A nova obsessão do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é reformular o Bolsa Família. Após sepultar a ideia do Renda Brasil, por discordar das sugestões de financiamento da ação – passaria pelo fim do abono salarial e seguro defeso e poderia envolver até congelamento de aposentadorias e BPC –, o capitão deu aval a nova iniciativa. A sugestão do Renda Cidadã é usar recursos dos precatórios e Fundeb para ampliar o alcance da transferência de renda.
A reação à nova proposta não foi boa. Inúmeros analistas de contas públicas entenderam as fontes de financiamento como uma maneira de driblar o teto de gastos – o compromisso com a responsabilidade fiscal vem sendo reiterado pelo presidente, mas as sugestões apresentadas acabam contrariando o discurso. O mercado financeiro não gostou da proposta: a bolsa caiu, o dólar subiu e os juros futuros dispararam.
Nem mesmo o meio político recebeu bem a medida. Embora o Renda Cidadã tenha sido divulgado após uma reunião entre presidente, ministros e líderes parlamentares, há uma leitura de que será difícil levar a proposta adiante. Alguns deputados e senadores já se manifestaram publicamente contra mexer no Fundeb, por exemplo. Entidades da sociedade civil e a OAB também já indicaram contrariedade em relação ao projeto.
Bolsonaro se defendeu: disse que não há nenhuma intenção eleitoreira de sua parte na divulgação do Renda Cidadã. Mas, nos bastidores, se acumulam os relatos de que o presidente reuniu a equipe novamente para rediscutir o modelo do programa. De acordo com o blog do Valdo Cruz, no G1, assessores do presidente entendem que houve uma falha na estratégia de divulgação do programa, ao priorizar detalhes do financiamento em detrimento dos gatilhos de ajuste fiscal que serão propostos na mesma PEC.
Inclusive, uma reunião está sendo realizada nesta terça-feira (29) para avaliar a repercussão da proposta e quais alternativas são possíveis para emplacar o Renda Cidadã. Inicialmente, foi aventada uma apresentação formal da proposta para esta terça, mas a reação à proposta deixou essa data indefinida.
Veja o que já se sabe até agora sobre o Renda Cidadã
Ampliação do Bolsa Família
O principal objetivo do Renda Cidadã seria de ampliar os beneficiários do Bolsa Família, para acomodar pessoas que atualmente recebem o auxílio emergencial do governo – pagamento de R$ 600 e agora R$ 300 a trabalhadores informais população vulnerável durante a pandemia – e que ficarão desassistidas a partir de janeiro de 2021.
O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta, sinalizou que o novo programa atenderia a mais 10 milhões de pessoas. Atualmente, o Bolsa Família atende a 14,2 milhões de famílias e a projeção feita pelo governo na proposta de orçamento para 2021 é de que esse número chegue a 15,2 milhões no próximo ano.
Num primeiro momento, Bittar não comentou sobre mudanças nas condicionalidades do programa. Hoje, o Bolsa Família é pago para famílias com renda per capita mensal de até R$ 178 reais e há um benefício calculado individualmente para as consideradas extremamente pobres (com renda per capita mensal inferior a R$ 89). Além disso, são pagos adicionais para quem tem filhos em idade escolar (com contrapartida de desempenho e vacinação em dia) e para mulheres gestantes ou lactantes.
Em entrevista à GloboNews nesta terça-feira (29), Bittar disse que o objetivo da proposta é fazer com que, ao longo do tempo, menos brasileiros dependam do benefício por meio da modernização do Bolsa Família. O senador disse que o Renda Cidadã vai criar uma série de “gatilhos” que incentivarão o beneficiário a buscar um emprego com carteira assinada. “Hoje, quem tem o Bolsa Família tem medo de sair do programa”, disse.
Valor médio do benefício ficaria entre R$ 200 e R$ 300
A questão do valor médio do novo Bolsa Família é muito importante para Bolsonaro. O presidente exige que o novo benefício fique próximo dos R$ 300. Esse já era um pré-requisito do Renda Brasil e parece seguir o mesmo caminho no Renda Cidadã. Atualmente, o Bolsa Família paga um auxílio mensal médio de R$ 190, valor que seria mantido seguindo as projeções do orçamento para 2021 feitas pelo próprio governo. O senador Márcio Bittar afirmou, na mesma entrevista à GloboNews, que isso ainda não está definido, mas que o Renda Cidadã deverá pagar um valor médio acima de R$ 200 e abaixo de R$ 300, pelo menos no primeiro ano.
Financiamento do Renda Cidadã
O grande entrave do governo para reformular o Bolsa Família é encontrar uma opção viável de financiamento para o novo programa, que não seja uma ameaça ao teto de gastos. Para 2021, o Bolsa Família terá verba de R$ 34,9 bilhões, de acordo com proposta do orçamento do governo. Esse valor mantém a média história de desembolso de 0,5% do PIB com a ação e o valor médio de benefício no mesmo patamar. Para avançar, é preciso encontrar novas fontes de recursos para o programa.
Bolsonaro não aceitou mexer em benefícios que já existem, para uma fusão e ampliação do Bolsa Família. A equipe econômica sempre mirou em ações consideradas ineficientes – abono salarial, seguro defeso, farmácia popular, salário educação – e depois partiu para uma proposta mais ousada de ampla desindexação do orçamento, o que permitiria congelar reajustes de aposentadoria e outros benefícios.
Na apresentação de segunda-feira (28), o senador Márcio Bittar explicou que os recursos para o Renda Cidadã virão de duas fontes: precatórios e Fundeb.
Os precatórios são valores devidos a pessoas físicas ou jurídicas após sentença definitiva na Justiça. A proposta é usar o limite de 2% das receitas correntes líquidas (RCL) para pagar os precatórios. Dentro deste valor, o que sobrar do pagamento dos precatórios será usado para patrocinar o novo programa. Para 2021, o orçamento prevê R$ 55 bilhões para esse pagamento, mas o governo estuda limitar o montante a ser desembolsado a cada ano.
Se mantiver o limite de 2% sobre a RCL, que é estimada em 804,5 bilhões para 2021, isso significa que apesar de ter reservado R$ 55 bilhões para os precatórios, o governo só pagaria de fato R$ 16,1 bilhões. O excedente, de R$ 39,4 bilhões, é que seria usado para financiar o Renda Cidadã.
Além disso, até 5% dos recursos do novo Fundeb serão destinados para complementar a renda de famílias com filhos na escola. O Todos pela Educação lembra que a União faz uma complementação em relação ao que é arrecadado pelos estados, e pelas novas regras esse percentual passará dos atuais 10% para 23% até 2026. Em valores atuais, isso significa passar dos atuais R$ 15,8 bilhões para R$ 36,3 bilhões.
Para 2021, o projeto de orçamento do governo federal reservou R$ 19,6 bilhões para repasses ao Fundeb. Se for usar 5% para o Renda Cidadã, isso significa dispor de mais R$ 980 milhões para o novo programa.
Nesta terça, o senador classificou como “menos danosa” a nova ideia sobre como financiar a perpetuação do auxílio emergencial, criado para apoiar brasileiros sem renda durante a pandemia e que induziu aumento da popularidade de Bolsonaro, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
“Chegamos a uma conta do possível e do menos danoso. O presidente colocou baliza de que não iria tirar do pobre para dar ao miserável. Então, vamos chegando naquilo, retirar recursos dos precatórios e também do Fundeb, que é possível. A reação foi extremamente positiva entre os líderes no Congresso. A resposta positiva foi praticamente unanimidade”, disse Bittar à GloboNews.
*Com informações do Estadão Conteúdo
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