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Varejo de moda

Riachuelo duplica lucro em 2018, mas segue tímida em iniciativas digitais

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Na foto, a loja da Riachuelo na Rua Oscar Freire, em São Paulo. (Foto: Divulgação) (Foto: )

Controladora da varejista de moda Riachuelo, a Guararapes divulgou recentemente seu balanço financeiro de 2018 com expressivos resultados, mesmo em um ano desafiador: a empresa viu seu lucro líquido crescer 117% em relação a 2017, para R$ 1,2 bilhão, e o Ebitda (resultado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) aumentar 43,1% no acumulado de 2018 frente ao ano anterior, para R$ 1,7 bilhão.

Segundo a empresa, esse resultado foi conquistado em razão de um acréscimo de 11,6% na receita, que fechou o ano em R$ 7,2 bilhões, da preservação da chamada margem bruta de mercadorias (incluindo maior participação de itens como celular e perfumaria no mix geral) e da forte diluição das despesas operacionais, com redução de 3,4 p.p no último trimestre de 2018 em comparação ao mesmo período do ano anterior.

Para além dos números, porém, é possível ver que fatores como inteligência de distribuição, logística e produção afiada e o esforço inerente ao negócio da empresa de oferecer produtos de melhor qualidade, caimento e tecidos, são o que sustentam os bons resultados da Riachuelo. Por outro lado, as iniciativas digitais, essenciais para o futuro da empresa em meio à transformação do varejo mundial, ainda são tímidas. O que pode acelerar a implementação de inovações em direção ao chamado omnichannel (a convergência dos canais físicos e online de atendimento) é o desejo da empresa de transformar seu braço financeiro, a Midway, em banco.

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Uma loja familiar, conservadora

As vendas na categoria "mesmas lojas", que indicam aquelas unidades com mais de um ano de operação, são um indicativo de que a fórmula atual de crescimento da Riachuelo, embora lucrativa, pode ter sobrevida reduzida. Essas unidades tiveram uma alta de 3,9% no acumulado de 2018 em relação a 2017. Mas o mercado esperava mais.

“Um número bom seria pelo menos o dobro ou o triplo [disso]. Ao pensar em um crescimento orgânico da operação, da economia, então um crescimento nas mesmas lojas poderia ser interessante com pelo menos 8% no ano", avalia Jean Paul Rebetex, sócio-diretor da consultoria GS&Consult, com 15 anos de experiência no universo fashion.

No geral, de janeiro a dezembro de 2018, a Riachuelo inaugurou 11 lojas e fechou uma, fechando o ano com 312 unidades. Também apostou em remodelações e infraestrutura de TI.

“A política de ir para corredores comerciais, cidades importantes com 300 mil ou 400 mil habitantes, nas quais não estavam antes, implica de uma certa forma no bom resultado, com despesa em baixa, aumentando receita líquida e um lucro líquido melhor”, observa Rebetez.

Desde janeiro deste ano, a Riachuelo testa seu primeiro Espaço Online, dedicado a compras via pontos digitais. Fica em uma loja da marca no Shopping Eldorado, em São Paulo, que passou por uma remodelação da comunicação visual e de mobiliário, para inserir as vitrines digitais. Há opção de pagamento no provador, via tablet ou totam e autosserviço para retirada de produtos em armários, que podem ser desbloqueados via um QRCode recebido pelos clientes.

“Evidentemente ainda tem muito o que evoluir para ser uma loja omnichannel, mais conectada, com realidade aumentada eventualmente, que pudesse ajudar o consumidor a identificar o produto de uma maneira mais legal, uma cauda longa e um catálogo eletrônico mais bacana. Soluções assim ainda não vemos. Mas, certamente, como uma grande empresa, vai investir nisso também", aposta Rebetez.

Uma de suas principais concorrentes, a Renner, que também teve lucro na casa do R$ 1 bilhão em 2018, tem sido vista como referência na área pelos especialistas. Um exemplo das inovações que vêm sendo testadas e incorporadas pela Renner é o uso da tecnologia RFID (Radio Frequency Identification) nas etiquetas dos produtos, que permite armazenar dados para uma maior assertividade na execução logística. Na prática, a loja sabe quais produtos tendem a ser comprados juntos, por exemplo, e pode aproximá-los nas araras, estimulando a compra das peças.

“Ao olhar a estrutura interna da Renner, vemos equipes focadas em testar inovações. A marca entende que em longo prazo a inovação será como oxigênio: ou traz para dentro da operação ou morre asfixiado. Startups, novas soluções e projetos são sempre bem recebidos lá dentro, mesmo que não saiam do papel”, observa a especialista em varejo Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. Para ela, Riachuelo e Renners são duas boas empresas, com diferentes desafios.

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Enquanto a Renner tem a inovação como algo muito claro, a Riachuelo tem perfil mais conservador. “É uma empresa familiar, cujo fundador ainda é vivo, a amarração Guararapes ainda é muito forte, então quando se analisa as margens brutas, na qual a relação é direta com mercadoria vendida, as margens da Riachuelo vão ser um pouco menores. A empresa tem desafios de formar lideranças que vão traduzir o que é o novo varejo para dentro da operação.”

O delay da Zara e o imbróglio tributário

Entre os players internacionais do varejo de moda com forte atuação no Brasil, a Zara ingressou no mês passado com sua loja online no Brasil. A estreia teve um delay de pelo menos dois anos aos olhos do mercado. Por outro lado, os especialistas também ressaltam a complexidade tributária de se fazer o chamado omnichannel (integração das operações físicas e online) no país.

“É absurda, ao ponto de inviabilizar a margem de lucro dessa operação. As pessoas não entendem o quão é complicado no Brasil comprar pela internet e retirar na loja", observa Ana Paula Tozi.

Na prática, o problema todo está no reconhecimento de receita. A especialista explica o “imbróglio”: a mercadoria que não tem em loja precisa sair de um Centro de Distribuição e, consequentemente, de lá acontece o reconhecimento da receita, gerando Pis, Cofins e ICM. Mas se deixa para a pessoa retirar na loja, estará fazendo um reconhecimento de receita na loja. Porém, pelo fisco, se a venda foi feita no e-commerce tem que ser a saída do CD. E, ainda, se fizer reconhecimento de receita no CD e retirar na loja e quiser trocar, pela lei brasileira tem que devolver para o mesmo CNPJ de emissão, o que inviabilizaria a velocidade e o óbvio para o consumidor, que só quer fazer uma simples troca.

“É um mundo muito bizarro que a gente vive quando olha para a legislação tributária arcaica no nosso país e fala em inovação, em omnichannel e jornada digital. Quando isso se apresenta a uma operação estrangeira como a Zara, eles querem fazer absolutamente tudo certinho, porque é assim que se faz no resto do mundo. Só que no resto do mundo não se tem a estupidez tributária que se tem no Brasil. Por isso a Zara demorou tanto para estruturar a operação de forma que todo o compliance estivesse alinhado ao máximo possível.”

Guararapes aposta na transformação da Midway em fintech

Há poucos meses, a Guararapes anunciou que pretende transformar seu braço financeiro, a Midway em um banco, para atender os clientes por meio de uma ampla plataforma digital. Este ano ela registrou receita de R$ 571 milhões, uma alta de 25,3%. A receita de empréstimo pessoal e saque fácil apresentou crescimento de 77,6%, para R$ 189,3 milhões, e a receita de comissões sobre cartão bandeira aumentou de 33,3%, para R$ 50,6 milhões. A Guararapes informou ao Valor Econômicoque os índices refletem “a consistente retomada dos volumes de empréstimo pessoal e dos cartões co-branded”.

“A Midway já tem uma boa receita. Facilitar o crédito e ter tudo isso verticalizado é muito importante”, avalia Rebetez. Logo a Midway poderá se lançar também na área de meios de pagamento, o que também pode beneficiar o ecossistema da Riachuelo, que pode crescer não só olhando o público final, mas as marcas e demais empresas que usam a rede como vitrine de seus produtos.

“O fato é que se falarmos de uma próxima revolução no Brasil, esta será nos canais de crédito, sem a menor dúvida. Esse modelo tradicional, do cartão Marisa, cartão Riachuelo, cartão Renner, vai desaparecer. As empresas passarão a trabalhar com comportamento de compra do consumidor e comportamento de pagamento", observa Ana Paula Tozi.

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