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Relator do arcabouço fiscal abre brechas para governo gastar acima do teto já em 2024

O relator do projeto de novo arcabouço fiscal na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA). (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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Em seu parecer sobre proposta de novo arcabouço fiscal, o deputado Claudio Cajado (PP-BA) introduziu mudanças que, caso aprovadas, permitirão ao governo elevar os gastos públicos em 2024 acima dos parâmetros estabelecidos pelo próprio Ministério da Fazenda no projeto original. O texto teve aprovado nesta quarta-feira (17) regime de urgência para tramitação e deve ser votado na próxima semana.

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Pela proposta original encaminhada pelo governo ao Congresso, as despesas poderiam crescer anualmente até o equivalente a 70% da elevação de receitas, porém respeitando limite máximo de 2,5% de aumento real. Em caso de baixo crescimento ou queda na arrecadação, haveria um piso de 0,6% de crescimento das despesas acima da inflação.O substitutivo de Cajado, no entanto, abriu uma exceção para o próximo ano, fixando a alta de gastos no teto, ou seja, em 2,5%, independentemente da evolução na arrecadação. Como a premissa do novo arcabouço é estipular o limite anual de despesas sobre o realizado no ano anterior, apenas esse dispositivo já pode ter o efeito de ampliar a base de cálculo para todos os exercícios seguintes.

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Mas o relatório trouxe ainda outras alterações que dão margem a gastos adicionais pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A proposta do relator criou, por exemplo, a possibilidade de que pagamentos e movimentações financeiras superem o limite de gastos quando as estimativas de receita e despesa durante o exercício indicarem que não haverá comprometimento da meta de resultado primário.

Considerando a banda de tolerância de até 0,25 ponto porcentual do PIB na meta de resultado primário, isso significa que se a arrecadação ao longo do ano estiver acima do projetado, o governo poderá gastar mais até o limite de 0,25 pp do PIB acima da meta.

“A novidade acaba por enfraquecer o limite de despesas, que pode ser acrescido todo ano em até 0,25 pp do PIB. Em tempos de expansão econômica, isso também gera um efeito pró-cíclico da regra”, diz Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos.A meta para o ano de 2024 é de resultado primário neutro. Conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem, encaminhado pelo governo ao Congresso em abril, isso significa que o governo estaria cumprindo o objetivo fiscal mesmo caso tenha déficit de até R$ 28,8 bilhões.Em outra modificação à proposta original, foram retiradas da lista de exceções à nova regra as despesas com o Fundo de Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O relator, no entanto, criou um dispositivo que estabelece que o crescimento dos valores destinados ao fundo será somado ao limite de gastos.Ou seja, quando as complementações da União ao Fundeb subirem, o teto anual de gastos acompanhará o crescimento na mesma medida, o que resulta, na prática, no mesmo efeito da retirada da despesa do teto.

A proposta do relator alterou ainda a base de referência para o cálculo da inflação que baseia o limite de crescimento gastos. Para a projeção das regras para o ano seguinte, em vez de considerar a inflação de janeiro a dezembro do ano corrente, como no projeto original, o substitutivo passou a levar em conta o período entre julho do ano anterior e junho do ano corrente.

Como o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) é discutido no segundo semestre do ano anterior à execução, o objetivo foi eliminar o risco de divergência entre o IPCA projetado e o realizado até o fim do ano.

Conforme o substitutivo, a diferença entre o IPCA realizado no fim do ano e o utilizado no PLOA, caso seja positiva, poderá ser utilizada para suplementação de despesas nos anos seguintes. Ocorrendo o cenário em 2024, o saldo positivo poderá ser incorporado à base de cálculo para 2025.

“Como é muito provável que a inflação do fim deste ano fique acima do acumulado nos 12 meses até junho (nossas projeções apontam 3,9% para os 12 meses até junho e 6,2% ao fim do ano), o efeito disso será uma base de despesas mais inflada para 2025”, diz Sbardelotto.

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O substitutivo do relator foi apresentado na noite de segunda-feira (15) após reunião entre lideranças partidárias da Câmara dos Deputados realizada na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) e da qual participou ainda o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Em sua versão, Cajado manteve o presidente da República livre de imputação de crime de responsabilidade em caso de descumprimento da meta fiscal, diferentemente do que ocorre hoje com a regra do teto de gastos.

Porém, diante de críticas de que o projeto original seria muito “frouxo” em relação à necessidade de observância às metas, o relator introduziu gatilhos para ajuste das despesas, como a proibição de novos concursos públicos, reajustes de servidores e criação ou ampliação de auxílios ou benefícios tributários.

Na quarta-feira, com a presença de 470 deputados, o projeto teve regime de urgência aprovado por 367 votos a favor e 102 contrários, além de uma abstenção. A medida teve apoio de PT, PC do B, PV, União Brasil, PP, PSDB, Cidadania, MDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC. Orientaram contra os partidos Novo e PL e a federação PSOL/Rede.

Para Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, o substitutivo apresentado por Cajado trouxe mudanças positivas e negativas. “Por um lado, adicionou mecanismos de ajuste, em caso de descumprimento da meta, e retomou os contingenciamentos, que serão acionados por relatórios bimestrais, além de excluir capitalização das estatais e piso da enfermagem das despesas isentas do teto”, ponderou, em relatório para investidores.

“Por outro lado, as despesas de 2024 serão ampliadas em 2,5%, independente do crescimento da receita, além de permitir que o gasto fique até 0,25% do PIB acima do limite, caso projeções de receitas e despesas mostrem que a meta não será comprometida”, complementou.As alterações que permitem elevar os gastos no próximo ano também foram destacadas por analistas do Bradesco. “Em geral, as mudanças apresentadas trouxeram algum reforço para o cumprimento das regras, porém com certa flexibilização para o crescimento das despesas no curto prazo”, diz documento do banco. “Um ponto de atenção foi a fixação do percentual de 2,5% para o crescimento real da despesa em 2024, limite superior da regra de gasto.”

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