A reforma trabalhista tem sido discutida a partir de pontos de vista extremos. Os que se opõem às mudanças dizem que elas vão acabar com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a proteção dos trabalhadores. Na ponta oposta, o governo alardeia que a chamada modernização vai gerar 5 milhões de empregos.
O mais provável é que nada disso aconteça. O que a reforma pode fazer é dar mais segurança jurídica às relações de trabalho, melhorando o ambiente de negócios e reduzindo parte do custo de pessoal das empresas. Mais especificamente, o custo decorrente de decisões judiciais que anulam acordos firmados com os empregados.
CONHEÇA em detalhe as propostas do governo para a reforma trabalhista
Para o Banco Mundial, legislação influencia pouco o emprego
“Pela legislação atual, todo contrato de trabalho no Brasil é falso, porque quando a relação de trabalho termina as cláusulas podem ser totalmente renegociadas na Justiça do Trabalho. O empresário nunca sabe quanto custa um trabalhador”, diz José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-Rio. “Ao definir alguns pontos que não podem ser modificados pela Justiça, a reforma diminui um pouco essa incerteza.”
Terceirização
A reforma trabalhista proposta pelo governo não trata da terceirização. O assunto é tema de projetos que podem ser votados em breve, um na Câmara e outro no Senado. Ao que tudo indica, terá prioridade o texto que está na Câmara, que permite a terceirização plena, incluindo a atividade-fim da empresa. Se aprovado, ele vai direto para a sanção do presidente Michel Temer.
O projeto, que está sendo analisado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, mexe em três pontos da legislação: contratos temporários, trabalho em tempo parcial e negociações coletivas.
A duração máxima do contrato temporário passaria dos atuais 90 dias (prorrogáveis por 90) para 120 dias (prorrogáveis por 120). A jornada de trabalho em tempo parcial também seria ampliada, de 25 para até 30 horas semanais, ou então 26 horas, com até seis horas extras.
Negociado vale mais
O ponto mais polêmico diz respeito aos acordos e convenções coletivas. O governo quer deixar explícito em lei que a Justiça deve respeitar as cláusulas negociadas entre trabalhadores (por meio de seus sindicatos) e empresas (diretamente ou via sindicatos patronais). A Constituição já determina que o Judiciário reconheça as convenções coletivas, mas os tribunais costumam anular dispositivos que contrariem a CLT.
Essa prevalência do negociado sobre o legislado não valeria para todo o contrato, mas para 13 pontos, entre eles campeões de ações trabalhistas como o intervalo para almoço, que poderia baixar de uma hora para 30 minutos, e a contagem do tempo quando o empregador fornece o transporte até o trabalho.
Para o economista José Roberto Savoia, professor da USP, as regras propostas podem ajudar as empresas a fazer ajustes pontuais e preservar empregos em momentos de crise. Mas não diminuem o custo da formalização nem vão criar milhões de postos de trabalho, como promete o governo. “A mudança de uma regra trabalhista não tem o condão de gerar uma quantidade tão grande de empregos”, diz.
MAIS MUDANÇAS
O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara, quer incluir no texto dois temas que ficaram de fora da proposta do governo: o trabalho a distância, que ele chama de “teletrabalho” e muitos conhecem por “home office”; e a jornada intermitente, em que não há horário fixo e o empregado pode receber por hora trabalhada.
Mudanças na legislação têm pouco impacto sobre nível de emprego, diz Banco Mundial
- Fernando Jasper
Logo na primeira audiência pública da Câmara dos Deputados sobre a reforma trabalhista, há duas semanas, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, disse que a proposta pode criar até 5 milhões de empregos no médio e longo prazo. E o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho, afirmou que sem reforma o desemprego crescerá e “podemos caminhar a tal ponto que vamos rumo à Venezuela”.
Estudo publicado em 2013 pelo Banco Mundial desautoriza essas conclusões. “Os efeitos estimados [da legislação trabalhista] revelam-se modestos na maioria dos casos – certamente mais modestos do que a intensidade do debate poderia sugerir”, afirma o capítulo sobre empregos do “Relatório de Desenvolvimento Mundial 2013”.
Sem mágica
Dependendo do caso, o impacto da regulação pode ser ligeiramente positivo ou negativo para o mercado de trabalho. Mas, de forma geral, não é determinante. Embora afirme que intervenções excessivas ou insuficientes possam ter efeitos negativos sobre a produtividade, o Banco Mundial conclui que as políticas e instituições trabalhistas não são nem o principal obstáculo nem a “pílula mágica” para gerar bons empregos e desenvolvimento na maioria dos países.
Em geral, a geração de empregos é mais associada à atividade econômica e à evolução da produtividade. No Brasil, por exemplo, o setor privado criou quase 18 milhões de empregos formais entre 2002 e 2014 sem que tenha havido uma mudança relevante na legislação trabalhista.
Mãos dadas
A proposta de dar força de lei às negociações coletivas é criticada por muitos sindicatos, procuradores e juízes. Mas também tem defensores na própria Justiça do Trabalho. “Não sou eu, não é um desembargador, não é um ministro de tribunal superior quem sabe o que é melhor para o trabalhador do comércio de Curitiba, ou de São Paulo, ou de Mossoró. O que o Judiciário deve fazer é coibir abusos”, disse o juiz do Trabalho Marlos Melek à Gazeta do Povo no ano passado, ao defender que empresas e trabalhadores decidam juntos como se dará suas relações.
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