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Rombo da Previdência
Rombo da Previdência está pressionando as contas públicas| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo/Arquivo

Responsáveis por boa parte do déficit fiscal do país, as despesas da Previdência Social podem entrar em trajetória explosiva antes do previsto. Passados cinco anos da reforma do sistema, a piora das projeções de longo prazo para o rombo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) evidencia a necessidade de uma nova revisão até 2027.

Nos 12 meses encerrados em maio, as contas do órgão tinham um rombo de 3,12% do PIB, o maior registrado desde março de 2021. Já as contas públicas registraram um déficit primário (diferença entre despesas, excluídas as com juros da dívida pública e arrecadação) de 2,53% do PIB, mostram números do Banco Central (BC).

Entre os fatores que contribuem para o agravamento do déficit previdenciário estão o envelhecimento acelerado da população brasileira, o aumento da expectativa de vida e, mais recentemente, a política de aumento do salário mínimo acima da inflação por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), braço do Ministério do Planejamento, mostra que, no início do século, o regime geral dos trabalhadores da iniciativa privada (RGPS) arrecadava o equivalente a 84,7% das despesas. Essa proporção diminuiu ao longo do tempo, chegando a apenas 65,9% dos gastos no ano passado.

A proporção da despesa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) está aumentando. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, a previsão era de que as despesas do RGPS chegariam a 2026, equivalendo a 7,69% do PIB. Na proposta da LDO de 2025, a previsão subiu para 7,85% do PIB.

Envelhecimento e expectativa de vida mudam cenário

O economista Paulo Tafner, do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) e um dos autores do livro recém-lançado “A reforma inacabada — o futuro da Previdência Social no Brasil”, resume o problema: “Nosso sistema previdenciário foi desenhado para um país jovem, em desenvolvimento, com famílias de muitos filhos e uma realidade muito diferente da observada a partir dos anos 80. Tudo isso mudou.”

O envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida têm incluído mais pessoas na seguridade, que vão receber o benefício por um período maior.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população com 65 anos ou mais aumentou 57% entre 2010 a 2022, passando de 14,1 milhões para 22,2 milhões. Cerca de 10,9% dos brasileiros estão nessa faixa etária.

Projeções realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que o Brasil terá um dos processos de envelhecimento mais intensos e rápidos do mundo. Em 2030 já será possível considerar o país como idoso.

Especialistas alertam que, em 2027, esses gastos tornarão impossível cumprir o arcabouço fiscal, que prevê que as despesas crescerão, no máximo, 2,5% acima da inflação.

Dados do governo indicam que, no primeiro trimestre deste ano, as despesas previdenciárias subiram 5,3% acima da inflação, e a tendência é de que continuem em alta. No mesmo período, o valor pago com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a idosos e deficientes da baixa renda teve um aumento real de 17,2%.

Política de salário mínimo aumenta rombo da Previdência

O cenário se agravou ainda mais a partir de 2023, quando voltou a vigorar a política de reajuste do salário mínimo com ganho real baseado no crescimento do PIB de dois anos anteriores. Cada aumento de R$ 1 no mínimo representa uma alta de quase R$ 400 milhões em despesas.

Economistas apontam que a indexação de reajustes das aposentadorias ao salário mínimo tem corroído os ganhos obtidos pela reforma de 2019.

Quase 70% dos benefícios previdenciários e assistenciais são atrelados ao reajuste do salário mínimo. O mecanismo de reajuste real vigorou durante as gestões anteriores do PT e foi interrompido no governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL).

A desvinculação divide opiniões. O tema é sensível e sofre resistência também do Congresso Nacional. Para o advogado Luís Lopes, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a medida teria impactos significativos em termos de proteção social. “Considero uma regressão muito severa em termos de política pública, considerando o número de pessoas seguradas pela Previdência”, avalia.

Na avaliação de Tafner, além da desvinculação, é preciso entrar em pontos não encampados na reforma anterior, como a aposentadoria rural e o aumento de microempreendedores individuais (MEI), que tem alíquotas diferenciadas e que já somam 8 milhões de contribuintes.

“A instituição do MEI foi feita sem técnica e abriu brechas para favorecer quem não precisa”, afirma. "Eles [os MEIs] pagam R$ 80 por mês [para a Previdência] e vão receber um salário mínimo de aposentadoria. É o melhor negócio do mundo.”

Privilégios podem ser retomados

Há outras distorções a serem corrigidas. É o caso da diferença na idade de aposentadoria de homens e mulheres, da aposentadoria rural, da aposentadoria dos militares, que, para Tafner, deve ser “tratada adequadamente” e principalmente dos regimes especiais de servidores públicos. “Nosso sistema introduziu privilégios difusos em categorias escolhidas do serviço público”, diz.

A reforma de 2019, segundo ele, além de frear o crescente impacto fiscal, tinha como imperativo reduzir a desigualdade do sistema. “Não corrigiu tudo, mas avançou em mitigar privilégios.”

Tais medidas, critica o economista, foram mais tarde questionadas por setores da “elite do funcionalismo público” que ajuizaram ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) para reverter as mudanças e reaver os privilégios. “A elite do funcionalismo público mobilizou seu capital político e a facilidade de acesso ao Supremo [Tribunal Federal] para derrubar conquistas implementadas na Reforma”, lembra Tafner.

O julgamento de 13 ações impetradas por entidades representativas de servidores que questionam cinco pontos da reforma aprovada (EC 103/2019) começou em setembro de 2022 e quase foi concluído em 19 de junho de 2024.

O ministro Gilmar Mendes, último a votar, pediu vista. A votação tem 90 dias para ser retomada. O impacto fiscal não é significativo, mas Tafner destaca a má sinalização. “Se for acatada a inconstitucionalidade, será uma tapa na cara dos trabalhadores brasileiros.”

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