra ela, que optou por desrespeitar a decisão judicial em um primeiro momento.
Semanas depois, veio o pedido da fábrica para uma negociação, cujos termos exigiam que a advogada evitasse declarações prejudiciais à empresa. Daniely aceitou o acordo, mas se permite falar sobre o que aconteceu; apenas não faz juízos de valor sobre a montadora. Na entrevista a seguir, ela conta como foi desafiar a empresa e comenta os prós e contras do uso da internet por consumidores que querem resolver problemas.
Qual era o impacto do problema com o carro na sua vida?
Fazia quatro anos que eu estava movendo uma ação para que a fábrica me desse alternativas de solução. Um perito atestou que o carro [um Mégane] não funcionava e mesmo assim a empresa recorria sempre que podia. Eu estava pagando prestações havia anos. Estava a pé, tinha vendido o carro antigo para financiar o novo. Fiquei dois anos pagando uma parcela que, para mim, era pesada.
O que levou você a buscar a internet?
Me sentia extremamente ofendida porque tentei de milhões de maneiras, ligava uma vez por semana para o SAC, mandava e-mails, fui ao Procon. Batia na porta deles e eles não me ouviam. Então decidi relatar o meu problema. Não fui mal educada, não xinguei, apenas contei que tinha comprado um carro novo que funcionou por 20 dias para depois nunca mais. Até hoje não sei qual era o defeito dele. Fiz o vídeo, o site que tinha um relógio contando os dias sem solução fui no Twitter, no Facebook, sempre de forma que acho correta. Comparando prós e contras, os prós foram maiores. Faria tudo igual se precisasse.
Como foi receber a notícia do processo de difamação?
Em vez de mandar o meu caso para o setor de relacionamento com o consumidor, a empresa o encaminhou para o jurídico, pediu multa de R$ 1 mil por dia em caso de descumprimento. Acho que quando houver um problema gritante, a postura tem que ser outra. A repercussão só prejudicou mais a empresa. Para mim, foi estressante e difícil, fiquei muito nervosa. Porque imagine o meu tamanho perto do de uma multinacional. Mas o processo não foi para frente porque fizeram um acordo rapidamente, em 20 dias estava tudo resolvido. Foi uma conversa objetiva. Levaram embora o carro com problemas e me devolveram o dinheiro. Extinguimos o processo, prometi não ficar falando mal da empresa e ponto final.
Você ainda mantém o site Meu Carro Falha, e surgiram muitos imitadores depois. Acha que essa onda de reclamar pela internet vai passar ou as empresas vão melhorar o atendimento?
Ainda tenho o domínio do site, a ideia era que as pessoas mandassem casos parecidos, mas não tenho tempo de atualizar. Tive que excluir o vídeo por causa do acordo, mas ainda tem cópias no ar porque, depois da liminar, muita gente replicou em solidariedade. Sou otimista, acho que as empresas estão acordando. Não tem volta e nem vai cair em banalização; pelo contrário. Quero acreditar que tudo ficará mais fácil, ágil e respeitoso.