Ouça este conteúdo
O governo apresentou nesta segunda-feira (28) o programa Renda Cidadã, reformulação do Bolsa Família (e substituto do planejado e sepultado Renda Brasil), que será o marco social da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Para viabilizar o novo programa, foi proposto um rearranjo orçamentário incluído na PEC Emergencial, que está tramitando no Senado.
O senador Márcio Bittar (MDB-AC) explicou que os recursos para esse novo programa virão de duas fontes: precatórios e Fundeb. Desse modo, o teto de gastos não será afetado. Bittar explicou que o Renda Cidadã deve atingir, além do público do Bolsa Família, mais 10 milhões de brasileiros, que atualmente recebem o auxílio emergencial e não terão como sobreviver sem ajuda do governo.
Os precatórios são valores devidos a pessoas físicas ou jurídicas após sentença definitiva na Justiça. A proposta é usar o limite de 2% das receitas correntes líquidas para pagar os precatórios. Dentro deste valor, o que sobrar do pagamento dos precatórios será usado para patrocinar o novo programa. Para 2021, o orçamento prevê R$ 55 bilhões para esse pagamento, mas o governo estuda limitar o montante a ser desembolsado a cada ano.
Além disso, até 5% dos recursos do novo Fundeb serão destinados para complementar a renda de famílias com filhos na escola.
Segundo Bittar, todas essas mudanças serão apresentadas da PEC Emergencial, mas também poderão aparecer na revisão do Pacto Federativo. O senador relata as duas matérias, além de ser o responsável pelo relatório da proposta de orçamento de 2021.
Criação do Renda Cidadã foi definida nesta segunda
O martelo para a criação do Renda Cidadã foi batido em reunião entre governo e líderes parlamentares na manhã desta segunda-feira (28). Após o encontro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ressaltou que o governo trabalha para recuperar o emprego no país e, seguindo orientações do ministro Paulo Guedes, buscando um retorno à normalidade, com responsabilidade fiscal e respeitando a lei do teto de gastos.
"Nós queremos demonstrar à sociedade e ao investidor que o Brasil é um país confiável", declarou o presidente. O Renda Cidadã foi pensado para respeitar esses princípios.
O líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), destacou que essa foi a solução encontrada para respeitar o teto de gastos e atender todos os brasileiros que recebem auxílio emergencial – e que não terão mais os recursos a partir de janeiro.
O ministro Paulo Guedes destacou que o Renda Cidadã já constava no programa de governo do presidente Bolsonaro e que a pandemia expôs os problemas de renda e desigualdade do país – e esse é o timing político para apresentá-la. Guedes lembra que o novo programa vai abarcar quem está recebendo o auxílio emergencial, mas que esses milhões de invisíveis receberão mais atenção do governo, principalmente em ações que visem o fomento de novas oportunidades de trabalho.
Nesse sentido, o ministro destacou que o governo terá de pensar em Carteira Verde e Amarela (programa pensado para impulsionar a contratação de jovens) e desoneração da folha de pagamento, com objetivo de reduzir o custo do trabalho. "O Brasil é um país que precisa criar emprego em massa. Do ponto de vista político, continuamos estudando esse capítulo, particularmente, na reforma tributária", afirmou.
Pelo desenho divulgado anteriormente, o programa teria uma verba adicional de R$ 25 bilhões em relação ao Bolsa Família, cuja proposta de orçamento para 2021 é de R$ 34,9 bilhões. Apesar desse aporte extra, o benefício médio não crescerá muito – deve ficar entre R$ 200 e R$ 300 no primeiro ano. A expectativa é de ampliar o alcance do programa – hoje, o Bolsa atende a 14,2 milhões de famílias.
O Renda Cidadã já vinha sendo discutido entre o Executivo e as principais lideranças partidárias nas últimas semanas, mas não havia acordo para o anúncio. Os parlamentares pressionavam pela apresentação de qualquer proposta, que permitisse a retomada da discussão do tema.
Renda Cidadã é alternativa ao Renda Brasil
O anúncio do Renda Cidadã veio em momento oportuno. Apesar de a agenda social nunca ter sido uma prioridade para a gestão Bolsonaro, o presidente vinha há tempos pressionando a equipe a criar ou remodelar programas para formar um novo que tivesse a cara do governo.
Isso se tornou uma prioridade para o governo após as boas avaliações do auxílio emergencial, benefício de R$ 600 pago aos informais e vulneráveis durante a crise do coronavírus. O sucesso dessa ação foi tanto que após sucessivas prorrogações, a ajuda – que expôs milhões de invisíveis, como ressaltou em mais de uma ocasião o ministro da Economia, Paulo Guedes – será mantida até o final do ano, com mais quatro parcelas de R$ 300.
O carro-chefe, inicialmente, seria o Renda Brasil, mas o próprio Bolsonaro sepultou o programa. Para ser viável, o Renda Brasil exigiria a fusão de outras ações e medidas severas, como o congelamento de aposentadorias e pensões. Isso desagradou muito Bolsonaro, que declarou reiteradamente que "não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos".
Além disso, indefinições em relação ao valor médio a ser pago no novo programa de transferência de renda atrasaram esse anúncio. Inicialmente, segundo noticiou o jornal O Estado de S.Paulo, a proposta teria um benefício médio de R$ 247, o que desagradou o presidente Bolsonaro, que esperava um valor superior a R$ 300.
A preocupação da equipe econômica, comandada por Paulo Guedes, era obter uma bolsa mensal superior ao que era desembolsado pelo Bolsa Família (em torno de R$ 190), mas que não comprometesse o equilíbrio das contas públicas, já que não há margem fiscal para expansão de gastos.
Revisão de programas estava no radar da equipe econômica
A discussão para a ampliação do Bolsa Família e transformação em Renda Brasil sempre passou pela revisão de programas que eram considerados ineficientes pela equipe econômica. E isso passou a incomodar muito o presidente Jair Bolsonaro, que encerrou as discussões sobre o programa.
Inicialmente, os principais “alvos” da equipe econômica eram o abono salarial, o seguro-defeso, o Farmácia Popular e o salário-família, que seriam fundidos ao Bolsa Família para viabilizar o novo programa.
Reportagem da Gazeta do Povo já havia mostrado que a unificação apenas do Bolsa, abono e seguro-defeso renderia um valor anual em torno de R$ 50 bilhões, com base no orçamento de 2019, que contava com verbas extraordinárias para esses programas.
Esse valor, embora superior ao orçamento do Bolsa Família, poderia ser insuficiente a depender da quantidade de beneficiários que fossem integrados ao novo programa. Além da questão orçamentária, também há um forte componente político na questão: o programa precisa passar pelo crivo do Congresso.
Bolsa Família era marco da gestão petista
O Bolsa Família também nasceu da junção de outras políticas públicas já existentes. Criado em 2003, no primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a programa unificou políticas criadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB): bolsa escola, bolsa alimentação, auxílio-gás e o programa nacional de acesso à alimentação. O objetivo principal era de atender famílias em condição de pobreza e extrema pobreza.
Modificado ao longo dos anos, o último desenho do Bolsa Família continha o pagamento de um benefício básico, de R$ 89. e outros variáveis, de acordo com número de filhos e mulheres gestantes e lactantes, por exemplo. Além disso, havia um benefício calculado individualmente, voltado especificamente para as famílias mais vulneráveis.
Ainda que alvo de críticas, o Bolsa Família tem méritos que o tornaram referência mundial em termos de ações de transferência de renda. O programa é bem focalizado e, por isso, custa pouco (cerca de 0,5% do PIB). Isso faz com que ele acabe trazendo um retorno maior para a economia na comparação com outras medidas de assistência social, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e até mesmo que a Previdência.
O programa, mesmo com falhas e denúncias de fraude, trouxe resultados concretos. Uma análise feita pelo Ipea sobre os 15 anos do Bolsa Família mostrou que houve redução de 25% da extrema pobreza em 25% e de 15% da pobreza nesse período.
A repaginação para o Renda Brasil não foi a primeira alteração feita pelo governo Bolsonaro na área. No ano passado, a gestão pagou um 13.º benefício às famílias. Além disso, enquanto o Ministério da Cidadania esteve sob comando de Osmar Terra, havia um entendimento de que o principal objetivo do programa, que seria complementação de renda, estava desvirtuado.
Na época, a pasta informou que “devido às frequentes mudanças no cenário econômico, o programa necessita passar por um redirecionamento”. Técnicos do ministério vinham se debruçando “em estudos para aperfeiçoar a gestão do programa e os processos de inclusão, exclusão e manutenção de famílias na folha de pagamento, com o objetivo de beneficiar os que realmente precisam”.
Para 2020, o programa encolheria e não havia garantia de pagamento de benefício extra. Mas, a pandemia mudou tudo e a implantação do auxílio emergencial, que produziu efeitos muito positivos na economia, acabou impulsionando a reformulação do programa.
Para 2021, o governo já previa uma ampliação do programa, com orçamento de R$ 34,8 bilhões e atendimento de 15,2 milhões de famílias.
VEJA TAMBÉM: