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O governo federal entrega ao Congresso nesta terça-feira (21), às 14h30, o projeto inicial de reforma tributária elaborado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A cerimônia representará um passo importante na luta que o Palácio do Planalto trava para tentar reverter um jogo que, hoje, tem placar desfavorável ao governo de Jair Bolsonaro: a manutenção do veto presidencial ao projeto de lei que instituiu a desoneração na folha de pagamentos até o fim de 2021.
O veto foi imposto por Bolsonaro durante sua sanção à lei que o Congresso aprovou como produto da Medida Provisória (MP) 936, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e permitiu a empresas reduzirem jornadas de trabalho e salários, em virtude da pandemia de coronavírus. No processo de conversão da MP em lei, os congressistas estenderam até 2021 a desoneração da folha de pagamento de 17 setores. A medida, na opinião dos parlamentares, ajuda na geração de empregos. Já o Executivo considerou a decisão inconstitucional e onerosa aos cofres públicos, por isso o veto.
A apresentação do projeto da reforma tributária ao Congresso indica aos parlamentares uma alternativa às desonerações estipuladas no projeto derivado da MP. A ideia do governo é convencer os deputados e senadores de que a proposta de reformulação abordará a desoneração de modo mais qualificado do que o contemplado na lei sancionada recentemente. O projeto que Guedes deve levar ao Congresso é um esboço inicial da reforma completa, focado no momento apenas em dois tributos federais, PIS e Cofins.
Antes da apresentação da proposta, o governo executará outra etapa de sua estratégia para tentar reverter o jogo. Será a realização de uma reunião virtual entre seus líderes no Congresso, incluindo as bancadas de todas as casas. O encontro está previsto para a manhã desta terça, com o objetivo de criar um discurso a favor do veto.
A proposta de reforma e a reunião se soma ao fator tempo, que o governo espera que jogue a seu favor. Havia a expectativa, há alguns dias, de que a análise do veto se desse na semana corrente. Isso seria prejudicial ao governo, já que o cenário atual é pela rejeição do veto —- o que se tornou mais complexo após Guedes sugerir que a alternativa à desoneração pode ser a criação de um novo imposto, que seria aplicável sobre transações via internet e foi apelidado de "CPMF digital".
Mas a votação para agora foi descartada: a Câmara encontra-se envolvida nas discussões relacionadas ao projeto do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que tem monopolizado as atenções de parlamentares de governo e oposição. No Senado, a agenda da semana ainda não foi definida pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Mas como a apreciação de um veto é feita em sessões do Congresso, onde estão presentes deputados e senadores, não haveria como deliberar agora sobre a decisão de Bolsonaro.
Congresso avalia que já cedeu
A derrubada do veto tem sido mencionada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com frequência desde a sanção da lei por Bolsonaro, ocorrida no último dia 6. Por exemplo, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no dia 12, Maia alegou que a ideia de desonerar a folha de pagamento não é incompatível com a reforma tributária: “a reforma tributária tem uma transição de dez anos. O Congresso aprovou a prorrogação (da desoneração) por apenas um ano. Uma coisa não inviabiliza a outra".
Nesta segunda-feira (20), em entrevista coletiva na Câmara, o deputado disse que "a proposta [de reforma tributária] do governo vem em boa hora". Maia destacou que tanto Câmara quanto Senado têm projetos de reforma em curso, mas disse que isso não o levará a reprovar a iniciativa do Executivo: "o governo trata de dois impostos. Nós tratamos dos cinco. PIS-Cofins ele trata, nós incluímos IPI, ICMS, ISS. Nós achamos que o impacto para a melhoria do ambiente de crescimento do Brasil é muito grande. Mas se as condições existirem apenas para votação do projeto do governo, nós vamos avançar do mesmo jeito".
Maia também disse que a desoneração não deve ser compensada pela criação de novos impostos. Sem citar diretamente a proposta de Guedes, lembrou da CPMF ao dizer que "a política de gerar um imposto para financiar um bom programa, ela foi feita entre 1994 e 2008. Gerou 9% de carga tributária nova e o impacto foi muito pequeno na melhoria da qualidade de vida dos brasileiros".
O líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), disse que acredita na derrubada do veto e também que a bancada do seu partido votará contra a decisão de Bolsonaro. Para ele, "o Congresso já cedeu" ao concordar com a extensão das desonerações até 2021, já que inicialmente se discutia a manutenção do quadro até 2022. "Não podemos abrir mão de um veto por conta de uma promessa de uma 'semireforma' por parte do governo", acrescentou.
Já a deputada Erika Kokay (PT-DF) também aposta na derrubada do veto, como "um movimento do Parlamento de defesa de si mesmo". "Foi um projeto que teve muito respaldo no Congresso, por isso a tendência de rejeição", afirmou. Para a petista, o governo "age com chantagem" ao indicar a apresentação da reforma tributária como alternativa às desonerações. "Isso é ação de um governo que não tem coragem de tributar quem deveria", disse.
O deputado Hiran Gonçalves (PP-RR) colocou que outra dificuldade para o governo é que a votação tende a ocorrer em um período de baixa harmonia entre Congresso e Palácio do Planalto. "O atraso da liberação de recursos gerou um mal-estar na base", disse o deputado, em relação ao pagamento de emendas parlamentares que não foram efetivados. Ele acrescentou que o tema gera controvérsia, assim como o Fundeb, e que negociações serão necessárias até o dia da votação.
Desoneração foi decisão do Congresso
A extensão da desoneração da cobrança até o fim de 2021 foi decidida pelos parlamentares durante a tramitação da MP no Congresso. A medida contou com apoio de associações patronais. Desde o anúncio do veto de Bolsonaro, instituições têm divulgado notas e posicionamentos sobre os impactos que o fim da desoneração poderia causar ao mercado de trabalho.
Documento da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), por exemplo, alega que "a tributação da folha no Brasil é de 43%, uma das maiores do mundo. Na contramão das melhores práticas econômicas dos países mais desenvolvidos. Nos Estados Unidos, a tributação é 29% e no Chile 9%. Por outro lado, temos 13 milhões de desempregados, sendo que o setor é o que tem mais capacidade de gerar empregos".
A desoneração tem sido tentada, nos últimos anos, por diferentes governos. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) disse, em entrevista de 2017, quando já estava distante do Palácio do Planalto, que determinar desonerações ao setor produtivo foi um dos seus principais arrependimentos na gestão da política econômica. "Eu acreditava que, se diminuísse impostos, teria um aumento de investimentos. Eu diminuí e me arrependo disso. No lugar de investir, eles aumentaram a margem de lucro", disse, em referência aos empresários brasileiros.