Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conversa com Domingos Sávio (PL-MG) e com o relator do PLP 68, Reginaldo Lopes (PT-MG), durante a votação do projeto| Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
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A trava incluída no projeto de regulamentação da reforma tributária para impedir que a alíquota dos novos impostos não ultrapasse 26,5% pode ser inócua se mantida da forma como está no texto. Além disso, ao prever a necessidade de revisão nas alíquotas diferenciadas para assegurar o patamar de tributação, o dispositivo cria um ambiente de insegurança para setores que podem ter a desoneração ou isenção revista mais adiante.

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A previsão de um teto para as alíquotas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) foi inserida no projeto de lei complementar (PLP) 68/2024 pelo relator da matéria na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG). A intenção foi abrandar um acirrado debate sobre a possibilidade de a inclusão de carnes na cesta básica elevar as alíquotas dos novos tributos.

O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse, após a aprovação do PLP, que a criação da trava deu “conforto” para acrescentar as proteínas animais ao grupo de produtos isentos. “Colocamos um teto, para que a alíquota mantenha-se sempre com nível estável com previsibilidade para toda população brasileira”, afirmou.

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A Emenda Constitucional 132, que estabeleceu a reforma tributária, prevê um período de transição do atual para o novo modelo de impostos sobre consumo, que vai de 2027 até 2032, com uma fase de testes em 2026.

Pelo substitutivo do deputado, aprovado pelo plenário da Casa, no ano de 2031 será feito um estudo para se estimar as alíquotas de referência que vigorarão a partir de 2033, considerando-se a arrecadação com IBS e CBS entre 2026 e 2030. 

Caso a soma da tributação com os dois impostos ultrapasse os 26,5%, o Executivo terá de encaminhar um projeto de lei complementar ao Congresso, propondo uma revisão das desonerações ou isenções em vigor, de modo a manter a arrecadação e reduzir a alíquota padrão. Novas avaliações serão feitas a cada cinco anos. 

“O Executivo poderá reduzir o desconto de 30% [para profissionais liberais] para 28% ou 25%, por exemplo, ou então excluir alguns itens das listas de imposto reduzido em 30% ou 60%”, explica Alexandre Tortato, sócio do escritório Tortato Advogados e consultor tributário da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep). 

O problema, segundo ele, é que não há uma garantia de que as medidas serão de fato efetivadas. “O que está se dizendo na proposta é que o Executivo tem que mandar um projeto [ao Congresso], mas isso não significa que será aprovado”, diz o tributarista. 

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Para ele, da forma como foi proposto, o dispositivo ainda gera insegurança jurídica. “Se eu sou de uma profissão regulamentada, por exemplo, e tenho essa redução de 30%, ficarei sujeito a uma revisão lá na frente que pode ser que me atinja”, comenta. “Serviços de educação e de saúde também não têm a garantia de que terão essa redução de alíquota [de 60%] mais adiante.”

O advogado considera positiva a ideia de se criar uma trava, mas acredita serem necessários ajustes. “Trabalha-se há muito tempo com essa alíquota de 26,5%, mas, na prática, a gente sabe que isso pode mudar a qualquer momento. Então é muito bom que haja uma previsão de um teto de alíquota, porém o mecanismo utilizado para fazê-lo talvez não seja o ideal”, diz.

Bernard Appy defende ajustes na trava criada pela Câmara na aprovação de Reforma Tributária

O secretário especial para a Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, diz que a proposta de trava para a alíquota padrão não tem garantias de que vá funcionar. Na terça-feira (16), ao comentar o dispositivo, o economista disse que o governo deve sugerir a senadores mudanças na proposta aprovada pela Câmara dos Deputados.

A ideia é incluir no texto quais mecanismos serão acionados para limitar a alíquota em 26,5%, especificando se haverá mudanças na cesta básica, retirada de setores da lista de exceções e regimes especiais, ou corte linear nas reduções em vigor. Com isso, não seria necessário que o Executivo, Congresso e o setor produtivo negociassem um novo projeto de lei em 2031. 

“Em vez de colocar a obrigação para o Executivo de enviar um projeto, poderíamos já definir agora quais as mudanças que seriam feitas caso houvesse um aumento da alíquota de referência”, disse Appy ao jornal “O Globo”.

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“Você pode rever os regimes específicos de tributação, combustíveis, serviços financeiros, imóveis, bares, restaurantes”, exemplificou. “Com isso, você teria uma segurança de que a trava vai funcionar”. 

Segundo o secretário, a ideia será levada ao senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator do projeto no Senado, e aos demais parlamentares da Casa. “Você poderia rever o que está na cesta básica, teria a possibilidade de rediscutir o que está lá. O que não pode ser revisto é o redutor para zero. Mas foi positivo colocar o tema em discussão”, comentou.

O deputado Reginaldo Lopes defende o dispositivo, mas também admite seu aperfeiçoamento na discussão do projeto no Senado. “A opção de fazer a trava no projeto de lei complementar é que não pode ocorrer a retirada dessa trava por medida provisória. Agora, nós podemos também debater com o senador Eduardo Braga, junto com o Ministério da Fazenda, e aperfeiçoar a trava. Não há dificuldade alguma”, disse, em entrevista ao “Valor Econômico”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]