Os pedidos de recuperação judicial iniciaram 2025 em alta, após baterem recorde no ano anterior. Segundo a Serasa Experian, janeiro registrou 162 solicitações de empresas à Justiça, um aumento de 8,2% em relação ao mesmo mês de 2024. É do maior número já registrado para janeiro desde a criação do mecanismo em 2005.
O resultado aprofunda a tendência preocupante de 2024, quando houve um salto de 61,8% nos pedidos em relação ao ano anterior, totalizando 2.273 solicitações.
Apesar de os números de fevereiro ainda não terem sido divulgados, grandes e tradicionais empresas solicitaram recuperação judicial no mês, como a Bombril, fabricante de palhas de aço; o grupo alimentício cearense Ducoco, com dívidas acima de R$ 667 milhões; e o grupo Montesanto Tavares, um dos maiores exportadores de café, com endividamento de R$ 2,1 bilhões, evidenciando os desafios enfrentados pelo setor.
A maior expansão no número de pedidos de recuperação judicial, considerando o porte das empresas, ocorreu entre as micro, pequenas e médias, registrando um aumento de quase 79% no período de 12 meses encerrado em janeiro, segundo dados da Serasa Experian. No recorte setorial, o destaque foi para o setor agropecuário, que apresentou uma elevação ainda mais expressiva, de 236%.
Camila Abdelmalack, economista da Serasa Experian, explica que empresas menores enfrentam de forma mais intensa a restrição de crédito e juros elevados. "Essas companhias têm poucos instrumentos alternativos de financiamento, ao contrário das grandes, que conseguem acessar o mercado de capitais para refinanciar dívidas e aliviar a pressão financeira", avalia.
Número de empresas em recuperação judicial bateu recorde no fim de 2024
Dados da consultoria RGF Associados revelam que, ao fim do ano passado, havia 4.568 empresas em recuperação judicial no país, o número mais elevado desde que as estatísticas desse indicador começaram a ser divulgadas, no segundo trimestre de 2023. O levantamento do quarto trimestre de 2024 constatou que 1,91 a cada mil empresas estavam nessa situação, uma ligeira piora ante os 1,9 por mil registrados nos três meses anteriores.
Rodrigo Gallegos, especialista em reestruturações da consultoria, alerta: "A leve piora sinaliza a continuidade de condições desafiadoras, com impactos generalizados em empresas de todos os portes, em todas as regiões".
Estados como Goiás (4,71 a cada mil), Alagoas (4,43 por mil) e Pernambuco (4,26 por mil) registram as situações mais críticas. Setorialmente, o quadro é grave especialmente nas áreas de fabricação de açúcar bruto (186,6 empresas por mil), álcool (74,30) e construção naval (67,67).
A situação financeira no setor agropecuário é preocupante. Atualmente, 295 empresas estão em recuperação judicial, correspondendo a 6,5% do total nacional – aumento em relação aos 5,8% registrados no final do segundo trimestre de 2024. Apenas no último trimestre do ano, 35 novas empresas do setor aderiram a esse mecanismo, enquanto outras quatro conseguiram sair do regime.
Os segmentos mais afetados são:
- Cultivo de soja
- Criação de bovinos para corte
- Cultivo de cana-de-açúcar
- Serviço de preparação de terreno, cultivo e colheita
- Cultivo de milho
Gallegos ressalta as dificuldades geradas pela imprevisibilidade climática, que afetam diretamente o retorno financeiro dos produtores. O fenômeno El Niño prejudicou a safra de grãos no Centro-Oeste, enquanto chuvas intensas atingiram o Rio Grande do Sul entre o final de abril e o início de maio de 2024. Esses eventos climáticos aumentaram de forma significativa o risco de inadimplência no setor.
Mesmo com expectativas positivas para a safra de 2025, há motivos de preocupação no setor agropecuário. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma colheita de 325,7 milhões de toneladas, um crescimento de 9,4% em relação à safra anterior. Já a consultoria Tendências estima um avanço de 2,6% no PIB do campo para este ano.
"A imprevisibilidade de resultados, somada ao aumento das taxas de inadimplência no setor, tem levado as instituições financeiras a restringirem o acesso ao crédito rural, dificultando ainda mais as operações dos produtores, já que os altos custos de produção geralmente dependem de financiamento", explica Gallegos.
A proporção de empresas agropecuárias inadimplentes e negativadas — etapa anterior à recuperação judicial — tem crescido de forma consistente nos últimos anos, segundo dados da Serasa Experian. Em janeiro de 2018, essas empresas representavam 0,6% do total, subindo para 0,81% após seis anos. Em dezembro de 2024, o índice alcançou.
Cenário econômico complexo afeta acesso ao crédito
Especialistas apontam para um cenário macroeconômico desafiador em 2025, marcado por alta inflação, finanças públicas frágeis e incertezas nas condições globais.
Esse panorama estará no centro das discussões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central nas reuniões programadas para 18 e 19 de fevereiro. No encontro anterior, realizado no final de janeiro, o colegiado já sinalizou a possibilidade de um aumento adicional de um ponto percentual na taxa Selic, que atualmente está em 13,25% ao ano.
Angelo Guerra Netto, sócio da EXM Partners, observa risco de deterioração adicional. “A Selic elevada intensifica as barreiras para a obtenção de crédito, desencadeando uma retração econômica perigosa. Esse contexto cria um cenário desafiador para empresas já em crise, comprometendo sua capacidade de recuperação e até mesmo sua sobrevivência.”
Os custos financeiros dispararam em várias linhas de crédito corporativo. Dados do BC revelam que as taxas cobradas no desconto de duplicatas (1,33% ao mês em dezembro), antecipação de faturas de cartões (1,12%) e capital de giro de curto prazo (1,55%) atingiram níveis recordes nos últimos meses.
Paralelamente, o ritmo de expansão nas concessões de crédito desacelerou. Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgada em fevereiro revelou piora nas expectativas de crescimento do crédito corporativo em 2025: de 9%, sinalizado anteriormente, agora espera-se 8,5%.
Segundo Rubens Sardenberg, diretor de economia, regulação e riscos da Febraban, a deterioração nas expectativas reflete a piora do cenário econômico com uma expectativa de inflação maior.
"Os números evoluem de acordo com a dinâmica econômica e o desempenho efetivo do crédito dependerá do cenário fiscal e de outras variáveis relevantes, que poderão alterar a perspectiva atual”, diz.
Outra pesquisa, divulgada em fevereiro pelo Banco Central, mostra que instituições financeiras apontaram para uma deterioração generalizada nas condições de oferta de crédito nos últimos meses. Para o primeiro trimestre de 2025, espera-se um agravamento ainda maior.
As principais razões são o aumento nos custos e na disponibilidade de funding (recursos para emprestar), a preocupação crescente com inadimplência e menor tolerância ao risco. A expectativa é de que a inadimplência, medida por atrasos de até 90 dias nos pagamentos, aumente – especialmente entre micro, pequenas e médias empresas.
Mesmo grandes empresas enfrentam um cenário de menor tolerância ao risco por parte dos bancos e maior percepção de inadimplência no mercado. Ainda assim, a retração na oferta de crédito para esse segmento deve ser parcialmente compensada pela concorrência com o mercado de capitais.
Por outro lado, para micro, pequenas e médias empresas as previsões são mais preocupantes. Os bancos esperam um aumento na inadimplência, juntamente com uma baixa tolerância ao risco e um crescimento nos custos de funding, o que deve dificultar ainda mais o acesso a recursos para esse segmento.
Advogados apontam que recuperação judicial pode ser positiva e não deve ser vista como tabu
Especialistas em reestruturação de empresas destacam a relevância da recuperação judicial como uma ferramenta estratégica para reequilibrar empresas viáveis que enfrentam dificuldades temporárias, em vez de ser tratada como um "tabu".
Marcello Lauer, advogado e sócio do escritório Grand Hill, enfatiza o impacto estratégico desse mecanismo: "A recuperação judicial vai muito além da suspensão temporária de cobranças; inclui renegociação de passivos, captação de novos recursos e melhoria da governança."
Segundo ele, no atual ambiente de mercado desafiador, a recuperação judicial deve ser vista como um instrumento para restabelecer a saúde financeira das empresas e garantir sua continuidade.
Além disso, Hellen Durães, sócia da Durães & Barros Advogados, ressalta a importância do planejamento nessa solução: "O aumento dos pedidos denota o desespero de muitas empresas para sobreviver. Mas é fundamental que haja um plano realista e cuidadosamente estruturado para que a reestruturação seja bem-sucedida."
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