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O ano de 2020 começou com uma escalada de incertezas sobre os efeitos econômicos que estariam reservados para as relações comerciais do Brasil com a China. Maior parceiro comercial do país e principal comprador das exportações brasileiras, os chineses já entraram janeiro com preocupações crescentes sobre o surto de um novo tipo de coronavírus, que meses mais tarde seria classificado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A província de Hubei se tornou o epicentro de uma epidemia que deixou cidades chinesas em confinamento com o fechamento total de indústrias e comércio para evitar a propagação da Covid-19. A quarentena só foi relaxada em abril e essa paralisação da atividade econômica levantou o temor de que a China pudesse frear suas compras, com risco potencial para o Brasil, que manda para lá quase 30% de suas exportações.
O receio, entretanto, não se confirmou. De janeiro a setembro, o Brasil exportou US$ 53,3 bilhões para a China, US$ 6,5 bilhões a mais do que no mesmo período de 2019. Outro dado positivo para o país é a chamada corrente comercial, o total de operações somadas exportações e importações.
A corrente de comércio bilateral chegou a US$ 78 bilhões nos primeiros nove meses deste ano, um incremento de mais de US$ 4,5 bilhões – ou 6,2% – sobre o número de 2019 (quando a soma de exportações e importações entre Brasil e China foi de US$ 73,4 bilhões).
Em comparação, o comércio exterior mantido pelo Brasil com os Estados Unidos, segundo maior comprador do país, teve ano de queda expressiva. Entre janeiro e setembro, o país exportou US$ 15,1 bilhões e importou US$ 18,2 bilhões, perfazendo um total de US$ 33,4 bilhões na corrente comercial. Esses números demonstram US$ 11,2 bilhões a menos no somatório de operações, um tombo de 25% ante os US$ 44,6 bilhões do período anterior (em que o Brasil mandou US$ 22,1 bilhões em exportações para os EUA e comprou US$ 22,5 bilhões em importados) e a pior marca para o comércio entre as duas nações desde a crise econômica de 2009, conforme destacou a Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil) em seu relatório Monitor do Comércio Bilateral Brasil – Estados Unidos.
Ainda em comparação, as exportações do Brasil para os EUA caíram 31,5% nos primeiros nove meses de 2020. A forte redução foi causada pela "combinação dos graves efeitos da crise econômica causada pela pandemia, a queda do preço internacional do petróleo e de restrições comerciais em setores específicos, como o siderúrgico", aponta o documento da Amcham.
Enquanto isso, os embarques brasileiros para a China avançaram 14%, favorecidos pela variação dos preços das commodities agrícolas e minerais (alavancados por temores de disrupção na cadeia produtiva) e reforçando a relativa dependência brasileira para com a China (e vice versa).
Na avaliação de Welter Barral, estrategista do banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior, o principal desafio do Brasil em suas relações comerciais é retomar embarques para parceiros que perderam fôlego nos meses recentes. "A China já representa 30% das exportações brasileiras, e as exportações brasileiras somente cresceram, em 2020, para a Ásia. Houve queda acentuada das exportações para América Latina, Europa e Estados Unidos. O desafio é retomar as exportações para estes destinos, inclusive porque contém mais produtos manufaturados, enquanto as exportações para a Ásia são compostas fundamentalmente por produtos básicos. Para isto, o Brasil deverá criar mais incentivos às exportações e à competitividade da produção no país", avalia.
O que esperar das relações comerciais com a China?
Além de ser impactado pela pandemia, pelos riscos de uma segunda onda de casos e a expectativa pelo desenvolvimento de uma vacina viável contra a Covid-19, o futuro do cenário que é desenhado pelos números do comércio exterior brasileiro depende também das tensões entre Estados Unidos e China e do resultado das eleições norte-americanas.
O especialista em Relações Internacionais Thiago de Aragão destaca que a dependência do Brasil em relação à China pode, sim, ter aumentado, uma vez que "com a depressão econômica no mundo, a importância das exportações aumenta consideravelmente. Agora, a curto prazo não acredito que vamos ter algumas variações maiores, a não ser que o Brasil comece a tomar atitudes mais pesadas e concretas em relação à China – como o banimento da Huawei – e que isso leve a pequenas demonstrações de retaliação por parte da China em relação ao Brasil", avalia.
Aragão pontua ainda que, a médio prazo, o Brasil pode ser afetado por decisões do Conselho Consultivo do Partido Chinês, que, entre outros pontos, está avaliando o financiamento em áreas férteis do país para começar um amplo programa agrícola. "Não que esse programa conseguiria substituir as importações do Brasil, mas poderia diminuir a dependência do lado chinês e isso naturalmente afetaria o volume de exportações do Brasil para a China", diz.
E como fica o comércio com os EUA?
Nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, Aragão não vê riscos, mesmo em caso de vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais. "Até porque as relações entre Brasil e EUA são muito mais profundas do que os presidentes imaginam ou até saibam. O que gere as relações entre o Brasil e os EUA são as burocracias. Mesmo o Trump querendo um acordo de livre comércio com o Brasil, o USTR [o representante comercial dos EUA] não quis e isso não avançou", relembra.
"Não vejo o Brasil como prioridade para os EUA se Joe Biden ganhar, então a relação dos dois países vai depender muito mais dos primeiros gestos de Jair Bolsonaro em relação ao Biden, porque ele não deve tomar uma relação imediata, um posicionamento imediato em relação ao Brasil", avalia Aragão. Entretanto, destaca que pode haver manifestações que provoquem reação. "Biden é mais de partido do que o Trump, então se os democratas fizerem mais moções, análises, repúdios contra o Brasil, por exemplo na questão ambiental, a tendência é que Biden endosse isso e pode fazer algum pronunciamento público que irrite o Brasil. Então, a forma como o Brasil responde vai ditar muito dessa relação", acredita.
Nesse sentido, o CEO da consultoria Inovasia Felipe Zmoginski acredita que o Brasil pode vir a fazer ajustes na sua política externa. "A chance de vitória do Biden, a eleição de esquerda, o cenário pode pressionar o Brasil. Ou vai ficar numa posição muito isolada, ou o que eu acho mais provável é – a partir do ano que vem – você ter uma nova postura brasileira, com a saída dessa parte mais ideológica, menos pragmática".
Na contramão, se o resultado for uma reeleição de Donald Trump, o professor Francisco Américo Cassano, pesquisador em Relações e Negócios Internacionais na Universidade Presbiteriana Mackenzie, espera uma intensificação das relações do Brasil com os EUA. "No entanto, como a China é forte importadora de alimentos do Brasil e não há alternativas de substituição imediata, as ações de Trump não deverão provocar reações mais intensas por parte da China com o Brasil".