Não há dúvidas de que o projeto de reforma da Previdência apresentado pelo governo no ano passado é duro. Ele impõe uma idade mínima de 65 anos para todos os trabalhadores, da iniciativa privada e do serviço público, estipula um mínimo de contribuição de 25 anos e uma regra de transição que começa aos 50 anos para homens e 45 para mulheres. O mais rigoroso, porém, é o tempo necessário para uma aposentadoria integral: pelo menos 49 de contribuição.
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Pelo histórico de tramitação de projetos que mexem com a Previdência, dificilmente esse projeto passaria sem alguma negociação no Congresso. E o risco de a proposta no fim ficar “frouxa” demais é grande, como mostra a iniciativa de cinco partidos da base governista que estão redigindo um substitutivo para o projeto. A ideia é baixar a idade mínima para 60 anos para homens e 58 para mulheres. A regra de transição valeria para todos, com um “pedágio” de 30%, em vez de 50% como propõe o governo. E também voltariam as pensões integrais.
Como a flexibilização do projeto também é uma pauta da oposição (um partido já disse apoiar o substitutivo), é muito provável que o governo tenha de negociar quando o projeto começar a ser debatido na comissão especial que avaliará o assunto. Só que a margem de negociação não é muito ampla por causa dos números.
A Previdência teve um déficit de quase R$ 150 bilhões no ano passado. Somado ao saldo do setor público (incluindo militares, lamentavelmente fora desse projeto), o déficit sobe para quase R$ 230 bilhões (algo em torno de 3,5% do PIB). É certo que a crise econômica acelerou o crescimento do saldo negativo, mas ele cresceria de qualquer maneira por causa da demografia.
Segundo dados apresentados pelo governo, hoje há 140,9 milhões de pessoas em idade ativa (embora cerca de 60% sejam economicamente ativas). Em 2060, serão 131,4 milhões, uma queda de 6,7%. Ao mesmo tempo, o número de idosos deve crescer 262,7% no mesmo período. E serão idosos mais longevos, que passarão mais tempo no sistema previdenciário.
Do ponto de vista das contas públicas, essa é uma tendência insustentável. No curto prazo, a conta da Previdência já é grande o suficiente para engessar 40% do gasto público. O percentual vai passar de 50% em menos de uma década. As contas do governo mostram que a reforma, aprovada como enviada, já teria efeito em 2018, com uma redução de R$ 5 bilhões no gasto projetado. Em uma década, seriam R$ 700 bilhões. Não há contas para o substitutivo, mas é certo que essa versão impõe um custo para o contribuinte e no fim se torna um fator que colabora para nossa alta taxa de juros.
O projeto enviado pelo governo tem deficiências. A principal é o fato de não haver uma conta atuarial muito justa no cálculo do valor da aposentadoria. A exigência de 49 anos para se chegar ao teto torna o INSS um negócio muito pior do que uma poupança privada. Esse é um aspecto que pode ser melhor negociado. Muitos especialistas defendem que, na sequência desta reforma, se debata a criação de um novo sistema para quem entra no mercado de trabalho, com contas individuais remuneradas e uma garantia de renda mínima para quem não conseguir se colocar no mercado formal.
A idade mínima de 65 está alinhada com a prática de países um pouco mais adiantados na transição demográfica, mas também parece haver espaço para se negociar um escalonamento para as mulheres atingirem esse critério. E a regra de transição, com um corte “seco” na linha dos 50 anos, cria a situação de pessoas com idades muito parecidas seguirem regras muito diferentes. Um escalonamento neste caso também pode ser mais adequado. No fim das negociações, teremos de calcular o custo que o sistema terá nas próximas décadas para ver se a reforma será suficiente.