Com as quedas consecutivas até a chegada da taxa Selic à mínima histórica, de 4,5%, a atratividade de investimentos de renda fixa encolheu. Por exemplo, a rentabilidade da poupança em dezembro será de 0,26%, valor inferior ao projetado para a inflação do mês, de 1,05%.
Assim, para manter o nível de rendimentos a que se acostumaram nos anos recentes, investidores de perfil mais conservador estão migrando para a renda variável e iniciando operações na Bolsa de Valores. Porém, com o Índice Bovespa na máxima nominal histórica - de 117 mil pontos, batida na última quinta-feira (26) -, muitas pessoas têm receio de ingressar na Bolsa “na crista da onda” e não ganhar dinheiro como esperado.
Mas há bons motivos para aqueles que não ingressaram na Bolsa quando ela estava em patamares menores optarem pela entrada em 2020 com perspectivas de ganhos. O primeiro: quando considerada a inflação, a Bolsa brasileira ainda não alcançou a máxima histórica. Corrigidos, os 73.516 pontos atingidos em 20 de maio de 2008 corresponderiam a 134.917 pontos, 17 mil pontos acima do patamar atual.
Otimismo para 2020
Diversos agentes do mercado financeiro estão otimistas para o próximo ano quando o termômetro é o indicador do desempenho médio das cotações de ações negociadas na B3. Segundo levantamento do Valor Pro sobre as projeções do Índice Bovespa para o final de 2020, as mais conservadoras foram feitas pela Veedha Investimentos e pelo JP Morgan, em 125 mil e 126 mil pontos, respectivamente. Já as estimativas mais otimistas são da Portofino Investimentos e da Mauá Capital, ambas com 150 mil pontos.
Apesar de relevante, o Ibovespa não deve ser o único norteador de decisões. A ressalva se explica porque, a depender da carteira de ações de cada investidor, é possível ter resultados muito distintos dos índices gerais - para melhor e para pior.
Destacado esse ponto, as expectativas para 2020 ainda são muito boas na avaliação de Pedro Lula Mota, gestor de portfólios da Vérios. “Com a recuperação do crescimento econômico as empresas tendem a se tornar mais lucrativas (e elas estão mais eficientes após a crise), o que tende a valorizar as ações”, afirma.
Para ele, pode haver uma nova onda de valorizações em decorrência da migração de brasileiros para a Bolsa (ainda que aos poucos) em virtude da queda da taxa Selic e também porque o país pode atrair mais dinheiro de investidores estrangeiros. “A maioria do mercado financeiro está otimista com o Brasil, então o consenso é positivo. Mas não será um caminho em linha reta, podemos ter meses ruins e oscilações, algo natural”, reforça Mota.
Cuidados a se tomar
Apesar de haver riscos (como fatores externos, entre os quais a guerra comercial Estados Unidos-China), Mota afirma que vale a pena, sim, entrar na renda variável, apesar de destacar cuidados importantes a se ter em mente. “O grande problema desse mercado de alta são os excessos e a euforia. É preciso ter controle de risco e investir apenas uma parte do capital”, alerta o gestor.
Entre as recomendações para um iniciante, ele aconselha - antes de mais nada - entender o próprio perfil como investidor, uma vez que a renda variável pode significar a perda de parte do patrimônio investido, em alguns momentos. “É preciso estar preparado para oscilações. No longo prazo, investimentos em ações tendem a valer a pena, mas no meio do caminho pode ocorrer muita coisa, então é preciso ter maturidade [ para absorver altos e baixos]”, diz.
Mota recomenda ainda limitar o percentual do patrimônio aplicado na renda variável e evitar as ações "da moda": “nesses momentos de euforia é comum querer investir tudo em ações, mas a carteira precisa ser balanceada e com risco controlado", ensina.
A Bolsa está cara?
Para um investidor iniciante pode ainda surgir a dúvida: o que é caro quando o assunto é B3? Um indicativo para avaliar se a Bolsa está "cara ou barata” é o preço sobre lucro. “Se o custo de uma ação é de R$ 100 e ela dá retorno de R$ 10 de lucro por ano, o valor pago sobre o lucro é de 10 anos, o que significa que ela demorará 10 anos para ter de lucro o equivalente ao seu valor de mercado”, explica o investidor Ricardo Frizera.
No caso desse índice aumentar, significa que se está pagando mais caro por uma empresa porque o preço dela está subindo mais do que o lucro. Dessa forma, é possível que para ela precise de mais tempo para se pagar - ao invés dos 10 anos do exemplo inicial. Isso ocorre quando a expectativa de crescimento sobre o lucro ao longo do tempo é tão grande que o valor a mais pago pela ação terá retorno.
Em fevereiro de 2008, por exemplo, esse índice chegou a 19 vezes; mas desde 2014 (quando o Ibovespa estava em cerca de 50 mil pontos) essa relação está praticamente constante, na casa de 13,8. O cenário significa que, apesar da valorização que mais de 100% no índice, “a Bolsa não ficou mais cara” porque o aumento observado é reflexo do crescimento do lucro das empresas.
O gestor da Vérios, Pedro Lula Mota, analisa que a recente alta da Bovespa está relacionada aos cortes na taxa Selic e à aprovação de reformas econômicas, como a da Previdência. “O que está ocorrendo agora é uma segunda onda de valorização, ligada à recuperação da atividade econômica: as expectativas do PIB melhoraram na margem e o mercado começou a precificar isso também”.
Já para o investidor externo, a Bolsa brasileira está barata. Isso porque o estrangeiro analisa o desempenho do Ibovespa em dólar, levando em consideração não só a pontuação, mas também a taxa de câmbio.
Quando um investidor americano, por exemplo, analisa o preço de uma ação brasileira, ele fará a conversão antes da compra. Dessa forma, o fato de o Ibovespa superar a máxima histórica em reais não necessariamente significa que chegou ao fim do seu movimento de alta, pois os investidores estrangeiros podem ter uma leitura diferente em virtude do câmbio.
Atualmente o índice Bovespa, em dólar, está em US$ 28,7 mil, mas seu recorde se deu em maio de 2008, quando alcançou o patamar de U$S 44,4 mil. “Esse dado é interessante porque é como o estrangeiro olha a Bolsa brasileira. Ele não investe em reais, mas em dólares. Então a alta para os gringos nem começou ainda", afirma Frizera.