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O Rio de Janeiro é o estado que mais perdeu importância econômica no país neste século. Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que os fluminenses representavam 12,38% do PIB nacional em 2002. Dezoito anos depois, essa participação era de 9,91%.
Na média, a economia estadual cresceu a um ritmo de 0,71% ao ano nesse período. Muito abaixo da velocidade média do PIB brasileiro (1,97% ao ano), que já não foi das maiores. No outro extremo, o estado que mais cresceu foi Mato Grosso, cujo PIB aumentou em média 5,42% ao ano entre 2002 e 2020, puxado principalmente pelo agronegócio.
O Rio de Janeiro ainda ocupa o posto de segunda maior economia do país. Mas, em meio ao declínio persistente, viu Minas Gerais se aproximar: a fatia da economia mineira no PIB nacional passou de 8,33% para 8,97%.
Embora ainda não haja dados oficiais mais recentes sobre o PIB local, outros indicadores sugerem que a economia do Rio continua com problemas. Um exemplo: no primeiro trimestre deste ano, o estado tinha a sétima maior taxa de desemprego do país: 11,6%, quase três pontos porcentuais acima da nacional.
Uma trava ao setor de comércio e serviços é a elevada inadimplência, é uma das maiores do país. Dados da Serasa Experian mostram que 53% da população adulta do Rio tem algum tipo de restrição ao crédito. Em maio, eram 7,26 milhões de consumidores negativados no estado.
O comércio varejista está sentindo mais o desaquecimento da atividade econômica. O volume de vendas no Rio caiu 3,5% no período de 12 meses até abril. No país, houve uma alta de 0,9%. O ritmo de expansão do setor de serviços também ficou aquém: 5,1% de alta no Rio e 6,8% na média nacional.
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Situação do estado é "extremamente complexa"
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, classifica a situação vivida pelo Rio de Janeiro como "extremamente complexa". "Há instabilidade política, econômica e social", diz. Nem mesmo a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016, conseguiram mudar esse cenário.
Ele lembra que ex-governadores foram presos por envolvimento em casos de corrupção, o estado sofre com um problema crônico de violência e um dos principais motores da economia, o segmento de óleo e gás, perdeu força após o escândalo da Lava Jato, que atingiu a Petrobras.
O coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, avalia que o problema tem raízes mais profundas: a mudança da capital federal para Brasília, em 1960. “Toda a máquina pública federal estava na cidade”, diz.O especialista aponta que nenhum tipo de política pública foi feita pelos governos subsequentes para compensar a perda do status. Um segundo golpe, especialmente para a cidade, diz o coordenador, teria vindo em 1975, com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro: “Perdeu-se mais protagonismo”.A situação ganhou mais contornos negativos depois da crise de 2015-16, durante o governo Dilma Rousseff, quando o PIB brasileiro caiu quase 7% em dois anos, e com a Lava Jato, que afetou o segmento de óleo e gás.“A Petrobras vinha sofrendo com a política de segurar os preços por parte de Dilma. Ao mesmo tempo, foi alvo de um escândalo de corrupção. A situação ficou mais delicada para a empresa que, para reduzir seu endividamento, reduziu os investimentos”, diz Rochlin.O cenário afetou cidades fortemente dependentes do setor de óleo e gás, como Itaboraí, Macaé, Rio das Ostras e Campos dos Goytacazes.Rochlin também aponta que faltam políticas públicas consistentes na área de segurança pública desde o governo de Leonel Brizola, nos anos 1980: “A explosão da violência ajudou na fuga de capitais, empresas e mais, recentemente, cérebros”.Setores inteiros, ao longo do tempo, migraram para outros lugares. É o caso do financeiro, que tinha relevância na capital fluminense até os anos 1980 e depois acabou se concentrando em São Paulo.
Salários e aposentadorias consomem mais da metade da arrecadação do Rio
Outro problema grave do Rio de Janeiro é com as finanças públicas locais, o que limita o dinheiro disponível para políticas públicas. O estado constantemente renegocia sua dívida com o governo federal e, desde 2017, está no plano de recuperação fiscal dos estados.
A chamada poupança corrente, um indicador de autonomia do estado para investir com recursos próprios, equivale hoje a 16% da receita corrente líquida – o quinto menor índice do país, segundo dados do primeiro quadrimestre do ano divulgados pelo Tesouro Nacional. Na outra ponta, em Mato Groso a poupança corrente corresponde a 40% da receita líquida.
No Rio, o pagamento de salários e aposentadorias do funcionalismo consome mais da metade da arrecadação – mais precisamente, 57% da receita total, o quinto maior índice do país.
Aeroporto internacional do Rio está com baixo movimento
Um dos reflexos da situação que atinge o estado é o problema de baixa movimentação do Aeroporto Internacional Tom Jobim, também conhecido como Galeão, que até meados dos anos 1990 era a principal ligação brasileira com o exterior. O movimento caiu cerca de 65% nos últimos oito anos, fazendo com que o terminal opere com menos de 20% da capacidade.Dados da Infraero mostram que o fluxo de passageiros do aeroporto internacional de Guarulhos (SP) em um dia corresponde a seis dias de movimento no Tom Jobim.Rochlin aponta que o esvaziamento do aeroporto internacional não pode ser atribuído somente à decadência da cidade e do estado. Segundo ele, há outros fatores que também contribuem:
- o deslocamento de voos internacionais para o aeroporto de Guarulhos;
- o custo do querosene de aviação no Rio de Janeiro, onde o produto é mais tributado; e
- os custos maiores de operação no Galeão em comparação ao aeroporto central do Rio, o Santos Dumont.
Uma tentativa para reverter esse quadro foi negociada pelos governos federal e estadual. A partir de outubro, a maioria dos voos nacionais operados hoje no Santos Dumont deve migrar para o Galeão. Do terminal central, operariam frequências apenas para São Paulo e Brasília.
Expectativas para o Rio de Janeiro não são promissoras
Mesmo sendo um importante polo cultural e tendo atrativos que favorecem o turismo, tanto na capital quanto no litoral e interior do estado, o Rio de Janeiro tem um longo caminho para reverter o quadro atual.“O estado simplesmente não consegue crescer”, diz Vale, da MB Associados. Para este ano, mesmo com a expectativa crescimento acima de 2% no PIB nacional, as possibilidades fluminenses não são as melhores: a expansão brasileira é puxada pela agropecuária, que é menos relevante no estado.
O coordenador da FGV aponta que apenas ações mais contundentes, especialmente do poder público, podem reverter esse quadro, que foi duramente afetado pela pandemia da Covid-19, em 2020. Mas, diante do quadro de deterioração das contas públicas e da instabilidade política pela qual passa o estado, ele não consegue ser otimista em relação ao futuro do Rio de Janeiro.