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Retratos da economia

Queda na demanda e pouco crédito fazem empresas de transporte acionarem “modo desespero”

Caminhão rodando em estrada brasileira.
Empresas de transporte apontam para redução significativa na demanda, mesmo com início da recuperação da economia. (Foto: Michel Willian/Arquivo Gazeta do Povo)

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A desaceleração da atividade econômica tem provocado redução significativa na demanda de um setor essencial: o transporte de cargas e passageiros. Mais da metade das empresas do setor (57,2%) afirmam que houve “muita redução” na demanda em junho, segundo uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Os dados, divulgados na semana passada, apontam, ainda, que outros 17,4% sentiram que a demanda “reduziu moderadamente”, enquanto apenas 12,6% dizem que a procura permaneceu igual.

Esta foi a quarta rodada da pesquisa realizada pela CNT, com o objetivo de acompanhar os impactos da pandemia no segmento. Bruno Batista, diretor-executivo da instituição, diz que os resultados apontam que o cenário continua “extremamente grave” para as empresas de transporte, mesmo que outros setores já comecem a apresentar alguma reação. “A gente fez quatro rodadas de pesquisa, a partir do mês de abril. O que temos notado é que ainda não houve uma melhora no cenário para as empresas de transporte”, afirma.

Outros dados da pesquisa detalham os impactos da pandemia sobre as empresas do setor. Em junho, 60,7% das companhias afirmaram que houve redução do faturamento na comparação com maio. Outras 15,6% disseram que não houve variação, enquanto 18,1% relataram aumento na receita. Entre as empresas que disseram ter tido redução de faturamento, 33,8% afirmaram que a queda foi de 80% ou mais.

Diante dos resultados ruins de junho, as empresas se mostraram pessimistas em relação ao fechamento de julho e à própria duração da crise econômica. Na pesquisa da CNT, 80,1% previram que, em julho, o faturamento também terá redução. E 35,1% das companhias do setor estimam que o impacto da pandemia irá se prolongar por algo entre quatro e oito meses. Ainda mais pessimistas, outras 23% esperam que os efeitos do coronavírus sejam sentidos por um período entre 9 e 12 meses.

O problema do crédito: 54,3% das empresas de transporte tiveram financiamentos negados

A sequência de meses com queda na demanda já coloca parte das empresas em situação crítica. A pesquisa da CNT aponta que 41,8% delas dizem estar com a capacidade de pagamento de obrigações rotineiras muito comprometida.

Mas não é só a redução no faturamento que explica as dificuldades financeiras: assim como outros segmentos, as empresas de transporte reclamam que não conseguem acesso a crédito, mesmo com as medidas já anunciadas pelo governo.

A dificuldade em fazer com que o dinheiro “chegue na ponta” já foi reconhecida pelo próprio Ministério da Economia. Desde o início da pandemia, o governo tem formulado linhas de crédito para atender principalmente pequenas e médias empresas que estão enfrentando dificuldades por conta da crise. O problema principal é que os bancos privados seguem reticentes em emprestar recursos, dado o aumento do risco das operações.

De acordo com o Painel do Empreendedor – plataforma desenvolvida pelo Ministério da Economia para acompanhamento da liberação do crédito na pandemia –, dos R$ 71 bilhões disponibilizados em quatro linhas de financiamento para a crise, apenas R$ 26 bilhões foram emprestados até agora. A maior parte foi concedida pela Caixa Econômica Federal (34,8%, ou R$ 8,95 bilhões) e pelo Banco do Brasil (22,3% ou R$ 5,73 bilhões). Entre os bancos privados, apenas o Itaú teve volume de recursos significativo concedido pelas linhas de financiamento na crise (20,17% ou R$ 5,18 bilhões).

A principal reclamação das empresas do setor de transporte é de que o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), destinado ao socorro durante a crise, continua difícil de ser acessado. Na pesquisa da CNT, 51,7% das empresas que pediram crédito por meio do programa afirmaram que ainda estão esperando retorno sobre os financiamentos. Outros 38,4% disseram que tiveram o empréstimo negado, enquanto apenas 9,4% conseguiram o crédito.

Ao longo da semana, o Congresso aprovou um reforço de R$ 12 bilhões no montante disponibilizado em crédito via Pronampe. Os recursos estavam inicialmente destinados ao financiamento da folha de salários de pequenas e médias empresas. De acordo com o governo, os novos valores devem estar disponíveis para empréstimos a partir do dia 15 de agosto. O próprio Executivo, contudo, admite que o dinheiro deve acabar rápido.

Quando todas as possibilidades de financiamento são consideradas, o cenário para as empresas de transporte é ainda pior: 54,3% das empresas do setor de transportes disseram que tiveram pedidos de crédito negados desde o início da pandemia. Os motivos são muitos: restrições de crédito em nome da empresa (24,4%), políticas internas dos bancos (21,5%), indisponibilidade de linhas especiais para a pandemia (18,6%) e comprometimento da capacidade de pagamento da empresa (18,2%) foram as causas mais citadas pelos entrevistados.

No desespero, empresas recorrem ao crédito rotativo

“As linhas de crédito que o governo vem prometendo não se concretizaram. A situação está muito mal ajustada. O que nos chama a atenção é que 34% das empresas já dizem que tiveram que ir atrás de crédito rotativo. É uma medida desesperada, o último recurso. As taxas são mais altas, tem menos negociação, as condições são piores. São medidas desesperadas de um setor que não está sendo atendido”, diz Batista, da CNT.

O pleito da entidade é de que o governo federal pense linhas de crédito específicas para o setor. O problema é que o Ministério da Economia já tem uma série de pedidos do gênero à espera de uma decisão. As empresas aéreas, por exemplo, negociam uma linha de crédito especial junto ao BNDES. O setor automotivo também pede financiamento específico, utilizando créditos tributários como garantia.

Fim da desoneração da folha deve impactar empresas já endividadas

Outra reclamação do segmento é em relação ao veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamento até o fim de 2021. Hoje, 17 setores – incluindo o de transporte de passageiros e cargas – não pagam a contribuição sobre os salários dos funcionários. Em troca, as empresas contribuem com um tributo sobre o faturamento. Se o veto do presidente for mantido pelo Congresso Nacional, a contribuição sobre a folha voltará a valer para estes setores a partir de 2021.

O argumento do setor é que a volta da contribuição ocorreria justamente em um momento de fragilidade das empresas. “O governo não está recebendo isso há anos. Perdeu a oportunidade de nos ajudar. Ainda bem que o Senado e a Câmara parecem estar com boa vontade para derrubar o veto”, diz Francisco Pelucio, presidente da Associação nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística).

Esta reportagem é parte da série "Retratos da economia", que aborda os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia brasileira e também os planos do governo para a retomada. Leia aqui os demais textos.

Conteúdo editado por: Fernando Jasper

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