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Proposta fatiada

Tímida e com exceções: por que reforma administrativa veio mais branda que o previsto

Servidores chamam reforma de "caixa preta"
Proposta de reforma administrativa do governo altera regras para os futuros servidores (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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A proposta de reforma administrativa, apresentada pelo governo nesta quinta-feira (3), veio mais suave do que indicavam as pistas divulgadas anteriormente pelo próprio Ministério da Economia. A premissa principal é de simplificação das carreiras de estado e correção de distorções, como benefícios exagerados ou salários muito diferentes para funções similares. Mas isso vai demorar para se concretizar, uma vez que depende da aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que é a primeira fase do projeto, e da elaboração de uma série de leis complementares e ordinárias na sequência para validar todas as mudanças em outras duas etapas.

Como já anunciado, se aprovada, valerá apenas para os futuros servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas três esferas – federal, estadual e municipal. Mas não para todos: ficam de fora militares e membros de poderes, como magistrados e parlamentares.

O secretário especial adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Gleisson Cardoso Rubin, explicou que o Executivo não pode definir normas específicas para membros dos poderes Legislativo e Judiciário, por isso a exceção. Já em relação aos militares, que integram a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro, a justificativa foi de que alterações nas carreiras já haviam sido realizadas durante a reforma da Previdência da categoria.

Proposta suave de reforma administrativa foi opção pelo que é mais palatável

A avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem é de que a proposta mais suave até enfrenta o problema fiscal no longo prazo – o próprio Ministério da Economia disse não ser possível precisar o impacto das medidas neste momento –, mas fica na imprevisibilidade do fatiamento. A opção pela divisão em fases tem justificativa jurídica, mas também tem um forte componente político.

“Rompendo com uma inércia de muito tempo, não há dúvidas que a proposta de Emenda à Constituição Federal enviada pelo Executivo – indispensável para o equilíbrio das contas públicas – foi aquela que se mostrou a mais palatável possível, observados o momento atual político e de crise econômica que o país atravessa”, opina o advogado constitucionalista Adib Abdouni. Para ele, uma reforma geral e indiscriminada poderia emperrar ou até mesmo enterrar a tramitação da PEC.

A opção pelo fatiamento é explicada pela natureza jurídica das alterações que ela demanda – primeiro na Constituição e depois no conjunto de leis. “Isso tem um viés jurídico e político, de concentrar discussões mais difíceis e levar meio que a reboque alterações mais tranquilas. Mas o maior impacto está na PEC, tanto pelos interesses envolvidos quando pelas amarras da Constituição”, pondera Paulo Liporaci, advogado especialista em Direito Administrativo.

A técnica de buscar “desconstitucionalizar” determinados pontos de interesse para que possam ser alterados por lei já foi usada na reforma da Previdência, lembra Maurício Zockun, sócio do Zockun & Fleury Advogados, especialista em Direito Administrativo. “Reformar a Constituição é muito penoso e se gasta muito capital político para fazer isso. Essas reformas necessárias acabam demorando muito e ficam para depois porque não se tem mais capital político”, avalia.

Para ele, a preocupação de eixo da proposta é de retirar um conjunto de privilégios, flexibilizando os vínculos e tirando um pouco do peso fiscal futuro do funcionalismo para as contas públicas. “Essa emenda desconstrói muita coisa, mas não constrói nada. É mais para garantir condições econômicas para que os servidores não pesem tanto”, critica.

Zockun avalia que, ainda que muito válidas, o conjunto de iniciativas busca “desinflar” o tamanho do Estado, com medidas de controle de entrada, possibilidade de cargos temporários e convênios com a iniciativa privada para contratação de funcionários para determinadas funções. “Você está desinflando o Estado, mas não está buscando eficiência. Só encontro melhoria de natureza econômica”, pondera. O governo anunciou que pretende regulamentar, por lei ordinária após a aprovação da PEC, o mecanismo que permitirá dispensa por desempenho insuficiente.

Embora a expectativa pela proposta fosse alta, isso não azedou o humor do mercado. A B3 fechou em queda nesta quinta (3), mas puxada pela correção do mercado acionário na Bolsa de Nova York. Gustavo Akamine, analista fundamentalista e gestor de recursos da Constância Investimentos, lembra que a proposta vai numa direção certeira de busca por uma administração pública mais eficiente, mas que, como será uma PEC, já é esperado que tenha tramitação lenta e burocrática.

“É uma medida que terá impactos mais a longo prazo e tem outras coisas que acabam se sobressaindo, como a reforma tributária e as propostas de gatilhos [para o rompimento do teto de gastos]”, cita. Outro ponto que atrai a atenção do mercado são as eleições, tanto a municipal, no final do ano, quanto os preparativos para o processo eleitoral na Câmara e no Senado – a possibilidade de reeleição ou não dos atuais mandatários pode influenciar no ordenamento de pautas.

Mudança importante atingirá quem já está no serviço público

Desde o anúncio de envio da proposta da reforma administrativa, o presidente Jair Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes e as principais lideranças do governo no Congresso se preocuparam em frisar que as medidas valerão apenas para os futuros servidores.

“Estamos sinalizando para o futuro, com a retomada das reformas. A reforma administrativa é importante. E como o presidente deixou claro desde o início, ela não atinge os direitos dos servidores públicos atuais, mas redefine toda a trajetória do serviço público para o futuro, um serviço de qualidade, com meritocracia", disse Guedes ao participar de uma audiência na Câmara dos Deputados na terça-feira (1º).

Ao excluir os servidores que já estão na ativa, o governo limita o alcance fiscal da medida, já que haverá contenção de gastos públicos apenas a partir do ingresso de novos funcionários. Por outro lado, a opção facilita a tramitação da proposta, já que a elite do funcionalismo atuava de forma constante para barrar o texto.

Mas, eles serão afetados por uma mudança proposta pela reforma do governo, com relação à possibilidade de desligamento dos servidores. Atualmente, há três possibilidades de exoneração já previstas na Constituição: sentença judicial transitada em julgado, infração disciplinar e insuficiência de desempenho.

Esta última, no entanto, nunca foi regulamentada. Mas será a partir da reforma, que prevê a sugestão de uma lei ordinária para que se estabeleçam os critérios de avaliação. O Ministério da Economia informou que, em 2018, o governo federal desligou apenas 388 servidores (0,07% da força de trabalho).

Demora no envio da proposta, pronta desde 2019, causou baixa na equipe econômica

O texto da reforma administrativa estava pronto no Ministério da Economia desde outubro de 2019, aguardando aval do Planalto para envio ao Congresso. Fatores externos, como os protestos na América Latina no ano passado e a pandemia da Covid-19 neste, levaram ao entendimento do presidente Bolsonaro de que não havia “timing político” para a análise da reforma.

A proposta já era direcionada apenas aos futuros servidores, com foco em ampla remodelagem do desenho das carreiras do serviço público, com redução desse número e dos salários iniciais – esse ponto não foi tocado na proposta atual.

Outra frente previa o aumento do tempo de progressão de carreira, que deixariam de ser automáticas por critérios de tempo e ocorreriam apenas por mérito. Este texto também previa a criação de um tipo de estágio probatório para o servidor obter a estabilidade. Embora esses pontos estejam na proposta, a amplitude foi menor do que a desenhada originalmente.

A demora em enviá-la acabou causando uma baixa no time capitaneado por Paulo Guedes. Em agosto, o então secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, deixou o governo justamente porque a proposta não deslanchava.

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