Startups levantando US$ 100 milhões ou mais (ou R$ 400 milhões ou mais) de investidores – em um processo conhecido no Vale do Silício como “megarrodada” – costumavam ser uma raridade, mas agora praticamente viraram rotina, gerando também apreensão entre as empresas iniciantes que precisam avaliar se são fortes o suficiente para lidar com cheques tão gordos.
No final de abril, quando Mike Massaro saiu em busca de um financiamento entre US$ 40 milhões e US$ 75 milhões para sua startup de meios de pagamentos, a Flywire, contatou primeiro um pequeno grupo de investidores que já conhecia. Mas a notícia se espalhou rapidamente e sua caixa de entrada foi inundada com US$ 200 milhões em ofertas, metade das quais ele recusou.
A Gusto, uma empresa de software de folha de pagamentos, levantou US$ 140 milhões em julho, mas poderia ter conseguido cinco vezes mais, de acordo com Joshua Reeves, seu executivo-chefe e fundador.
A Convene, empresa de serviços imobiliários, obteve recentemente US$ 152 milhões e recusou mais de US$ 100 milhões de investimento adicional. De acordo com Ryan Simonetti, executivo-chefe da empresa, logo depois, outra onda de investidores esperançosos o contatou, perguntando se estaria à procura de mais financiamento.
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As megarrodadas estão mudando o jeito de investir em startups
O aumento dos grandes investimentos é liderado por gente relativamente nova, incluindo o conglomerado japonês Softbank, empresas chinesas e fundos de riqueza soberana, que veem uma chance de capitalizar com a incursão na tecnologia em praticamente todos os setores, e querem entrar com dinheiro antes que as novatas abram seu capital.
Ao entrar nesse mercado, esses investidores afastaram a ameaça de uma bolha de investimento, principal preocupação no Vale do Silício já há alguns anos, porque o dinheiro agora parece quase ilimitado.
Para as startups, essa dinheirama está mudando a maneira normal de se montar uma empresa de tecnologia. É preciso acelerar ainda mais o processo, expandir as ambições e coletar mais investimento do que nunca, mesmo que ainda não estejam prontas. Elas se arriscam a ficar muito dependentes do financiamento e sem conseguir lucrar.
“Se o seu concorrente levantar US$ 150 milhões e você quer ser prudente e pegar só US$ 20 milhões, vai ser atropelado”, disse Bill Gurley, sócio-gerente da Benchmark Capital.
Os investidores participaram de um recorde de 273 megarrodadas no ano passado, de acordo com o provedor de dados CrunchBase. O ritmo deste ano vai facilmente ultrapassar esse número, com 268 concluídos nos primeiros sete meses. Em julho, as startups fecharam mais de 50 acordos de financiamento no valor combinado de US$ 15 bilhões, um novo recorde mensal.
Nos últimos 10 dias, a Letgo, empresa de anúncios classificados on-line, arrecadou US$ 500 milhões; a Actifio, empresa de armazenamento de dados, conseguiu US$ 100 milhões; a MyDreamPlus, uma startup do espaço de trabalho compartilhado, assegurou US$ 120 milhões; a Klook, site de reservas de viagem, obteve US$ 200 milhões.
Essas megarrodadas se tornaram tão comuns que a CB Insights, que analisa investimentos em startups, está até pensando em aumentar sua definição de megarrodada para US$ 200 milhões ou mais, de acordo com seu executivo-chefe, Anand Sanwal.
Primeiros investidores estão disputando um lugar ao sol entre grandes fundos
Muitos dos novos investidores, incluindo o Vision Fund do Softbank, com US$ 93 bilhões, gerenciam fundos tão grandes que acabam deixando todo o mercado tradicional de capital de risco nos Estados Unidos acanhado.
Esses fundos gigantescos estão à procura de startups que possam assumir grandes somas de dinheiro de uma só vez, já que o retorno de pequenas apostas não fará muita diferença para um fundo tão grande. Assim, os investidores disputam qualquer startup que mostre comprometimento e capacidade de usar US$ 100 milhões ou mais.
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“Assim que acham alguma com potencial, investem grandes recursos”, disse Sanwal, da CB Insights.
Os negócios do Softbank afetaram todos os aspectos do mercado de capital de risco. A chegada de seu Vision Fund, cujo investimento mínimo é de US$ 100 milhões, levou uma série de empresas tradicionais, incluindo a Sequoia Capital, a reunir mais dinheiro para competir. Os fundos de sete firmas diferentes estão levantando capital, de acordo com o provedor de dados Pitchbook.
E o Vision Fund nem chega a ser o investidor mais ativo das megarrodadas: nos primeiros sete meses de 2018, a Tencent Holdings participou de 31, de US$100 milhões ou mais, em comparação com 18 do Softbank, de acordo com a CB Insights. A GIC e a Temasek Holdings, fundos de investimento associados ao governo de Singapura, além do Alibaba e da Sequoia Capital China, também estão entre os investidores mais ativos deste ano.
Como resultado, aqueles que investiram nos primórdios do processo devem se certificar de que seu portfólio de empresas acomode os grandes fundos, estabelecendo bases para o potencial de investimento futuro.
“Parece um concurso de beleza, com os primeiros investidores se exibindo para os grandes fundos”, disse Patricia Nakache, parceira da Trinity Ventures.
O mercado de financiamento, aquecido, está forçando as startups a mudar seus planos: a Flywire, por exemplo, não planejava levantar mais dinheiro até o ano que vem, pois ainda tinha US$ 15 milhões no banco de uma rodada anterior. Entretanto, viu “a febre de investimento” na indústria de pagamentos e Massaro achou que mais dinheiro ajudaria a companhia a crescer ainda mais rápido.
Poucos investidores de risco preveem uma diminuição no ritmo das megarrodadas. Aqueles que já advertiram sobre uma bolha de tecnologia e uma subsequente queda resolveram se calar. Em 2015, Gurley, da Benchmark, previu “unicórnios mortos”, referindo-se às startups avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais, mas, desde 2015, o número de empresas com esse valor aumentou de 80 para 258, de acordo com a CB Insights. O excesso de financiamento está vinculado a avaliações inflacionadas, o que pode criar problemas quando empresas supervalorizadas resolvem abrir seu capital.
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Gurley disse que parou com os avisos. “Você tem que se ajustar à realidade e disputar o jogo no campo”, disse ele.
Annie Lamont, sócia do fundo de capital Oak HC/FT, acreditava em uma queda nas avaliações de startups e nos financiamentos três anos atrás, algo que nunca aconteceu. Agora, espera o mesmo, em parte porque a maioria das empresas pode facilmente obter mais dinheiro e poucas estão preocupados com uma recessão.
“Não há o medo de que haja uma correção. Se uma startup for pelos ares, as pessoas simplesmente vão ignorá-la e focar na próxima”, disse.
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