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A discussão sobre a reforma do sistema tributário brasileiro ganhou novos contornos com a indefinição sobre qual modelo de mudança deve prosperar. Depois de mais de um ano de trabalho, o relatório lido pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária, na última terça-feira (4), foi desconsiderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é contrário ao texto apresentado.
Alinhado à equipe econômica do governo federal, Lira defende o fatiamento da reforma em etapas, começando pela criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), resultado da fusão de dois tributos, ambos de âmbito federal: o PIS e da Cofins. Esse modelo pode ser feito por meio de projeto de lei, cuja tramitação é mais rápida do que na forma de uma proposta de emenda à Constituição (PEC).
Ribeiro, em seu parecer, propôs um substitutivo às PECs que tratam da reforma, transformando cinco impostos – três federais (IPI, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) – no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que seria complementado com um imposto seletivo.
Embora ambos os modelos tratem da simplificação tributária, por meio da fusão de impostos em um tributo não cumulativo, a diferença no alcance das mudanças geraria efeitos bastante diversos. Para Bruno Teixeira, especialista em direito tributário da TozziniFreire Advogados, os maiores problemas do sistema atual são fruto da complexidade nas taxações que envolvem os diferentes níveis de governo.
“A CBS [proposta pelo governo federal] não sei nem se poderia ser chamada de reforma”, diz o advogado. “Tanto é que não precisa nem de emenda constitucional nem de lei complementar, porque une apenas dois impostos de competência federal. Embora seja uma boa alteração, por ter a intenção de simplificar dois impostos que são complexos, não é a reforma que a sociedade espera”, diz Teixeira.
O IBS, por sua vez, teria – pela proposta de Ribeiro – arrecadação compartilhada entre União, estados, Distrito Federal e municípios, cabendo a cada ente fixar uma alíquota que seria a mesma para todas as operações com bens ou serviços. No caso de transações entre diferentes entes, seria aplicado o princípio do destino, no qual a receita ocorre no local onde o bem ou serviço for consumido.
O imposto seria regido por uma legislação única. Em seu parecer, o relator da comissão mista destaca que, no modelo atual, somente após a promulgação da Constituição de 1988 foram criadas aproximadamente 400 mil normas tributárias em todo o território nacional.
“O ICMS é um dos impostos mais complexos, porque tem diferentes regras para bens de uso e consumo, substituição tributária, base de cálculo com preço médio ponderado ao consumidor final, convênios por parte do Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária], e assim por diante. É um tributo que depende muito de regulação estadual”, diz Teixeira.
Para o jurista, a complexidade do sistema tributário brasileiro gera a chamada ilusão fiscal, um conceito segundo o qual o contribuinte não é capaz de saber o que está recolhendo de impostos. “Dificilmente os governos mexem em alíquotas, então quando precisam de receita, usam de subterfúgios para alterar base de cálculo ou forma de estabelecimento de obrigação fiscal, algo que tenha influência na arrecadação”, explica. “O que a reforma tributária busca é minimizar isso. Se quer aumentar receita, mexe na alíquota.”
Outra diferença entre as duas propostas seria o prazo para mudança no sistema de tributação. A CBS, por ser mais simples, não prevê regra para transição, o que é visto por alguns analistas como um risco para uma alta inflacionária em curto prazo, embora o governo refute a tese.
Já a criação do IBS, pela proposta de Ribeiro, teria uma transição em duas etapas. Começaria nos primeiros dois anos apenas com a cobrança da parcela da União sobre bens e serviços e, do terceiro ao sexto ano subsequentes, contemplaria a fusão gradual do ICMS e do ISS.
Além do IBS, o substitutivo mais abrangente prevê a criação do imposto seletivo, que teria competência federal e finalidade extrafiscal, com o objetivo de ser aplicado para desestimular o consumo de determinados serviços, direitos ou produtos, como cigarros e bebidas, por exemplo. Trata-se de um modelo adotado internacionalmente e que, hoje, é aplicado em determinada medida com o IPI, em nível federal, e com o ICMS, em nível estadual.
Outra particularidade da proposta do IBS é a substituição do modelo de isenções ficais e alíquotas diferenciadas pela devolução de recursos para pessoas de baixa renda. O processo seria feito com base no consumo estimado das famílias, sem a necessidade de se informar o número do CPF em notas fiscais, como ocorre em programas estaduais de devolução de créditos de ICMS.
Modelo de reforma tributária que será seguido continua indefinido
Com a decisão do presidente da Câmara de sustar a comissão especial que analisava a reforma tributária, criou-se uma indefinição sobre o andamento das propostas. Ao anunciar a medida, Lira elogiou o trabalho de Aguinaldo Ribeiro na relatoria da reforma e disse acreditar que muitos pontos do parecer poderão ser aproveitados. Apesar disso, o texto não será votado na Câmara, segundo o presidente da Casa.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por outro lado, defendeu a continuidade do colegiado misto. “A Comissão Mista fez um trabalho longo de aprofundamento sobre a Reforma Tributária. É razoável e inteligente darmos oportunidade de concluírem o trabalho, o que se efetiva com a apresentação do parecer pelo deputado Aguinaldo Ribeiro”, disse, em nota.
Mesmo com o anúncio de Lira, o presidente da comissão mista, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), manteve os prazos anunciados na reunião do colegiado em que foi feita a leitura do parecer. Segundo ele, até sexta-feira (7), serão recebidas sugestões de membros da comissão ao texto, e na próxima terça-feira (11) será feita a apresentação da versão final do documento.
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