A primeira fase da proposta de reforma tributária do governo Bolsonaro prevê a unificação do PIS/Pasep e da Cofins em um único tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%. O texto foi entregue pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) na terça-feira (21). Se aprovado como está, o projeto terá impacto direto sobre as empresas – mas o efeito prático sobre os diversos setores econômicos não será homogêneo.
A principal alteração promovida pela CBS diz respeito à cumulatividade da tributação. Hoje, o recolhimento do PIS/Pasep e da Cofins ocorre em dois regimes diferentes. No cumulativo, com alíquota menor (0,65% para o PIS e 3% para a Cofins), o valor da tributação vai se somando ao longo da cadeia de produção. As empresas submetidas a esse regime geralmente são menores e declaram seus ganhos pelo chamado lucro presumido.
No não cumulativo, por sua vez, as empresas podem abater o que já foi pago em etapas anteriores, por meio de créditos. Por isso, a alíquota é mais alta, de 1,65% para o PIS e 7,6% para a Cofins. Nesses casos, as empresas são maiores e declaram os rendimentos à Receita Federal pelos valores de lucro real.
Com a CBS, tudo passará a ser não cumulativo, com alíquota única de 12%. Segundo o governo, a nova contribuição será um tributo semelhante a um imposto sobre valor agregado (IVA), isto é, os empresários deverão pagar a alíquota somente sobre o que for adicionado ao produto.
Outra alteração deve extinguir o chamado cálculo "por dentro", algo que só existe no Brasil. Hoje, a base para o cálculo do imposto já inclui o valor da alíquota, o que eleva o montante a ser pago. Se a base for de R$ 100, por exemplo, no regime "por dentro" o valor do imposto seria cobrado sobre R$ 112. Com isso, o contribuinte pagaria R$ 13,44 – e não R$ 12, o que corresponde ao valor da alíquota. Na CBS, o cálculo será "por fora" – sem a inclusão do valor da alíquota –, eliminando a "jabuticaba" criada no regime brasileiro.
Modelo atual do PIS/Cofins tem efeito em cascata mesmo no regime não cumulativo
Comparando somente as alíquotas, a CBS tende a sair mais cara para as empresas. Na prática, os meandros da legislação atual farão com que alguns setores paguem menos do que atualmente, enquanto outros terão aumento nos valores.
"Atualmente, a não cumulatividade não é plena. Os empresários não podem usufruir de quaisquer créditos. Na prática, as restrições fazem com que as empresas paguem tributo sobre tributo", explica Thadeo Sobocinski Neto, advogado tributarista e sócio do escritório Roveda e Marcelino Sociedade de Advogados.
Se o projeto for aprovado, não haverá mais tantas restrições e regras para a apuração dos créditos, o que deve facilitar a vida dos empresários e do próprio Fisco. "É normal que, quando o regime é todo não cumulativo, você tenha que aumentar a alíquota. Alguns setores vão inevitavelmente pagar mais do que outros. É uma redistribuição do ônus da tributação", explica Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Setores que compram poucos insumos, mas gastam com pessoal, serão os mais afetados
Um dos setores mais afetados deve ser o de serviços, que tem como principal custo os gastos com pessoal. Empresas desse setor, portanto, terão poucos créditos a abater no novo modelo, já que compram poucos insumos. "É um setor que vai sair da alíquota de 3,65% para 12%", diz Luciano Bernart, presidente executivo da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
Por isso, na opinião do advogado Thadeo Sobocinski Neto, a unificação do PIS e da Cofins deveria vir acompanhada da desoneração da folha. Caso contrário, segundo ele, a tendência é de aumento na "pejotização" de funcionários de setores como o de serviços. "Como a folha não dá direito ao desconto de créditos na CBS, a tendência das empresas vai ser contratar em regime de pessoa jurídica e não na CLT, para poder descontar o valor na tributação", alerta.
De acordo com o governo, a desoneração da folha – custeada por um imposto sobre pagamentos, semelhante à CPMF – deve ser incluída nas próximas etapas da reforma proposta pelo Executivo. A promessa é de que o governo envie todos os projetos ao Congresso até o final do ano.
Para desonerar completamente a folha, no entanto, o governo precisaria de um imposto sobre pagamentos com alíquota alta – algo em torno de 1,1%, que pudesse bancar os R$ 320 bilhões anuais arrecadados no regime atual, de acordo com os cálculos de Josué Pellegrini, da IFI. A proposta do Ministério da Economia é de uma alíquota bem menor, entre 0,2% e 0,4%, o que permitiria a desoneração de apenas parte da folha de salários no país.
"Inevitavelmente vai haver reclamação. Por isso a reforma tributária é tão difícil. Mesmo que haja um ajuste, alguns setores vão pagar mais do que outros. Até dá para calibrar essa alíquota de 12%, se ela eventualmente estiver alta demais. O que não dá é para fazer uma alíquota para cada setor", afirma Pellegrini.
Unificação proposta pelo governo traz simplificação e deve diminuir contencioso
Mesmo com as diferenças de impacto entre os setores, uma coisa é certa: a unificação dos dois tributos, se concretizada, trará a simplificação de um sistema considerado caótico. "A legislação que envolve PIS, Pasep e Cofins é muito complicada. Foi se fazendo uma colcha de retalhos, fazendo alterações e incluindo coisas. A situação é tão complexa que é até difícil para o governo fazer a fiscalização", diz Luciano Bernart, da ABDConst.
O resultado do emaranhado de normas é a judicialização. "Há milhares de processos discutindo conceitos e aspectos do PIS e da Cofins", diz Jorge Marcelino, sócio do escritório Roveda e Marcelino Sociedade de Advogados. Com normas mais simples, menos regimes diferenciados e exceções, a tendência é de que haja menos controvérsia na apuração desses tributos.
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