Cerca de R$ 2 mil a mais no faturamento do ano passado bastaram para tirar a empresa de Marco Antônio Setim do enquadramento do Simples Nacional e colocá-la no regime de Lucro Presumido. Para dar conta da nova carga tributária, inchada por reajustes de impostos locais, Setim recorreu às reservas financeiras de que dispunha e afinou a gestão do negócio: diminuiu o quadro de funcionários, adiou investimentos e reduziu a margem de lucro para honrar as obrigações fiscais. “Estou pagando o dobro em impostos do que pagava no ano passado. Se não voltar para o Simples, a situação vai ficar muito complicada”, diz. Setim é dono do Colégio Milenium, em atividade há 19 anos em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, com 1,2 alunos e 160 funcionários.
O empresário paranaense é um dos que aguardam a tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 448/14, que prevê novas tabelas e faixas de faturamento para classificar as micros e pequenas empresas brasileiras. Formatada com base em um estudo da FGV e entidades de apoio ao meio empresarial, a proposta dobra os atuais limites de receita bruta anual que garantem o enquadramento no Simples, além de criar duas faixas de transição, dando mais fôlego para o empresário estabelecer o crescimento sem sacrificar o futuro do negócio.
Formalização deve compensar queda na arrecadação
Se for aprovada, a nova fórmula do Supersimples pode tirar pelo menos 76,7 mil empresas de todo o país do regime do Lucro Presumido, que estabelece patamares superiores de cobrança de impostos, elevando em até 54% a carga tributária, como no caso do setor de comércio. Pelo estudo da FGV, o impacto da renúncia fiscal nas esferas de governo com a PLP 448/14 seria de 3% de queda na arrecadação, com incidência maior nos tributos federais.
“Mas a compensação virá no longo prazo, com o crescimento da base de contribuintes, estimada na ordem de 4%. A ideia é reduzir os encargos para que todos possam pagar”, explica o deputado federal Jorginho Melo (PR-SC), líder da Frente Parlamentar Mista da Pequena Empresa, que articula a apreciação do projeto do Congresso Nacional.
A redução da arrecadação está no radar das entidades de suporte empresarial, preocupadas com o equilíbrio dos orçamentos da União, estados e municípios. “São questões que exigem consenso para não prejudicar um setor em detrimento do outro. É preciso ponderar o porte da empresa e seu impacto no município, o que ajuda a reduzir a dependência dos repasses do governo federal”, aponta o presidente da Fecomércio do Paraná, Darci Piana.
O relatório final do PLP 448/14, conduzido pelo deputado federal João Arruda (PMDB-PR), deve ser votado no dia 1º de julho e ir a plenário no mês de agosto.
“Os saltos na carga tributária entre os regimes dão um tranco no desenvolvimento da empresa. A ideia é trocar a escada por uma rampa de acesso e permitir que o empresário cresça sem susto ou risco de morte súbita”, aponta o ministro da pasta da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, Guilherme Afif Domingos.
Hoje, o Simples Nacional tem sete tabelas de alíquotas diferentes, entre 4% e 22,45%, de acordo com a classificação da natureza da atividade nas 20 faixas de faturamento anual.
O projeto mantém apenas sete níveis de receita bruta por ano, elevando ao dobro os limites atuais dos microempreendedores individuais (MEIs), de R$ 60 mil para R$ 120 mil; das microempresas, de R$ 360 mil para R$ 900 mil; e das pequenas empresas, de R$ 3,6 milhões para R$ 7,2 milhões, abrindo duas faixas transitórias até R$ 14,4 milhões.
Cobrança progressiva
As tabelas das alíquotas também seriam reduzidas para quatro. A proposta é adotar a cobrança progressiva, semelhante à que é feita na tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física, em que os descontos são aplicados sobre o excedente dos limites. Além de escalonar a tributação, a empresa que superar a barreira do faturamento ainda teria dois anos de prazo dentro do regime do Simples.
Sem a janela de transição, muitos empresários recorrem a alternativas para mascarar o crescimento e escapar de enquadramentos que ainda não têm condições de bancar. “Abre-se empresas nos nomes de sogra e parentes, o que acaba diluindo a arrecadação e promovendo um desenvolvimento lateral”, observa o ministro.
Projeto amplia regime para outras atividades
Além da discussão das alíquotas e faixas de faturamento, o Projeto de Lei Complementar 448/14 propõe a universalização do regime tributário. A ideia é estabelecer a cobrança simplificada apenas pela receita bruta, sem distinção de atividades, como ocorre hoje. “É uma forma de ampliar o acesso ao modelo e equalizar as oportunidades de crescimento”, observa o presidente da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis (Fenacon), Mario Berti.
A contabilidade empresarial é complexa, exige habilidade para acompanhar as obrigações fiscais e evitar impactos financeiros por causa da carga tributária. Crescer, para o empresário brasileiro, significa também andar de mãos dadas com a burocracia. Ao superar a barreira do faturamento da MEI, por exemplo, hoje em R$ 60 mil por ano, o empreendedor precisa refazer toda a papelada da formalização, com registro na Junta Comercial e na administração municipal, pois no sistema tributário o reenquadramento é automático. Há uma tolerância de até 20% do montante, no caso, até R$ 72 mil. Acima desse desempenho, na mudança de regime, pode haver cobrança de multa retroativa pela alíquota mínima do Simples, caso o ajuste da formalização não seja feito. “Outros critérios podem tirar o empreendedor das regras, com a contratação de mais um funcionário. Por isso é fundamental estar atento ao desenvolvimento do negócio”, explica o CEO da Contabilizei, Vitor Torres, especializada em assessoria contábil on-line.
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