A combinação de aumento na taxa básica de juros – que chegou a 6,25% na quarta-feira (22) – com as incertezas na política e na economia está fazendo com que a renda fixa volte a ganhar espaço no portfólio dos investidores.
“Com juros beirando os 8% a 9%, aplicações de maior risco são deixadas de lado. Não dá para fechar os olhos para esse cenário. A renda fixa voltou a ser atraente e as ações perdem espaço por causa da maior instabilidade”, diz Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos.
Uma pesquisa feita pela XP no fim de agosto ilustra bem esse cenário. Assessores e clientes da instituição veem menos espaço para a valorização da Bolsa. Houve uma queda no número de clientes que pretendem aumentar sua exposição em renda variável e um aumento nos que pretendem diminuí-la. As classes de ativos que mais estão despertando interesse são investimentos internacionais, Tesouro Direto e Renda Fixa, fundos de renda fixa e fundos imobiliários.
Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), a indústria de fundos de investimento teve uma captação líquida de R$ 38 bilhões em agosto, atingindo R$ 350,3 bilhões no ano. O destaque são fundos mais conservadores que aplicaram boa parte dos recursos em ativos atrelados ao DI ou Selic diária. A associação aponta que estes resultados refletem a combinação do ciclo de elevação da taxa de juros com a maior aversão ao risco de parte significativa dos investidores.
O estrategista-chefe da Ativa Investimentos, Luís Fernando Carvalho, aponta que o cenário para o momento é de não perder dinheiro. “O caminho é formado por investimentos resilientes, que não tenham juro real negativo”, aponta Carvalho. “Não é hora de se manter alavancado”, complementa.
Captações em alta na renda fixa
Um dos reflexos desse maior interesse pela renda fixa é o maior crescimento em relação às operações de renda variável. As captações, segundo a Anbima, atingiram R$ 220,7 bilhões nos oito primeiros meses do ano. É um crescimento de 75,3% comparativamente a igual período de 2020, um período mais afetado pela pandemia da Covid-19.
Enquanto isso, as operações de IPOs e follow-ons, que compõem a renda variável, totalizaram R$ 103,3 bilhões entre janeiro e agosto, 66,2% a mais do que nos mesmos meses do ano passado.
No mês passado, mais de dois terços dos recursos captados foram com instrumentos de renda fixa. Dos R$ 50,6 bilhões emitidos, R$ 34,1 bilhões foi por esse meio. O montante só é superado por maio. E o principal destaque foram as debêntures (títulos de dívida privada), que responderam por 40% do volume do período.
“O bom desempenho das debêntures está relacionado à maior atratividade que estes papéis ganharam com o ciclo de alta nos juros”, diz José Eduardo Laloni, vice-presidente da Anbima.
Instabilidade ajuda a aumentar risco
Fatores como brigas políticas, incertezas em relação ao Orçamento de 2022 e o aumento da inflação – que no acumulado de 12 meses atingiu 9,68% ao fim de agosto e 10,05% em meados de setembro – se refletem em aumento no risco-país. O indicador, medido pelo CDS de cinco anos, subiu 36,5% desde o início do ano.
“A inflação também está surpreendendo”, diz Carvalho. As expectativas sobem há 24 semanas, segundo o relatório Focus, do Banco Central. O ponto médio das projeções para a alta nos preços em 2021 está em 8,35% e para 2022, em 4,30%.
E novos componentes de instabilidade vem pela frente. Segundo o estrategista-chefe da Ativa Investimentos, o ano que vem promete ser de volatilidade, por causa do processo eleitoral.
Esse cenário, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, contribui para afastar os investidores estrangeiros da Bolsa. Eles responderam, no ano, por 35,4% dos recursos investidos nela, aponta a Anbima.
Outro aspecto que contribuiu para esse cenário foi o avanço abaixo do esperado nas reformas estruturantes. A tributária e a administrativa estão em tramitação no Congresso e a expectativa é de que, se não forem aprovadas ainda neste ano, pouco caminhem em 2022, por causa da campanha eleitoral.
No início do ano as expectativas em relação às reformas bem grandes. Esperava-se que o Ibovespa – principal indicador da B3, a bolsa brasileira – chegasse à casa dos 170 mil pontos ao fim do ano, diz Franchini. Mas ele está distante dessa marca: na quinta-feira (23), fechou pouco acima de 114 mil pontos.
Empresas destoam da bolsa
O cenário pouco favorável para as ações coincide com um momento em que as empresas estão mostrando bons resultados.
Dados da consultoria Economatica mostram que as receitas das companhias listadas cresceram 47,3% em comparação a igual período do ano passado. E o lucro líquido teve uma expansão de mais de 11 vezes. Além disso, 71% das empresas acompanhadas pela XP Investimentos tiveram uma geração de caixa (Ebidta) em linha ou acima das expectativas.
Segundo o banco Inter, terminada a temporada de balanços do segundo trimestre de 2021, confirmaram-se as expectativas quanto aos resultados das companhias, refletidos em evolução das receitas e recuperação de margens.
Mas o cenário para o segundo semestre está se mostrando mais complicado. “As empresas estão mostrando bons resultados, mas as incertezas políticas e econômicas impactam na percepção de estabilidade. Isto não favorece os investimentos no Brasil, justo em um momento de recuperação da economia mundial”, aponta Carvalho, da Ativa Investimentos.
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