Financiamentos de imóveis e veículos têm sido afetados pela queda nas vendas e a falta de apetite do consumidor em se arriscar com novas dívidas. O número de contratos de veículos financiados no país registrou queda de 11% no primeiro semestre de 2015, comparado ao mesmo período do ano passado, conforme levantamento da Cetip, empresa integradora do mercado financeiro que concentra os dados das financiadoras no Brasil. Entre os veículos novos, a redução é ainda mais expressiva: 19%.
No mercado imobiliário, o comportamento do consumidor é semelhante: os contratos caíram 22% na comparação do mesmo período, de acordo com dados da Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
INFOGRÁFICO: acompanhe o número de financiamentos fechados nos últimos anos
Mas há outra ponta da cadeia que também revela o efeito perverso da recessão. A inadimplência da clientela está forçando a renegociação de contratos, sob pena de perda do bem. Dados da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp) mostram que 334 unidades financiadas foram retomadas na capital paulista em 2015, equivalente a 64% do total recuperado pelos credores no ano passado. Em 2014, 517 imóveis voltaram aos financiadores, o maior número desde 2004.
“A situação demonstra o fim de uma tolerância comum no mercado em relação ao inadimplente. O banco não quer o bem de volta, ele quer que a dívida seja paga”, diz o presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação, Lúcio Delfino.
Mudanças nas regras do financiamento imobiliário aplicadas desde 2000 facilitaram a retomada do bem. A alienação fiduciária, criada em meados de 1997, permite o resgate do imóvel a partir da primeira prestação em atraso. Em geral, os contratos preveem a ação a partir da terceira parcela não paga. “O processo de execução custa caro ao credor, e historicamente, os bancos tinham maior flexibilidade com inadimplentes, especialmente em relação aos financiamentos subsidiados”, explica Delfino.
Crédito
A busca do consumidor por crédito no país caiu 9,2% no acumulado de janeiro a agosto deste ano, na comparação com o mesmo período de 2014, informou nesta segunda-feira (28) a Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito). Em relação ao mesmo mês de 2014, a diminuição foi de 4%. A redução na busca por crédito representa cautela do consumidor em um período de incerteza econômica, avaliaram em nota os economistas da Boa Vista SCPC.
Habitação
Até mesmo mutuários do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) estão na mira. A Caixa Econômica Federal (CEF) anunciou a retomada de bens dos beneficiários da faixa 1, com renda até R$ 1,6 mil e prestações de até R$ 25, que concentram a maior fatia de inadimplência do programa. “No caso do MCMV, o mutuário pode recorrer ao fundo garantidor, comprovando a queda de renda para solicitar a cobertura de 12 a 36 meses. Mas é preciso estar atento: a dívida não está sendo perdoada, apenas embutida no saldo devedor, com aumento de prazo, incluindo os juros e a correção monetária”, aponta Delfino.
Em qualquer um dos modelos de financiamento, quem não consegue honrar os compromissos deve recorrer à negociação para não perder o investimento feito até agora. Além do uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para abater a dívida, o mutuário precisa avaliar as reais condições de pagamento antes de fazer nova proposta ao credor.
“Em alguns casos, a venda do imóvel pode ser a saída para quitar o financiamento e evitar perdas maiores. Quando o bem vai a leilão, é comum ser vendido pelo valor da dívida e o devedor ficar sem receber possíveis diferenças de valores”, reforça Delfino.
Descontrole financeiro é um dos principais vilões
O primeiro carro comprado pela vendedora S.G., de 38 anos, não pode sair da garagem sob o risco de ser apreendido. Há mais de um ano, ela tenta renegociar o contrato de financiamento, firmado em 2011, para pagamento de 60 parcelas de R$ 950 por um Uno zero quilômetro. Na época da compra, com crédito fácil e salário compatível com a dívida, ela não teve problemas para quitar seus compromissos até a 30ª parcela. Depois de atrasar cinco prestações por causa de mudanças de emprego, a vendedora iniciou as revisões do contrato.
“Tentei usar a indenização trabalhista para quitar a dívida. Mas a proposta da financiadora ainda tinha juros muito altos, equivalentes a outro carro novo”, conta. Ao voltar para o mercado de trabalho depois de um ano e meia desempregada, a vendedora pretende levantar caixa até dezembro para fazer uma nova proposta e evitar o cumprimento da busca e apreensão.
O comerciário Claudinei Hernandez ficou mais de um ano sem pagar as prestações do Astra 2011 que financiou por R$ 14 mil. Um descontrole nas contas o levou ao rotativo do cartão de crédito, o que só contribuiu para aumentar a confusão na vida financeira. As negociações começaram em fevereiro e a dívida foi quitada em maio.
“Chegamos a um acordo com os valores e evitei a busca e apreensão do bem”, comemora. O consultor Christian Miguel lembra que as revisões não têm prazo médio para acontecer e dependem de cada instituição financeira. “Pode ser resolvido em 15 dias ou mais de um ano. O importante é não pagar além do que é devido”, diz.
É preciso atenção às condições da revisão dos contratos
A Cetip, operadora do maior banco de dados privado de informações sobre financiamentos de veículos do país, o Sistema Nacional de Gravames (SNG), não tem recortes sobre o volume de contratos que acabam refinanciados durante o período de vigência. “O controle de inadimplência e refinanciamento é feito pelos credores, que retiram a restrição do bem na quitação do financiamento”, explica Marcus Lavorato, gerente de Relações Institucionais da Cetip. Para o executivo, a queda nos registros está de acordo com o movimento do mercado. “Houve uma retração importante no setor automotivo, que acaba refletindo no volume de contratos. Consumidores estão com medo do desemprego e desconfiam da recuperação da economia”, diz.
Entre os clientes da Fiel Consultoria, de Curitiba, 60% estão renegociando financiamentos de veículos. “É o efeito da queda da renda, afetada pela retração do mercado de trabalho. Quando os bens foram adquiridos, a situação era outra. O consumo foi estimulado pelo crédito fácil e barato, além de isenções tributárias que reduziram preços e facilitaram o pagamento, sem falar no nível de desemprego, que era bem menor”, observa o diretor jurídico da Fiel, Christian Miguel.
A renegociação tenta melhorar as condições da dívida. Os bancos já podem acionar os inadimplentes a partir do quinto dia de atraso da prestação. Mas a execução acaba sendo outro mecanismo de cobrança, uma vez que, em média, 40% dos clientes cujo os bens estão sob mandato de busca e apreensão acabam pagando a conta. “O importante é estar atento às taxas abusivas, como a de cadastro quando o inadimplente já é cliente do banco credor. Muitas vezes, esticar o prazo e reduzir a parcela pode esconder um aumento de juros desproporcional”, alerta Miguel.
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