O comércio varejista poderia ter vendido R$ 41 bilhões a mais nos últimos 12 meses até abril deste ano e acelerado o consumo das famílias, o emprego e a renda, se o corte da taxa básica de juros tivesse sido repassado integralmente para o juros cobrados do consumidor, aponta um estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
A taxa básica de juros, a Selic, mantida pela décima vez consecutiva em 6,5% ao ano, segundo decisão tomada nesta semana pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), está no menor nível da série histórica. Antes do início do ciclo de afrouxamento monetário, em outubro de 2016, a Selic era de 14,25% ao ano. De lá para cá, ela foi reduzida em 54,4% pelo Copom por causa das condições favoráveis da inflação e na tentativa de acelerar o ritmo de atividade. Mas esse estímulo não chegou com a mesma intensidade ao consumidor, que viu os juros caírem menos da metade (26%) em comparação com a taxa básica no período. Em outubro de 2016, os juros do crédito livre e direcionado das pessoas físicas custavam 43% ao ano e recuaram para 31,7% ao ano em abril último, segundo o BC.
Nas contas do economista-chefe da CNC, Fabio Bentes, autor do estudo, se o repasse do corte da Selic tivesse sido integral, o consumidor estaria pagando hoje uma taxa de juros bem menor, de 26,1% ao ano. "Não é um juro para soltar foguete, mas seguramente uma situação melhor do que a atual", diz. O juro menor poderia baratear as compras de itens muito dependentes de crédito, como veículos, materiais de construção, móveis e eletrodomésticos. Esses segmentos têm uma cadeia longa de produção e poderiam fazer girar mais rapidamente a roda da economia. O estudo mostra que as revendas de veículos foram as mais afetadas e deixaram de vender R$ 23 bilhões nos últimos 12 meses.
Do ponto de vista de reativação da atividade, o fato de os bancos não terem transferido integralmente o corte dos juros básicos para o consumidor é ruim, diz Bentes. "Vazou uma receita do comércio, que é um grande gerador de emprego, para o setor financeiro, que não tem o mesmo impacto na ocupação", pondera.
Prestação está pesando mais
O estudo da CNC ainda afirma que, desde o início do ciclo de queda dos juros, os mais prejudicados foram os brasileiros que compraram produtos financiados e que vêm pagando a conta do não repasse integral da queda da Selic para a taxa ao consumidor. Nos cálculos da entidade, há casos em que a prestação ficou quase 15% mais cara.
A despesa maior com juros é visível nos itens de maior valor. Na compra de um veículo de R$ 30 mil, por exemplo, financiado em 42,3 meses, o comprador pagava uma prestação de R$ 960,82, levando em conta os juros médios apontados pela pesquisa do BC em abril deste ano, de 21,12%. Se o corte da taxa básica de juros tivesse sido repassado integralmente para o consumidor, a taxa seria de 11,74% ao ano e a prestação cairia para R$ 838, nas contas da CNC. Com isso, quando o comprador terminar de pagar o financiamento do carro, terá desembolsado R$ 42.016,85. Se o empréstimo tivesse sido contraído pela taxa menor, o carro custaria R$ 36.6545,85 – diferença de quase R$ 5,4 mil. "Para o consumidor, o não repasse integral da queda dos juros básicos às taxas finais representou um maior peso na parcela mensal dos financiamentos, especialmente diante da relativa estabilidade da massa de rendimentos", diz Fabio Bentes.
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Para o economista, não só o repasse do corte da taxa básica de juros não foi integral para o consumidor como o spread bancário caiu menos que a Selic. O spread é a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar o recurso e quanto esse banco cobra para emprestar. Em outubro de 2016, o spread era 23,9% e terminou 2018 em 16,9%, mas voltou a subir este ano, chegando a 19,3% em abril. De outubro de 2016 a dezembro de 2018, o spread caiu 41%, e neste ano subiu 14%. No período todo, a queda foi de 20%. "O spread caiu menos que a Selic (54,4%) no período e a gordura dos bancos aumentou", afirma o economista.
Bancos rebatem estudo alegando "métricas diferentes"
Segundo a Febraban, que representa os bancos, "a ideia de que a queda dos juros básicos deveria ser proporcional à Selic é equivocada". Segundo a entidade, além do custo de captação do recurso emprestado, que é afetado diretamente pelo juro básico, há outros componentes que entram na taxa ao consumidor, como a inadimplência, despesas administrativas, tributos e a margem financeira dos bancos.
A Febraban alega também que, por outra métrica, a de pontos porcentuais, houve redução no spread e nos juros. Em nota, a entidade afirma que "a queda da taxa de juros foi acompanhada da redução do spread bruto bancário". Em abril deste ano, o spread atingiu 45,8 pontos porcentuais nas operações de crédito com recursos livres (sem destinação específica) para pessoa física, ante 62,3 pontos porcentuais registrados em outubro de 2016, segundo a entidade. A redução foi de 16,5 pontos porcentuais no período. De acordo com a Febraban, "os bancos aproveitaram a queda na taxa básica de juros para reduzir o custo do crédito ao consumidor, em alguns casos com cortes bem superiores nas taxas cobradas dos clientes".
"Agora a venda está péssima", diz empresário
O empresário do varejo de móveis Mohamed Barakat diz que o mercado está difícil. "Antes as vendas estavam ruins, agora estão péssimas", afirma. Depois de ter ampliado em 7% o faturamento em 2018 em comparação com o ano anterior, ele registrou queda de 10% de janeiro a maio deste ano. "A gente vinha com crescimento pequeno, mas neste ano vamos fechar com retração."
Um dos fatores que explicam a reversão nos negócios é que o consumidor que comprava móveis a prazo diminui muito a sua participação nas vendas das três lojas das quais ele é sócio. Os pontos comerciais ficam na Rua Teodoro Sampaio, na Zona Oeste de São Paulo. Cada loja é voltada para um público específico: o mais abastado, o cliente de classe média e o consumidor popular. Segundo Barakat, hoje o público que compra móveis pede desconto e paga à vista. "O cliente que não tem dinheiro na mão para pagar à vista e quer parcelar em muitas vezes está faltando."
Ao lado do automóveis e dos materiais de construção, o setor de móveis está no rol daqueles movidos a crédito e que estão entre os mais afetados pelo não repasse integral da taxa básica de juros para o custo do financiamento ao consumidor. Em 12 meses até março deste ano, as vendas de móveis e eletrodomésticos caíram 2,1% e poderiam ter crescido quase 1% se o juro fosse menor. Diante da dificuldade, Barakat conta que começou a olhar para dentro da sua empresa. "Estamos indo atrás de tecnologia para cortar custos."
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