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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se reúne remotamente a partir desta quarta-feira (30) para julgar se é válida a criação de subsidiárias por estatais com o objetivo vender posteriormente esses ativos.
O processo já estava sendo analisado pelo plenário virtual do Supremo, no qual os ministros apresentam seus votos por escrito, mas o presidente da Corte, Luiz Fux, decidiu trazer a votação para o plenário, por videoconferência. O tema afeta diretamente a Petrobras, que é citada diretamente nos autos e está em processo de venda de algumas refinarias.
Os ministros vão analisar a Reclamação 42.576, protocolada pelas mesas diretoras da Câmara, do Senado e do Congresso Nacional, chefiadas por Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Elas alegam suposto descumprimento por parte da Petrobras de decisão anterior do Supremo e pedem a paralisação do processo de venda das refinarias e a declaração de inconstitucionalidade da prática de criar subsidiárias com o intuito de alienação dos ativos.
A decisão anterior citada pelas reclamantes é de 2019. Na época, o plenário do Supremo decidiu no mérito que toda privatização de estatal-mãe precisa passar pelo crivo do Congresso Nacional e ser feita por processo licitatório. No caso de subsidiárias e controladas, os ministros da Corte dispensaram essas exigências – ou seja, permitiram a venda sem licitação e sem aval do Congresso.
A Petrobras deu início a um plano de desinvestimentos em 2016, na gestão de Pedro Parente (governo Temer), baseada na Lei das Estatais, e intensificou o programa na gestão Roberto Castello Branco (governo Bolsonaro), após o entendimento do Supremo. O objetivo é vender ativos e subsidiárias que não sejam considerados estratégicos aos negócios da estatal para assim reduzir seu endividamento, fruto em parte do escândalo do "Petrolão", de investimentos sem retorno e do controle de preços em gestões anteriores. A dívida bruta da empresa no segundo trimestre de 2020 estava em US$ 91 bilhões, consumindo cerca de 26% do caixa da estatal para pagamentos dos juros e rolagem da dívida.
A meta da estatal, segundo seu plano estratégico, é vender de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões em ativos até 2024, incluindo oito refinarias: Rnest (PE); Rlam (BA); Repar (PR); Refap (RS); Regap (MG); Reman (AM); Lubnor (CE); e Six (PR). A companhia quer focar a operação somente nas atividades de refino e comercialização de derivados que estão localizadas no Sudeste (SP e RJ). A empresa também gostaria de sair das áreas de gás, biodiesel, fertilizantes e GLP. No caso do gás, a saída faz parte de um acordo com o Conselho de Administração Econômica (Cade) para desconcentração do mercado.
Todos os oito processos de venda das refinarias já foram iniciados pela estatal. Os mais avançados são o da Repar e da Rlam. No caso da Repar, o processo já está na fase vinculante, com a participação da Ultrapar, do consórcio liderado pela Raízen e da China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec). Como a Petrobras recebeu duas propostas pela refinaria com valores próximos, a estatal fará uma nova rodada de recebimento de propostas vinculantes. A Rlam está em fase de teaser, na qual a companhia divulga a possíveis interessados sua intenção de se desfazer do ativo.
O processo de venda de uma refinaria da Petrobras envolve algumas etapas: teaser, início da fase não vinculante, início da fase vinculante, celebração de acordo de exclusividade (quando aplicável), "signing" (assinatura) e "closing" (conclusão).
Só que as mesas diretoras do Legislativo alegam que a Petrobras estaria criando subsidiárias para poder vender as suas refinarias, já que elas seriam ativos que pertencem à empresa-mãe (a Petrobras), e não poderiam ser vendidos, na visão do Legislativo. Segundo entendimento das mesas, a transformação das refinarias em subsidiárias seria uma manobra para que a Petrobras drible a decisão do Supremo e venda suas refinarias sem processo licitatório e sem aval do Congresso.
O que dizem o governo e as mesas do Legislativo
Em julho, ao pedir para fazer parte do processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que as mesas diretoras do Legislativo não apresentaram provas de conduta ilícita da Petrobras em relação à decisão da Corte no caso julgado em 2019.
"Os peticionantes [mesas diretoras do Legislativo] não indicam qualquer irregularidade na criação das novas empresas subsidiárias, exceto o suposto intuito de burlar a decisão dessa Suprema Corte, mediante a subsequente venda de ativos de tais empresas recém-criadas", diz a manifestação, assinada pelo advogado-geral da UNião, José Levi. “Nesse contexto, resta evidente que o acolhimento dos pedidos formulados depende necessariamente de uma fase processual destinada à produção de provas, com o objetivo de comprovar o suscitado desvio de finalidade na atuação da Petrobras”, completa.
Levi também alegou que a venda das refinarias é uma escolha de negócio, visando a eficiência e o abatimento de dívidas, e que o processo de venda está sendo feito por mecanismo concorrencial e público, o que atende as determinações do Supremo.
“A paralisação do processo de alienação afeta todo o planejamento estratégico da Petrobras, com o objetivo de reequilibrar sua situação econômico-financeira. De outro lado, a excessiva judicialização de cada etapa do referido processo de desinvestimento gera insegurança jurídica a afeta negativamente a confiança do mercado”, diz o advogado-geral na manifestação.
Ele argumenta, ainda, que a Petrobras e o Cade fecharam um acordo no ano passado que obriga a estatal a vender seus ativos de gás, com objetivo de abrir o mercado. E finaliza dizendo que o instrumento utilizado pelas mesas diretoras do Legislativo – uma reclamação – não é o correto. Para Levi, as reclamantes tinham que ter apresentado embargo de declaração ao processo julgado em 2019, o que não aconteceu e cujo prazo já findou.
As mesas diretoras do Legislativo, por sua vez, afirmam que a criação de subsidiárias com o intuito de vendê-las “afetam a prerrogativa do Congresso Nacional de deliberar sobre a venda de patrimônio da União” e subtraem “a oportunidade de os parlamentares participarem das decisões políticas estratégicas”.
“Nesse contexto, veio a público a existência de uma estratégia engendrada pela estatal brasileira de petróleo (Petrobras) que visa contornar a compreensão acima e, com isso, alijar o Congresso Nacional (rectius: sociedade brasileira) de participar das deliberações que podem levar, em último grau, ao esvaziamento completo do patrimônio desse ente da administração pública indireta”, dizem as reclamantes.
“Vislumbra-se risco de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, a ensejar a prestação de nova tutela jurisdicional cautelar por parte do Supremo Tribunal Federal, para se preservar a força normativa da Constituição Federal e também a competência do Congresso Nacional”, completam.
Consequências para a empresa
Em entrevista ao jornal Valor Econômico neste mês, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, deu seu parecer do ponto de vista de negócios da empresa. Ele afirmou que a proibição de a Petrobras vender seus ativos pode “matar” a estatal: “Acaba o desinvestimento. Você amarrou as mãos dela. Você matou a empresa”.
Ainda segundo o secretário, caso o Supremo decida a favor da reclamação, a Petrobras só poderá comprar ativos, nunca vendê-los. “É como se fosse aquela estratégia do ganso, do foie gras: você enfia um funil na boca do ganso e vai metendo comida até estourar.”
Ele completou que o processo de venda dos ativos da empresa tem que passar necessariamente pela junção de estruturas complementares em um mesmo CNPJ para que seja feita a operação. “[A Petrobras] não é um garage sale [onde vários itens são vendidos separadamente]."
Três ministros votaram contra a Petrobras, mas julgamento recomeça do zero
Como o julgamento foi trazido para o plenário "convencional", ele será julgado do zero. Isso quer dizer que as partes a favor e contra o tema vão se manifestar oralmente e depois cada um dos ministros proferirá o seu voto, até mesmo aqueles que já votaram no plenário virtual. Eles podem mudar seu entendimento, se assim julgarem necessário.
No plenário virtual, três ministros votaram contra a criação de subsidiárias com o intuito de aliená-las: Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin, relator da ação.
Segundo voto obtido pela agência Reuters, Fachin votou contra a venda das refinarias porque alegou que deve ser suspensa a criação de subsidiárias pela Petrobras “com o simples intuito de alienação dos ativos”.
Lewandowski argumentou que, embora a venda de subsidiárias e controladas de estatais não dependa de aprovação legislativa, a criação de novas empresas “unicamente com a finalidade de vender parte dos seus bens e ativos" afronta a Constituição e o poder do Legislativo de opinar sobre a questão.