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Entre os diversos setores insatisfeitos com a proposta de regulamentação da reforma tributária que acaba de chegar ao Senado, a indústria farmacêutica quer aproveitar a discussão para acabar de vez com o atual modelo de impostos sobre medicamentos, considerado obsoleto e inadequado.
A principal controvérsia diz respeito aos fármacos que estarão isentos dos novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). De acordo com o substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 aprovado na Câmara dos Deputados, terão direito à alíquota zero dos novos tributos 383 itens constantes de uma lista anexa à legislação.
“Mesmo para ser isento é preciso seguir uma lista, e esse é um grande problema”, diz Sergio Mena Barreto, presidente da Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma). “Caso seja lançada uma nova formulação para uma doença que já tem um remédio na lista, você vai ter um medicamento que é isento, e outro, concorrente, que não é”, explica.
“Só porque um produto é inovador ele não vai ter isenção. Por isso, estamos brigando para acabar com essas listas”, diz o representante da Abrafarma, cujo pleito é apoiado ainda pelo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
Na batalha que enfrenta no contexto da reforma tributária, o setor já obteve algumas conquistas.
Na proposta de regulamentação apresentada pelo Ministério da Fazenda, até mesmo o desconto de 60% na alíquota seria destinado apenas a medicamentos constantes de uma lista, mantendo modelo vigente desde 2000.
Um levantamento feito por um grupo de entidades representativas da indústria farmacêutica mostrou que até mesmo remédios populares – como antigripais, antiácidos, analgésicos, antialérgicos, antitérmicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares – haviam ficado de fora da alíquota reduzida no projeto original do governo.
Houve um trabalho de interlocução na Câmara que resultou na alteração do texto. No relatório aprovado pelos deputados, todos os medicamentos passaram a ter pelo menos a redução de 60% na tributação.
Integraram o grupo de entidades a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa), a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), a Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), o Grupo FarmaBrasil e a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos).
“Acessa, Alanac, Febrafar, Grupo FarmaBrasil e PróGenéricos avaliam que as alterações feitas pelos deputados no PLP 68, que regulamenta a reforma tributária, resultarão em melhora na qualidade de vida da população e em redução de custos para o Estado ao ampliar o regime tributário diferenciado para todos os medicamentos”, afirmou o grupo, em nota. “Toda a população brasileira ganha com medicamentos mais baratos e de maior qualidade.”
Reforma dificulta acesso à saúde ao manter rol de medicamentos isentos, dizem entidades
Para Abrafarma, Interfarma e Sindusfarma, no entanto, a manutenção de um rol taxativo de produtos que serão isentos dificulta a inovação e o acesso à saúde no Brasil.
Hoje, conforme modelo adotado há mais de 20 anos, a tributação sobre medicamentos é baseada em três listas: uma positiva, da qual constam formulações isentas de PIS e Cofins; uma negativa, cujos tributos são recolhidos pela indústria; e uma neutra, em que toda a cadeia tem um crédito de PIS e Cofins na compra e um débito dos impostos na venda.
Para as entidades, o texto deveria prever categorias de remédios isentos e, além disso, permitir modificações sem a necessidade de nova aprovação de projeto de lei complementar.
“O que a gente está defendendo é que não haja lista para os isentos e que o governo federal seja responsável por incluir novos produtos, caso ache necessário”, diz o presidente da Abrafarma.A preocupação é a mesma da Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (Abiis) em relação a dispositivos médicos, que também contam com listas de isenção ou redução de alíquota no PLP 68. “Com a eliminação ou redução das isenções que existem hoje de ICMS, PIS, Cofins, milhares de cirurgias e procedimentos cruciais para a população estarão em risco”, disse o presidente da Abiis, José Márcio Cerqueira Gomes.
Brasil é líder mundial em tributação de medicamentos
Barreto diz que hoje o Brasil é o país que mais tributa medicamentos no mundo. Enquanto a maior parte dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem imposto zero para medicamentos, a alíquota média entre os países que recolhem impostos sobre remédios é de 6%. Já no Brasil, a tributação chega a 33%. “Para cada caixinha de remédio que você compra na farmácia, um terço do preço é imposto”, diz Barreto.
Com a redução de 60% sobre a alíquota padrão do IBS e da CBS, estimada em 26,5%, os medicamentos passarão a ter um imposto total em torno de 10,6%. “Vai continuar sendo uma carga alta e talvez a gente continue sendo o líder de tributação sobre medicamentos. Mas pelo menos terá melhorado alguma coisa”, diz o presidente da Abrafarma.
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Procurado, o Ministério da Fazenda ressaltou que o texto aprovado na Câmara dos Deputados estabeleceu a incidência de alíquota reduzida sobre todos os fármacos, além de alíquota zero “para um amplo conjunto de medicamentos (incluindo todos os medicamentos da Farmácia Popular)”.
Segundo a pasta, “o resultado da aprovação desse texto será uma redução relevante da tributação atual dos medicamentos no Brasil”. “Não é demais lembrar que há alguns anos o próprio setor argumentava que a carga tributária sobre medicamentos no Brasil era de 35%”, diz o ministério.
No mês passado, no entanto, ao comentar a inclusão de mais medicamentos na lista de produtos que terão imposto reduzido em 60% pelo relator do PLP 68 na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a mudança elevaria a alíquota padrão dos futuros IBS e CBS.
“Não podemos inverter a lógica da reforma. A lógica da reforma é manter a carga tributária. Quanto menor o número de exceções, menor a alíquota. Quanto maior o número de exceções, maior a alíquota. Mas a carga tributária não vai se alterar. Em qualquer hipótese, ela é a mesma”, disse Haddad.
Cálculos da Fazenda que vieram a público nos últimos dias indicam que, com o aumento das exceções durante a tramitação na Câmara, a alíquota-padrão pode ficar próxima de 28%, em vez dos 26,5% estimados até então.
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