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A melhoria da retomada da atividade econômica, o gradual avanço da vacinação no Brasil e a redução na volatilidade do câmbio devem favorecer o investimento direto no país (IDP) – dinheiro estrangeiro aplicado na expansão do setor produtivo – ao longo do segundo semestre. Nas últimas semanas, empresas estrangeiras vêm anunciando planos para aplicar recursos no país.
Em 2020, o saldo IDP no Brasil foi de US$ 34,2 bilhões, o pior resultado em 11 anos. Projeções de instituições financeiras, coletadas pelo Banco Central para o Relatório Focus, apontam para uma recuperação deste ano em diante. A mediana das estimativas indica um fluxo de investimento (já descontadas as saídas) de US$ 58 bilhões neste ano, com valores crescentes na sequência, atingindo US$ 77,9 bilhões em 2024.
Porém, a melhora das expectativas ainda não apareceu nos indicadores de IDP. Após uma melhora no começo do ano, com ingresso líquido de US$ 9 bilhões em fevereiro e US$ 6,8 bilhões em março, o investimento estrangeiro no setor produtivo voltou a baixar nos meses seguintes. Em maio, somou apenas US$ 1,2 bilhão, o menor valor do ano.
Com isso, o investimento acumulado em 12 meses baixou a US$ 39,3 bilhões (2,60% do PIB) em maio, após atingir US$ 41,2 bilhões (2,77% do PIB) em abril. Em maio de 2020, o saldo era de US$ 60,4 bilhões, ou 3,57% do PIB.
Analistas do banco MUFG Brasil apontam que os investimentos estrangeiros devem continuar no mesmo ritmo atual, considerando a recuperação e o crescimento econômico a médio e longo prazo.
Victor Scalet, estrategista da XP Investimentos, ressalta que duas questões que estavam assustando os investidores foram atenuados: a forte volatilidade do câmbio, que chegou a ser negociado em patamares próximos a R$ 6 por dólar, e as incertezas fiscais, que foram atenuadas com a aprovação do Orçamento Geral da União para 2021, em abril.
Os planos de investimento anunciados nas últimas semanas
Um dos anúncios mais recentes de investimento é do grupo suíço Nestlé Purina, que vai aplicar R$ 1 bilhão, oriundos de seu caixa, na construção de um parque industrial para a produção de alimentos para cães e gatos em Vargeão, no Oeste de Santa Catarina. Cerca de 2 mil postos de trabalho devem ser criados e a previsão é de que a primeira etapa entre em operação no segundo semestre de 2023.
Em março, a Renault anunciou um investimento de R$ 1,1 bilhão neste ano e em 2022 para a renovação de cinco modelos, a introdução do motor 1.3 turbo e a chegada de carros elétricos.
Na ocasião, segundo o “Infomoney”, a montadora informou que um novo ciclo de investimentos no país dependeria da melhoria da competitividade. Fatores como alta e complexa carga tributária e o custo Brasil fazem com que o país fique em stand-by entre as grandes montadoras.
A portuguesa Equinor, em conjunto com a ExxonMobil e a Petrogal, planeja investir cerca de US$ 8 bilhões no desenvolvimento da primeira fase do campo de petróleo de Bacalhau, no pré-sal da Bacia de Santos. São 19 poços submarinos ligados a uma unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência, com capacidade para 220 mil barris por dia. A previsão é que a produção se inicie daqui a três anos.
Também na Bacia de Santos, a petroleira autraliana Karoon pretende investir US$ 175 milhões no campo de Patola. Estão previstos dois poços de produção submarinos. A expectatva é de que estejam em operação a partir do primeiro trimestre de 2023.
O grupo francês Qair planeja investir cerca de US$ 3,8 bilhões na implantação de uma unidade de produção de hidrogênio verde, no porto de Suape, no Litoral Sul de Pernambuco.
Os mexicanos do grupo Simec, especializado em siderurgia, planejam aplicar US$ 300 milhões na expansão de uma usina localizada em Pindamonhangaba (SP). A intenção é dobrar a capacidade de produção da unidade até 2023.
Governo promete reformas e projetos estruturantes para reduzir o "custo Brasil"
Mesmo com os últimos anúncios de investimentos e as expectativas de recuperação do IDP, Scalet, da XP, aponta que o Brasil tem sérios problemas de competitividade, o que limita as possibilidades de crescimento da economia. “O custo Brasil é elevado e a produtividade é baixa”, diz. “O crescimento estrutural de médio prazo é de 2% a 2,5% ao ano.”
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, na abertura do Fórum de Investimento Brasil (BIF, na sigla em inglês), realizado na virada de maio para junho, que seu governo tem compromisso com reformas e projetos estruturantes para reduzir o chamado "custo Brasil".
“Trata-se de aperfeiçoar normas e políticas para melhorar o ambiente de negócios. Para isso, desenhamos soluções tributárias que asseguram a estabilidade macroeconômica em contexto de desafio orçamentário. [O governo federal planeja], a um só tempo, maior abertura e liberdade econômicas, mais competição e maior estímulo à iniciativa privada, reservando ao Estado, ao mesmo tempo, o papel que lhe cabe nas várias políticas públicas essenciais ao desenvolvimento”, disse Bolsonaro.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, destacou na ocasião que a ideia é derrubar o custo Brasil, a partir da aprovação de novas leis e da implantação de medidas pontuais que incentivem investimentos privados e reforcem o papel do governo em sua atração.
Como exemplo, Guedes citou a necessidade de melhorar o ambiente de negócios no país e sua posição no que diz respeito à competitividade global. “Devemos melhorar de 30 a 40 posições no ranking mundial”, afirmou. Atualmente, o Brasil ocupa a 108ª posição em um ranking de 180 países.
“O momento é muito favorável. Os que não investirem agora no Brasil, ano que vem estarão muito arrependidos”, disse o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.
Concessões de infraestrutura e redução da burocracia são trunfos do governo
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, afirmou no mesmo evento que "o que está por vir [investimentos] é grande, da magnitude do Brasil”. Segundo ele, o governo federal elaborou um grande programa de investimentos, que permitiu a realização de 70 leilões no setor de infraestrutura. “Estamos transformando a nossa matriz de transporte, que vai ser muito eficiente daqui a alguns anos.”
A agenda de concessões de infraestrutura, de fato, é um dos principais trunfos que o governo tem a apresentar aos investidores estrangeiros. Nesta sexta-feira (2), o Ministério da Infraestrutura informou que o investimento privado nas concessões federais foi de R$ 9,2 bilhões em 2020, 11,2% acima do valor de 2019.
Ainda assim, muitos indicadores dessa área deixam a desejar. O investimento em rodovias, por exemplo, diminuiu nos últimos anos e retornou aos patamares do início da década passada. Os principais motivos são problemas em concessões realizadas na década passada e a redução dos desembolsos do governo.
Um dos avanços do governo está nas medidas para reduzir a burocracia e melhorar o ambiente de negócios. Exemplos disso são a Lei de Liberdade Econômica, aprovada ainda em 2019, e a medida provisória 1.040/2021, que facilita abertura e fechamento de empresas e também procedimentos de comércio exterior. A MP já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e agora será avaliada pelo Senado.
Segundo o Ministério da Economia, o tempo médio para abrir uma empresa no país caiu para menos da metade nos dois primeiros anos de governo. Era de 5 dias e 9 horas no começo de 2019, e encerrou 2020 em 2 dias e 13 horas ao fim de 2020. O objetivo é reduzir esse prazo para menos de um dia até o fim de 2022.
Após Previdência, governo avançou pouco nas reformas administrativa e tributária
No campo das reformas estruturantes, a mais relevante foi a da Previdência, também aprovada em 2019. O governo enviou ao Congresso outras duas, a administrativa e a tributária – esta última, em "fatias". Ambas, no entanto, enfrentam obstáculos que podem dificultar sua aprovação antes das eleições de 2022.
Na administrativa, que altera regras do serviço público, há dúvidas sobre o comprometimento do governo com o andamento dessa pauta às vésperas da eleição presidencial de 2022. A tributária, por sua vez, é prejudicada pela falta de consenso dentro do próprio governo e pelas relações de Bolsonaro com empresários de interesses distintos.
Tanto a fusão de PIS e Cofins – primeira etapa da reforma tributária, enviada em 2020 – quanto a reforma do Imposto de Renda, apresentada no fim do mês passado, desagradaram o setor produtivo. Especialistas avaliam que as mudanças no IR podem elevar a carga tributária das empresas e, com isso, desestimular o investimento.
Em relação à redução do tamanho do Estado, para abrir mais espaço ao setor privado, um avanço relevante foi a aprovação da privatização da Eletrobras. Será a primeira desestatização de empresa de controle direto da União desde o início do governo.
O problema é que, na visão de muitos especialistas, dispositivos inseridos pelo Congresso na medida provisória da Eletrobras acabaram tornando a fatura muito cara – em troca da privatização, avaliam, o país acabará arcando com novas e graves distorções no setor elétrico.
Esta é a sexta reportagem da série Passaporte Carimbado, que mostra os motivos para a saída ou reestruturação de multinacionais do Brasil nos últimos anos. A série completa, com todos os textos, está neste link.
Conteúdo editado por: Fernando Jasper