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O lançamento de um projeto de reforma administrativa elaborado pela Frente Parlamentar do Congresso sobre o tema, na última quinta-feira (8), contou com presenças de relevo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, estiveram entre os que participaram da solenidade e falaram sobre a importância de se fazer a reforma. A cerimônia se deu poucos dias após o chamado "jantar da paz" que reuniu Guedes, Maia e outros figurões do Congresso e do Executivo, para tentar encerrar as rusgas entre os poderes.
Porém, dias depois do lançamento, Maia se distanciou da proposta. Em entrevista à Globonews no domingo (11), o democrata disse que a reforma teria sua votação na Câmara apenas no ano que vem, por conta da necessidade de mais discussões sobre a iniciativa, e também pela "concorrência" com outros temas em tramitação no Congresso.
Mas a declaração mais incisiva de Maia contra a proposta veio na terça (13), quando ele disse que a ideia do projeto de incluir os atuais servidores na proposta é "muito ruim" e poderia criar "uma judicialização da matéria". A fala foi dada em entrevista à CNN Rádio.
Em outras ocasiões, Maia já havia dito que sua principal prioridade para a Câmara em 2020 não é a reforma administrativa, e sim a regulamentação do teto de gastos.
O posicionamento de Maia é um indicativo dos novos obstáculos que o novo projeto de reforma tende a encontrar. Se a proposta apresentada pelo governo em setembro já havia recebido críticas de parlamentares de direita por uma suposta "timidez" no texto, a nova iniciativa ampliou o número de adversários.
Além dos membros da esquerda, opositores habituais do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e de propostas para a redução do tamanho do Estado, a proposta da frente pode ter como barreiras a atuação de integrantes do centro e também o calendário, em um ano atípico pela pandemia de coronavírus e afetado pelas eleições.
O que diz a proposta
A proposta da Frente Parlamentar busca ampliar "as vedações a privilégios e distorções" em comparação ao projeto original, apresentado pelo governo Bolsonaro. A definição é do deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da frente.
O projeto da frente busca barrar benefícios hoje concedidos ao funcionalismo que não haviam sido abordados na proposta enviada pelo governo Bolsonaro. Exemplos: a licença remunerada ao servidor que disputa eleições; a concessão de aposentadorias vitalícias com salários integrais; férias de 45 a 60 dias; promoções automáticas.
Mas os elementos que mais diferenciam a proposta da Frente do projeto elaborado pelo governo, e que têm motivado controvérsias, são a inclusão na reforma dos chamados "membros" do Poder Judiciário e do Ministério Público e a aplicação de algumas cláusulas do projeto a servidores que já estão empregados pelo setor público.
Os "membros" de Judiciário e MP são os integrantes das instituições que recebem os maiores salários, como promotores, procuradores e juízes. As duas questões não foram incluídas no projeto do governo sob a alegação de que Executivo e Legislativo não teriam autonomia para promover as mudanças.
Mitraud discorda da análise. "A maioria dos juristas com quem conversamos não vê essa limitação. Tanto que estamos fazendo uma PEC [proposta de emenda à Constituição], algo que o Judiciário não tem poder de produzir. E a meu ver, se a PEC não violar nenhuma cláusula pétrea da Constituição, o Congresso pode mexer em qualquer aspecto", disse.
O senador Antonio Anastasia (PSD-MG), vice-presidente da Frente, declarou que a inclusão ou não dos atuais servidores na reforma não deve ser pensada de maneira absoluta, e sim de acordo com diferentes aspectos do projeto. "Ninguém defende – e nem se poderia, porque seria inconstitucional – mexer em direito adquirido. Isso não será objeto de modificação. Agora, avaliação de desempenho, que é outro tema a ser tratado na reforma. Não será algo para valer apenas para alguns servidores. Todos deverão se submeter à avaliação de desempenho se ela for regulamentada", apontou.
O deputado Mitraud disse também que a meta da Frente é buscar a "melhor" reforma e que as restrições apresentadas por Maia se pautam menos no mérito da ideia e mais na dinâmica do Congresso Nacional.
"O que ele [Maia] está fazendo é uma avaliação da dificuldade de tramitação do projeto. Já o que nós estamos fazendo é buscar o melhor projeto possível. Não faz sentido termos no país uma categoria que tenha 45 ou 60 dias de férias, aumentos retroativos, coisas que a maior parte da população não tem. O presidente Maia está acostumado à dinâmica de tramitação dos projetos, sabe que quanto mais amplo maior a resistência, mas o meu papel é defender a reforma ideal", disse.
Anastasia disse que sua posição é "convergente" com a de Rodrigo Maia em alguns pontos expostos pelo presidente da Câmara. "A reforma administrativa não pode ser feita só pelo Congresso, como uma imposição. Essa é uma discussão que precisa envolver os demais Poderes e a sociedade como um todo", disse o senador.
No ato do dia 8, Maia afirmou que seria positivo que Supremo e Ministério Público fossem incluídos no debate sobre a reforma. “A reforma administrativa tem de ser ampla e impactar os três Poderes. Existem muitas dúvidas jurídicas de tratar de outro poder sem ser por iniciativa própria. Não será bom se não trouxermos o Supremo e o Ministério Público a esse debate. A reforma do Poder Judiciário de 2005 criou uma estrutura nos três Poderes com salários iniciais muito altos, onde as carreiras perderam a importância”, declarou na ocasião.
"Proposta é pior que a do governo", diz deputado do PT
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) avalia que a proposta de reforma administrativa elaborada pela Frente Parlamentar "radicaliza" a ideia inicialmente apresentada pelo governo Bolsonaro. "Nesses tempos de retrocesso, a gente vê que o que parece ser impossível de piorar, tem como piorar. E a proposta da Frente é pior que a do governo", disse.
Segundo Correia, a sugestão da Frente cria o "desmanche do serviço público e dos direitos do servidor". O que ocorre, na avaliação do parlamentar, em duas esferas: "Uma é a de promover o retorno do patrimonialismo no Estado. Faz com que servidores sejam contratados e demitidos de acordo com os interesses do governo de plantão. E a outra é a de moldar o Estado à semelhança do mercado. Nisso, o serviço público não passa mais a servir o povo, e sim servir a interesses de mercado".
O petista define como "armadilha" a abordagem antiprivilégios utilizada pelos defensores da reforma. "Hoje 70% dos servidores públicos estão na saúde e na educação. E 90% dos servidores são do Executivo, com média salarial de R$ 2.600. O discurso é de combate aos privilégios, mas a reforma valeria para todos. Vai fingir que pega os marajás para fazer sofrer quem mais precisa do Estado", disparou.
Corrida contra o relógio
Na opinião de Correia, "de jeito nenhum" a reforma administrativa será votada pelo Congresso em 2020. O deputado avalia as eleições como principal barreira. E aí ele inclui tanto as municipais, que ocorrerão no próximo mês, quanto as nacionais e estaduais, agendadas para 2022. "Votar um tema desses no ano que vem é difícil, porque a covardia é muito grande. Esse é o tipo de projeto que só passa na calada da noite", disse.
O senador Anastasia também descarta a aprovação da reforma em 2020. "Por todo o debate que é necessário nesse tema não há, realisticamente, a mínima possibilidade da aprovação dessa reforma neste ano", disse.
O parlamentar, no entanto, cita questões regimentais e jurídicas como as maiores barreiras. E para ele, a "demora" não necessariamente representaria um problema. "Nem é bom que façamos isso na correria. Essa reforma, como eu disse, precisa ser discutida e aperfeiçoada com toda a sociedade. E ela – ao contrário de outras reformas – não se exaure apenas nessa PEC. Outros projetos de lei, infraconstitucionais, são essenciais e vão precisar ser discutidos e votados. Com alguns desses talvez ainda possamos, assim espero, avançar ainda neste ano, porque alguns já foram votados na Câmara e no Senado", disse.
Mitraud, por sua vez, reconhece que "o relógio não ajuda", mas define como "obrigação" do Congresso implantar a discussão sobre o tema. O deputado destacou que acredita na possibilidade de a reforma ter avanços em janeiro – o mês, geralmente dedicado às férias dos parlamentares, pode ter atividade normal no Congresso.