O casamento de duas décadas de Renault e Nissan está prestes a ter um recomeço. Em poucos meses, os dois principais antagonistas da crise que paralisou a maior aliança automotiva do mundo – e que também conta a Mitsubishi – estão deixando os holofotes.
Carlos Ghosn, 64 anos de idade, renunciou aos cargos de presidente e diretor executivo ou CEO da Renault, que finalmente abriu mão da maior estrela da indústria automotiva mais de dois meses após a prisão dele no Japão por suspeitas de irregularidades financeiras.
Em uma reviravolta inesperada, o CEO da Nissan, Hiroto Saikawa, um ex-protegido de Ghosn que liderou a companhia contra seu ex-chefe, revelou que também irá renunciar. O executivo de 65 anos de idade está pronto para passar o bastão nos próximos meses, depois de cuidar de uma última prioridade: reformar a má governança que enfraqueceu a montadora japonesa.
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A saída de ambos os executivos, cada um a sua maneira, pode ajudar a tirar parte da desconfiança que se acumula em ambos os lados da aliança franco-japonesa. Antes de sua prisão, Ghosn manteve a tensão sob controle e evitou que confrontos viessem à tona. Agora caberá a Saikawa e Jean-Dominique, CEO da Michelin que na quinta-feira (24) também foi escolhido como presidente da Renault, a tarefa de tocar a aliança em frente.
“Não é uma má ideia que o antigo dê lugar ao novo. Isso pode ser um novo começo e não o fim da aliança”, disse Pierre Quemener, analista do MainFirst Bank AG.
Executivos da aliança Renault-Nissan se reunirão na próxima semana em Amsterdã, onde a empresa que gerencia a parceria está sediada, disseram pessoas a par do assunto. A reunião será a primeira da aliança desde que Ghosn saiu.
Senard é apoiado pela França, o acionista mais poderoso da Renault. Sua nomeação pode significar que ele estará mais aberto à contribuição dos políticos do que Ghosn, que às vezes entrou em conflito com o governo. O novo presidente da Renault vai se juntar ao conselho da Nissan e é encarregado de propor qualquer mudança na estrutura da aliança.
“Espero que ele tenha tempo para falar com uma ampla gama de pessoas antes de definir uma estratégia”, disse Janet Lewis, analista do Macquarie Group Ltd. em Tóquio. “Ele precisa ganhar a confiança da liderança tanto da Nissan quanto da Renault, e precisa garantir que ele não esteja sendo visto como porta-voz do governo francês ”.
Saikawa elogiou Senard como “alguém que eu respeito totalmente”. Saikawa disse a repórteres na sexta-feira (25) que os dois falaram ao telefone após a nomeação de Senard, e que ele disse a Senard que está ansioso para que eles trabalhem juntos.
No entanto, o CEO da Nissan também insinuou potenciais áreas de conflito a medida que os dois lados tentam revisar a aliança, que também inclui a minoritária Mitsubishi Motors Corp. Saikawa disse que agora não era hora de discutir uma fusão completa. Ele se opôs à integração mais profunda das fabricantes, uma ideia que foi ventilada pelo governo francês ao dar a impressão de que busca tornar permanente a posição mais poderosa da França dentro da aliança.
A Renault possui 43% da Nissan com direito a voto. A França possui uma participação de 15% na Renault e tem poder de voto extra, o que dá ao governo uma opinião indireta em decisões que às vezes afetam a Nissan. A Nissan tem uma participação não-votante de 15% na Renault.
“Para a Nissan, é bom que Ghosn tenha ido embora da empresa”, disse Koji Endo, analista sênior da SBI Securities. “Mas há muitas preocupações, pois não podemos ver a [nova] forma da aliança.”
Sob o comando de Ghosn, desenvolvedores e fábricas competiam por recursos e a atribuição de novos modelos de carros, criando um clima, muitas vezes, de suspeita.
A visão da Renault é que a Nissan se orgulha de carros com desenhos mais novos e veículos crossover campeões de venda, o X-Trail e o Qashqai, algo que a montadora francesa levou anos para replicar. A Nissan também entrou no importante mercado chinês sob o comando de Ghosn, enquanto a Renault tem pouca presença lá. Além disso, a Nissan confia na Renault para melhor acesso ao vasto mercado europeu.
Apesar de todos os seus desafios, a aliança Renault-Nissan está anos à frente de outras parcerias que estão apenas se formando – Ford Motor Co. e Volkswagen AG, por exemplo, e Daimler AG e BMW AG –, disse Demian Flowers, analista do Commerzbank AG. Londres. As montadoras estão percebendo que precisam se unir para provar o futuro do negócio, disse ele.
Tradução: Fabiane Ziolla Menezes