A cidade mais japonesa do Brasil está em crise. A pequena Assaí - município de 16 mil habitantes localizado no Norte do Paraná conhecido como a "cidade dos japoneses" - está enfrentando "uma destruição", nas palavras do prefeito local, com o retorno de cerca de 400 do total de 1.700 dekasseguis originários da cidade.
"Essas pessoas voltaram sem a mínima condição, sem infraestrutura, sem dinheiro, chegando aqui e vivendo à base de parentes e amigos. Ou seja, está uma destruição total", afirma Michel Angelo Bomtempo (PMDB), prefeito da cidade.
Segundo Bomtempo, "na cidade hoje não existe emprego para absorver todas essas pessoas. O comércio está totalmente esgotado e nós também sentimos o efeito da crise daqui, e tanto a agricultura quanto a indústria não estão contratando".
Ele afirma que a administração está criando uma metodologia social ainda não completa para atender aos que voltam do Japão, que inclui dekasseguis "que retornam totalmente neuróticos, doentes, com um abalo psicológico muito alto pelas demissões. A prefeitura vai atender essas pessoas", afirma, sem especificar quais ações serão adotadas.
TragédiaEsse aumento nas despesas ocorre em um momento em que a arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do município recuou 20% devido à crise, com a perda de cerca de R$ 300 mil por mês.
"A prefeitura está tendo até que mandar embora. Isso é a coisa mais catastrófica que existe para o município, porque a principal empregadora que existe por aqui é a prefeitura. É uma tragédia", lamenta-se Bomtempo.
Sobre o futuro? "Não tem o que fazer. É acreditar que a coisa vai melhorar. É a única coisa que segura a gente, a situação é muito drástica", diz o prefeito.
Falta de opções
Segundo moradores, durante o período em que o Japão crescia a níveis elevados, o dinheiro enviado pelos dekasseguis irrigou a economia local.
"Muitas famílias daqui pagavam preços absurdos por casas, terrenos e carros, porque perdiam a referência de valores", afirma um morador. Isso fez, segundo ele, com que o preço dos imóveis na cidade fosse a ser um dos mais caros da região. Com a crise, em três meses o valor médio teria recuado em 20%.
"Acabou o emprego no Japão, e isso pegou muitos brasileiros em cheio. A grande maioria dos que voltaram para a cidade foram obrigados porque estavam totalmente sem recursos, não tiveram outra opção", afirma o secretário local de Desenvolvimento Orlando Menegazzo Filho, ele próprio um ex-dekassegui com 15 anos de vivência no Japão.
Saudades da segurança
Entre os que retornaram, alguns abriram lojas e outros comércios na cidade. É o caso de Osvaldo Otaka, que foi ao Japão em 1989 trabalhar na região de Kanto. No oriente, Otaka trabalhou na lavoura, em leilões de flores, linhas de montagem de eletrônicos e na operação de tornos. Quando retornou, abriu uma loja de lembranças e artigos japoneses.
"Sinto saudades da segurança do trabalho como empregado. Lá, tinha certeza do retorno a cada 30 dias. Aqui, depende do mês a mês", diz ele. Otaka afirma não descartar voltar para o Japão caso a situação do país melhore. "Aqui na cidade, a situação está muito difícil. Não tenho nada contra o Japão", analisa.
Já outros planejam ficar na cidade. É o caso de Amancio Nemoto, que trabalha com a exportação de cachaça orgânica.
"Entendo que a grande maioria queira retornar se o Japão melhorar. Mas acho que quando estamos aqui sentimos saudades de lá, e quando estamos lá sentimos saudades daqui", diz. Ele diz ter conseguido concretizar seus objetivos. "Meus planos no Japão deram certo. Consegui comprar três sítios e casa na cidade".
Nemoto foi para o Japão em 1995 e ficou 13 anos no país. Lá, alternou entre a fabricação de componentes eletrônicos, a direção de caminhões, a fabricação de salgadinhos e a entrega de pizzas.
Amancio ocupou até mesmo o cargo de "lixeiro", ou seja, a retirada de produtos eletrônicos seminovos jogados nas ruas (televisões, aparelhos de som e até bicicletas), que ele revendia com lucro.
Mais japonesa
Assaí ganhou a sua fama nipônica com a alta proporção de descendentes em sua população hoje em 15%, mas que chegou a superar 50% durante a década de 1960. Essa proporção faz com que a prefeitura classifique a cidade como a "mais japonesa do Brasil".
Fundada por colonos japoneses na década de 1930, Assaí viveu seu auge nas décadas de 1960 e 1970, quando foi um dos principais pólos produtores de algodão do Brasil. Aos poucos, os campos brancos perderam espaço para outras culturas como soja, milho, trigo e frutas, com a entrada da praga conhecida como bicudo. A cidade, que era a 17ª maior arrecadadora de ICMS do estado, hoje "nem aparece na lista", segundo o prefeito.
Para tentar atrair mais turistas para a área, a prefeitura pretende construir um castelo em estilo japonês na cidade. A construção, que atuaria como museu e sede de associações da comunidade oriental da região, está orçada em R$ 3,6 milhões, e tem previsão de ficar pronto no ano que vem.
Outro projeto é a construção de um novo campo de beisebol, que já chegou a ser o principal esporte da cidade e hoje está desaparecendo da memória local.