Mesmo reagindo aos efeitos da crise mundial e registrando em dezembro o melhor resultado mensal de sua história, a arrecadação de impostos e contribuições federais terminou 2009 em queda. O total pago pela sociedade brasileira em tributos somou R$ 698,3 bilhões. Quando corrigido pela inflação do ano, o montante sobe para R$ 710 bilhões, o que representa uma queda real de 2,96% na comparação com 2008 a primeira em seis anos.Mesmo assim, o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, comemorou o resultado. Ele lembrou que até setembro a receita administrada (que exclui o pagamento de royalties e somou R$ 682,9 bilhões) vinha registrando uma queda média de 7% em 2009. No entanto, os meses de outubro, novembro e dezembro atenuaram essa redução. A receita administrada acabou encerrando o ano com uma queda acumulada de 3,05%."2009 foi um ano difícil para a economia e para a Receita Federal. Mas a arrecadação está se recuperando, o que indica uma tendência de reaquecimento da economia. Acho que foi um resultado auspicioso", disse Cartaxo.
Além do aumento de 53% da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrado especificamente das entidades financeiras, o crescimento da receita previdenciária (11,2%) ajudou a aliviar a queda na arrecadação federal.
Complexo e perverso
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, os indicadores federais demonstram a "complexidade e perversidade" do sistema tributário brasileiro. Para ele, o excesso de impostos indiretos como IPI, IOF, PIS, Cofins, ISS (municipal) e ICMS (estadual) não são capazes de chamar a atenção do consumidor. "Muita gente acha que o único imposto que existe é o direto, como o Imposto de Renda, IPTU e IPVA. Entre a população de menor renda, paga-se muito pouco ou nada de impostos diretos. No entanto, quase 50% do que recebem retorna ao governo como impostos indiretos", diz.
Segundo cálculo do especialista em contas públicas Amir Khair, a queda na arrecadação servirá, pelo menos, para aliviar um pouco a carga tributária, que cairá levemente em 2009, passando de 35,8% do Produto Interno Bruto (PIB, o total das riquezas do país) em 2008 para 35,13%.
Embutidos
O coordenador-geral de Estudos, Previsão e Análise da Receita, Raimundo Eloi de Carvalho, diz que o resultado do ano passado reflete a retomada da atividade econômica, mas também embute fatores atípicos. No último mês do ano, as receitas foram reforçadas pelo pagamento atrasado de R$ 1 bilhão em PIS/Cofins feito por um banco. Além disso, entraram na conta R$ 2,3 bilhões de depósitos judiciais que foram transferidos da Caixa Econômica Federal para o Tesouro Nacional.
Cartaxo lembrou que em 2009, para estimular a economia durante a crise, o governo fez desonerações que somaram R$ 24,9 bilhões. Além disso, houve aumento da inadimplência. As compensações de tributos feitas por empresas, por exemplo, ficaram R$ 3 bilhões acima da média. Isso, segundo a Receita, indica que as empresas fizeram compensações fictícias de tributos para ter caixa e honrar compromissos com bancos, cujas taxas de juros são muito mais elevadas.
O economista da consultoria Tendências Felipe Salto ressaltou que o resultado da arrecadação foi melhor que o esperado e que, mesmo tirando as receitas atípicas, observa-se que o recolhimento de tributos está acompanhando o aquecimento da economia. "Sem as atipicidades, você vê a retomada da arrecadação junto da atividade econômica. Isso deixa o cenário fiscal mais favorável para 2010", disse Salto.
Pouca contrapartida
Amaral, do IBPT, não poupa críticas ao sistema tributário. Ele diz que o preço dos impostos é extremamente alto para uma contrapartida pequena do governo, uma vez que além dos tributos a classe média ainda precisa contratar todos os serviços básicos privados como educação, saúde e segurança. "Enquanto isso, o governo assume uma posição de provedor do desenvolvimento do país. Há hipocrisia na classe política, e a oposição colabora para a perpetuação desta ideia", completa.