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O Brasil enfrenta uma crise fiscal, mas, paradoxalmente, nunca houve tanto dinheiro no caixa do Tesouro Nacional como agora. Ao final de junho de 2015, o saldo das disponibilidades financeiras do governo federal no Banco Central superou R$ 774 bilhões, o equivalente a 13,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse é um número recorde. Pela série histórica, publicada desde janeiro de 2000, a média anual foi de 9,6% do PIB. Mesmo comparado com a posição de um ano antes, o saldo aumentou em 1,6 ponto do PIB. Os números fazem parte de um estudo do especialista em contas públicas José Roberto Afonso, que será publicado no fim deste mês pela FGV-RJ.

“Esse paradoxo de ter uma exuberância financeira com crise fiscal advém da forma como se mede o resultado primário, que se dá pelo regime de caixa, e não de competência”, diz Afonso. Ele levantou a chamada “conta financeira” do governo, formada pelo dinheiro que entra nos cofres pela emissão de títulos públicos, por parte do Tesouro Nacional, e das operações compromissadas, feitas pelo Banco Central.

“De onde veio tanto depósito para o caixa do governo?”, questiona Afonso, que responde: “O governo se endividou para entesourar”. A venda de títulos públicos tem sido tão grande que, recentemente, o Tesouro foi obrigado a aumentar o limite do Plano Anual de Financiamento (PAF) deste ano e explicou que fez isso para fazer frente à demanda dos investidores por papéis do governo, que pagam juros elevados.

Na teoria, esse dinheiro – chamado de financeiro – não pode ser usado para o superávit primário, usado para o pagamento de juros da dívida.

No fim do ano passado, excepcionalmente, o governo editou uma medida provisória (MP 661) permitindo que a sobra de caixa financeiro pudesse ser usada para pagar despesas primárias, como aposentadorias.

Em geral, a conta financeira serve para gastos financeiros, com juros, por exemplo, enquanto a conta primária, formada pela receita que vem de impostos, serve para os gastos direcionados a programas obrigatórios, como salários de servidores e aposentadorias do INSS, e também discricionários, como os investimentos públicos.

Dívida

O resultado prático desse aumento da quantidade de dinheiro nos cofres do Tesouro foi a elevação da dívida pública. A dívida bruta chegou a 68,3% do PIB em junho e julho, dez pontos porcentuais acima do verificado no fim de 2008. “Não resta dúvida que, especialmente em 2015, o governo federal está entesourando como nunca e muito à custa de mais dívida em mercado.”

Segundo Afonso, uma possível explicação para esse movimento de entesouramento é que o Ministério da Fazenda, comandado hoje por Joaquim Levy, que foi secretário do Tesouro, estaria “correndo por liquidez, objetivando montar um caixa monumental em caráter preventivo”. Seria uma estratégia de proteção para o caso de o País perder o rating (o que ocorreu na quarta-feira). “Daí investidores tentarem exigir do Tesouro juros mais altos e papéis mais curtos.”

Outra possível explicação seria justamente o “espelho” do setor privado: todos estão buscando títulos públicos, então, inevitavelmente, a entrada de recursos financeiros nos cofres federais aumenta. “Nem mesmo para pagar impostos alguns contribuintes querem sacar o que possuem em caixa, que para o setor privado corresponde a dinheiro aplicado em papéis, com liquidez (no limite, que possam ser sacados no dia seguinte) e com segurança”, diz o especialista.

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