Uma das controvérsias envolvendo a proposta de reforma tributária do governo, entregue pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso na semana passada, diz respeito à alíquota que será cobrada dos bancos no novo modelo. No texto apresentado pela equipe econômica, eles pagariam 5,8% na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – menos da metade da alíquota universal de 12%, que valeria para os demais setores.
A CBS é o tributo proposto pelo governo para substituir o PIS/Pasep e a Cofins. O argumento do Executivo é de que a unificação desses tributos, de competência federal, vai simplificar o sistema, tornando-o mais transparente. O Ministério da Economia alega, ainda, que as alíquotas propostas não vão aumentar a arrecadação do Executivo, ou seja, vão manter a carga tributária no patamar atual.
Quando são considerados os setores isoladamente, porém, há atividades que vão, sim, pagar mais tributos no novo modelo, se o texto for aprovado como está. É o caso dos bancos: apesar da alíquota mais baixa em relação aos demais segmentos, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) já se manifestou dizendo que, se a mudança for adiante, a carga tributária sobre as instituições financeiras vai aumentar.
Hoje, com o PIS/Pasep e a Cofins, os bancos pagam alíquota de 4,65%. Mesmo que a CBS seja mais baixa que a dos outros setores, portanto, o novo modelo aumenta em quase 25% a tributação dos bancos.
Não há "lógica jurídica" em regime diferenciado para bancos, diz especialista
A proposta do governo prevê, ainda, que, para os demais segmentos, a alíquota de 12% da CBS será não cumulativa. Na prática, isso significa que as empresas poderão abater do saldo devido o tributo que já foi pago em etapas anteriores da cadeia.
O mesmo não vale para os bancos. “Para eles, vai ser um regime cumulativo, ou seja, sem a possibilidade de descontar o que já foi pago em operações anteriores”, explica Luciano Bernart, presidente executivo da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
A questão é que, no caso do setor de serviços, que tem como principal custo a contratação de mão de obra, poucos serão os créditos disponíveis para abatimento, mesmo que o regime seja não cumulativo. Para essas empresas, no entretanto, o aumento na alíquota será ainda maior, dos 3,65% cobrados atualmente para 12%.
“É indiscutível que o setor de serviços seria o mais prejudicado. A questão é que um dos princípios constitucionais do direito tributário é a da capacidade contributiva, ou seja, a ideia de que aqueles que têm maior capacidade econômica devem contribuir mais. Na CBS não estamos vendo esse princípio. Não vejo lógica jurídica em um regime diferenciado para bancos”, afirma André Felix Ricotta de Oliveira, doutor em Direito Tributário.
A Febraban, porém, reclama da manutenção do regime cumulativo e da base de cálculo para o novo tributo. De acordo com Oliveira, a nova regra faria a CBS incidir sobre a receita bruta, sem exceções, o que acabaria com contestações judiciais por parte das instituições financeiras. Hoje, elas divergem sobre o entendimento de que PIS e Cofins devem incidir sobre toda a receita.
Alíquota maior vai ser repassada pelos bancos aos juros cobrados do consumidor?
Outra preocupação que ronda a aplicação da CBS é a possibilidade de que o aumento na tributação seja repassado ao consumidor. Na nota divulgada sobre o assunto, a Febraban já afirmou que a tributação passará a responder por um percentual maior no spread bancário – isto é, a diferença entre os juros que as instituições financeiras remuneram os clientes e os que cobram em empréstimos. Segundo a entidade, os tributos passarão a representar 20,3% do spread, 1% a mais do que a parcela atual.
“De maneira geral, a tendência é de que as atividades repassem os custos da tributação para o consumidor. Sempre que você mexe com instituições financeiras, não está pensando, apenas, em grandes contribuintes, mas também em instrumentos de controle e regulação da economia”, explica Luciano Bernart.
Rodrigo Rodrigues, sócio da área tributária do escritório CMartins Advogados Associados, aponta que, no caso dos bancos, mesmo que o spread bancário aumente, pode ser que as instituições financeiras decidam absorver esse custo. “A gente sempre imagina que vai haver esse repasse para os clientes, mas talvez os bancos consigam absorver isso. Há uma competição maior no mercado, então acho que vai ser uma decisão estrutural que também vai considerar a concorrência pela captação do cliente”, argumenta.
Envio da reforma em etapas dificulta avaliação das mudanças, mas pode vencer resistências
A unificação do PIS/Pasep e da Cofins na CBS é apenas a primeira etapa da reforma tributária do governo. A equipe econômica promete enviar as novas fases ao Congresso até o final do ano, com alterações como a desoneração da folha de pagamento. Nesse caso, a penalização dos setores mais dependentes de mão de obra com a instituição da CBS poderia ser compensada com o alívio na tributação dos salários.
“Esse é o problema de uma reforma fatiada. A gente não sabe exatamente o que está por vir e não consegue analisar o panorama geral”, afirma Luciano Bernart, da ABDConst. No caso dos bancos, outros tributos já são cobrados com alíquotas maiores em relação aos demais setores, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – que é de 20% para eles e de 9% para as demais atividades.
O peso maior de outros tributos é, inclusive, um dos argumentos utilizados pelos bancos para criticar a proposta da primeira etapa da reforma do governo. “A carga tributária final sobre o setor financeiro, de 45% de Imposto de Renda e CSLL, somada ao aumento da alíquota para 5,8% (CBS), será mantida como a mais elevada dentre outros setores, não tendo havido qualquer redução de alíquota para os bancos”, defendeu a Febraban.
O argumento do Executivo é de que, enviando as ideias de alterações aos poucos, o governo tem mais chances de vencer resistências da sociedade e do próprio Congresso, evitando que todo o debate seja “contaminado” pela antipatia a alguns tributos – como o imposto sobre pagamentos, nos moldes da CPMF, proposto pelo Ministério da Economia para viabilizar a desoneração da folha.
“Eu acho difícil que a gente consiga fazer uma reforma tributária global, de todos os impostos. Demandaria muita discussão no Congresso. O governo tentou fatiar justamente para que haja um passo seguinte e de conexão em relação aos impostos que incidem na atividade empresarial brasileira”, concorda Rodrigues, do escritório CMartins.
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