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Sai Campos Neto, entra “Lula”: mercado teme que governo volte a mandar no Banco Central

Sai Campos Neto, entra “Lula”: mercado teme que governo volte a mandar no Banco Central
Nos próximos meses Lula deve indicar o novo presidente do Banco Central, que substituirá Campos Neto (foto). (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

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Os investidores vão analisar com lupa as próximas reuniões do Banco Central sobre a taxa de juros, que constituirão a reta final do mandato do atual presidente Roberto Campos Neto, que termina em 31 de dezembro. Ele será substituído por um indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que é crítico da autonomia formal do BC –conferida por lei aprovada no governo de Jair Bolsonaro (PL) – e quer ter mais influência sobre as decisões da instituição.

As atenções estarão voltadas para os argumentos dos membros do Comitê de Política Monetária (Copom). Em particular, do atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, nome mais cotado para assumir a presidência a partir do próximo ano. Os votos dele deverão indicar sua posição de maior ou menor leniência em relação à inflação e sua suscetibilidade às pressões vindas do Planalto.

Na última reunião do Copom, a divisão sobre o tamanho da queda de juros acirrou as especulações sobre interferência política na diretoria do BC. O placar foi apertado, de 5 a 4, algo pouco comum na trajetória do colegiado. Cinco diretores indicados por Bolsonaro foram favoráveis a um corte de 0,25 ponto na taxa básica de juros (Selic), e os quatro indicados por Lula – entre eles, Galípolo – defenderam uma redução maior, de 0,5 ponto.

A decisão representou um freio no processo de relaxamento monetário. Desde agosto do ano passado, o Copom vinha sempre reduzindo a Selic em 0,5 ponto. O desejo sempre manifestado por Lula e membros do governo era de cortes até maiores.

Ata da última reunião do BC tentou dissipar debate sobre politização

A ata do Copom divulgada dias depois apresentou fundamentos técnicos para a defesa de ambas posições, tentando dissipar os ruídos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, veio a público minimizar a divergência. "Não existe uma bancada lulista e uma bancada bolsonarista no BC", disse.

No dia 15, em Nova York, Galípolo reforçou os elementos técnicos da decisão, justificando seu voto pela redução de 0,5 ponto. Frisou que havia argumentos para os dois lados, mas que já tinha manifestado sua preferência pelo corte maior. "Se eu quero com o tempo ganhar credibilidade, eu preciso ter coerência entre as minhas falas e minhas ações", afirmou o diretor, em evento do jornal "Valor Econômico".

Para ele, largar a "barra do guidance" teria um preço alto junto ao mercado, embora "ganhe-se muito" com a menor redução. O guidance é uma sinalização que o Copom vinha fazendo em seus comunicados, indicando a possível decisão da reunião seguinte – e para esta última a sinalização anterior havia sido de um corte de 0,5 ponto.

"Eu fico muito orgulhoso que o Copom tenha tido a coragem de tomar a decisão, cada um com sua própria consciência, sem caminhar para algum tipo de mudança que buscaria o consenso, visando exclusivamente se proteger de eventuais críticas de um lado ou outro", afirmou. Também disse que Campos Neto foi tão bem-sucedido que "está numa volta da vitória" em seu final de mandato.

Mercado espera corte de 0,25 ou manutenção da Selic na próxima reunião

Para analistas do mercado financeiro, apesar do discurso conciliador e de ter descartado um viés ideológico ou voto alinhado ao governo, a credibilidade e coerência de Galípolo continuarão a ser testadas nas próximas reuniões.

O diretor, como os demais conselheiros, concordou que o cenário fiscal piorou nos últimos meses. Por isso, a maioria dos economistas do mercado não trabalha com a possibilidade de cortes acima de 0,25 ponto e torce pela unanimidade na próxima reunião, nos dias 18 e 19 de junho.

"Não há nenhuma evidência que indique uma melhora de cenário interno ou externo", afirma Hudson Bessa, especialista em estratégias financeiras, finanças corporativas e mercado financeiro da faculdade Fipecafi. "O corte só poderá ser 0 ou 0,25 ponto."

Marco Antonio Caruso, economista-chefe do PicPay, também vê espaço para uma possível interrupção dos cortes. "A partir daqui, como em toda situação em que a credibilidade é colocada à prova, passam a valer mais as ações do que as palavras", destaca. "Nosso cenário de Selic está sob revisão, tendo em vista o tom dos documentos, consistentes com uma pausa unânime do ciclo de cortes já na próxima reunião."

Para Sílvio Campos Neto, economista sênior da Tendências Consultoria, o placar provável também é de unanimidade – mas por um novo corte de 0,25 ponto.

"A gente vai ter que acompanhar. Existe a possibilidade de alguns diretores votarem por zero, os da ala mais hawkish [jargão do mercado para quem defende juros mais altos]. Mas acredito que até para amenizar um pouco a situação, seria razoável pensar numa decisão unânime de uma queda de 0,25 e uma sinalização para encerrar o ciclo na reunião seguinte", diz.

Um voto por corte maior que 0,25 ponto por alguns dos conselheiros, porém, poderia causar desconforto, avaliam economistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

Intervencionismo de Lula motiva desconfiança sobre futuro do Banco Central

Para Sílvio Campos Neto, o olhar atento sobre o BC é natural, não apenas devido ao cenário fiscal desafiador e às incertezas externas – com adiamento na queda dos juros norte-americanos –, mas principalmente pela proximidade da sucessão do presidente e da substituição de dois diretores antigos, a partir do próximo ano.

"Temos sinais que apontam para uma política monetária mais comedida", afirma. "Já houve indício, com quatro votos dos novos diretores [indicados por Lula] por uma queda maior. E agora teremos a partir de janeiro três novos dirigentes escolhidos pelo atual governo, incluindo o presidente. É claro que existe uma preocupação, um risco de um BC que eventualmente desancore as expectativas do mercado."

Bessa, da Fipecafi, destaca que as desconfianças são amplificadas por atitudes do próprio governo. Por exemplo, a demissão do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, na semana passada.

"A postura de interferência do governo torna legítima a desconfiança do mercado sobre o Banco Central. É mais uma pecinha desse 'Lego' de intervencionismo, de usar as empresas estatais para promover o desenvolvimento econômico, que acaba respingando na questão de pressionar os diretores do BC para baixar os juros", afirma. "Esse é um ambiente que cria a incerteza."

Para o economista da Tendências, os sinais dados pelo Executivo reforçam a necessidade de um BC mais conservador. "Há um intervencionismo do governo na política econômica como um todo. E claro que isso, em tese, deveria se traduzir em um Banco Central mais conservador, como está acontecendo nesse ano, com as taxas de juros parando de cair antes do que se imaginava. Mas a questão é o ano que vem. Essa é a grande dúvida que os mercados têm", pondera.

Indicado de Lula e cotado para comandar Banco Central, Galípolo deu declarações heterodoxas

O temor do mercado tem fundamentos. Galípolo tem um histórico de declarações "heterodoxas" em relação à política monetária. Chegou a ser criticado como expansionista ao criticar a regra fiscal do teto de gastos.

Para ele, o país não deveria ter um regime fiscal pró-cíclico, ou seja, que acaba acentuando o ciclo econômico vigente. Assim, o mais indicado quando a economia piora seria expandir os gastos públicos e não cortar, como exigia o teto.

Mais tarde, Galípolo – que era secretário-executivo do Ministério da Fazenda antes de entrar para o BC – teve de se explicar sobre as declarações, inclusive na sabatina por que passou no Senado, e pouco a pouco foi afinando o discurso e se aproximando da tese da responsabilidade fiscal.

O bom relacionamento com o presidente do BC e com o ministro Haddad fizeram o mercado dar a Galípolo o benefício da dúvida. Ele chegou a ser considerado "traidor" pelas hostes petistas por sua aproximação com a "Faria Lima", jargão utilizado pela esquerda para definir o mercado financeiro.

Para Sílvio Campos Neto, as dúvidas dos agentes econômicas vão perdurar, pelo menos, até as primeiras decisões do próximo presidente do Banco Central. A boa notícia é que, segundo ele, a "cadeira" da presidência do BC traz extrema responsabilidade e deve direcionar a manutenção das "condições inflacionárias absolutamente sobre controle".

"Os incentivos ainda são colocados na direção de um BC que faça o seu trabalho técnico. Porque, caso contrário, a reação dos mercados é muito rápida, muito imediata e se volta contra o próprio Banco Central, tornando o trabalho ainda mais difícil", afirma.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou no dia 17 que acredita na condução técnica da autoridade monetária, independente de quais sejam os novos diretores e o novo presidente da instituição. Ele não endossou nem rechaçou Galípolo, mas defendeu que o nome de seu sucessor seja escolhido entre agosto e setembro. E deu conselhos ao novo presidente do BC.

"A coisa mais importante, sentando na cadeira, é tentar olhar por cima, e não dentro do ruído. Há muitos ruídos de curto prazo: de economia, político. O mais importante é saber dizer não. Vão vir várias ideias e propostas que não são nem do interesse da sociedade e nem do Banco Central. Às vezes, é preciso dizer não para o Executivo. Às vezes, para o Legislativo", disse ao jornal "O Estado de S. Paulo".

"Que [o novo presidente] tenha a firmeza de dizer não, que tenha a capacidade de explicar a opinião e que passe transparência ao longo do tempo. A capacidade de dizer não é crucial", completou.

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