A pressão por reajustes de salários, principalmente nos setores onde há escassez de mão de obra, começa a ter efeito sobre a inflação, cuja alta já levou o Banco Central a iniciar um novo ciclo de aperto monetário. Na última quarta-feira, a taxa de juros básica da economia (Selic) aumentou 0,75 ponto porcentual, para 9,5% ao ano.
Para os economistas, se o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 for acima de 6%, a inflação deverá ser pressionada também pela falta de pessoal qualificado. Em setores com gargalos de escassez de mão de obra, como construção civil, alguns segmentos da indústria e serviços, os salários vêm subindo rapidamente acima da produtividade. Nessa situação, os aumentos mais expressivos de custos tendem a ser repassados para os preços.
"O mercado de trabalho atual é um componente importante da inflação. Há um forte ritmo de contratações, o desemprego de março foi o mais baixo da série histórica, e os salários, inclusive o mínimo, estão subindo acima da inflação, o que ajuda a estimular ainda mais a demanda de consumo", lembra Tatiana Pinheiro, economista do Santander.
A relação mais direta de salário e inflação é algo novo na história recente de estabilidade da economia brasileira. Desde 1994, quando foi lançado o Plano Real, os picos inflacionários tiveram como causa principalmente a variação do câmbio e a alta dos preços das commodities, como a que ocorreu em 2008. A perspectiva de forte crescimento nos próximos dois anos vai fazer com que os dados de emprego, assim como os de consumo, indiquem o provável comportamento da inflação, como já ocorre em países desenvolvidos, como os Estados Unidos.
Trata-se de um "problema bom", já que o aumento da renda e do emprego melhoram as condições de vida da população e refletem o próprio desenvolvimento econômico do país. "A questão é que em um ambiente de demanda forte os empresários também têm mais facilidade para repasses dos aumentos dos custos para os preços, o que gera mais inflação", acrescenta Regis Bonelli, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à Fundação Getulio Vargas (FGV).
Tatiana Pinheiro ressalta que o aumento da renda ocorre em meio a um forte aquecimento da economia, com juros mais baixos, crédito em alta e a indústria operando muito próxima da capacidade. Embora os investimentos em ampliação da capacidade estejam ocorrendo, eles têm um tempo maior de maturação. "Dentro de dois, três meses, a indústria já estará operando no limite", diz.
O aquecimento no mercado de trabalho pode resultar em pressão inflacionária por meio de dois mecanismos: aumento do custo de produção (que pode ser repassado ao preço pago pelo consumidor) e o crescimento do consumo por parte dos trabalhadores em função do aumento de seus salários, explica Marcio Cruz, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mas ele alerta que o quanto isso representará nos preços dos bens para o consumidor dependerá fundamentalmente de como se comporta a oferta de cada setor. "Nesse caso, fatores como a concorrência e o nível de capacidade ociosa serão importantes", diz.
A questão da mão de obra já começa a aparecer, por exemplo, na inflação dos serviços, lembra André Loes, economista chefe do HSBC. No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), os serviços (como cabeleireiro, conserto de automóvel, aluguel, mensalidades escolares) acumulam alta de 6,92% nos 12 meses até março.
Disputa
A procura por profissionais vem inflando salários e aumentando a competição entre as empresas. Em uma proposta de troca de emprego é comum a remuneração subir entre 20% e 30%.
Em setores com fortes gargalos de mão de obra, como a construção civil, o reajuste salarial ganhou velocidade nos últimos meses somente em Curitiba, há mestre de obras ganhando R$ 5,5 mil e engenheiros com remuneração de R$ 12 mil e deve ser fonte de muita discussão até junho, data-base da categoria. A previsão é de que o Índice Nacional da Construção Civil (INCC) suba entre 1% e 2% acima da inflação.
As pressões são mais evidentes na construção civil, mas também começam a aparecer em outros setores, como as transportadoras. Faltam caminhoneiros, ajudantes e conferentes de cargas. "Se tivéssemos uma oferta de profissionais 10% maior, eles seriam contratados imediatamente. Os salários vêm se distanciando do piso, com reflexo no preço do frete", afirma Luiz Carlos Podzwato, superintendente do Sindicato das Transportadoras de Cargas do Paraná (Setcepar). A alta dos custos do transporte tem um efeito em cadeia sobre vários segmentos da economia. O frete para carga fracionada e para transporte urbano, por exemplo, subiu cerca de 18% no início de ano, segundo ele também como forma de recuperar os preços que foram reduzidos durante a crise.
Déficit
Na área de tecnologia, a previsão é de um déficit de 140 mil profissionais no país. Segundo o presidente da indiana Wipro no Brasil, Fernando Estrázulas, de forma geral os preços dos serviços de TI já começam a ser impactados pelo aumento dos salários. "A mão de obra tem peso considerável nos custos do setor", afirma. A empresa tem 100 vagas abertas no momento em Curitiba, desde nível secundário até superior. Para driblar a escassez de mão de obra, a Wipro tem investido em treinamento e na capacitação de talentos, alguns deles buscados no próprio mercado. "A dificuldade que o setor vive é boa, reflexo do aumento dos negócios. É mil vezes melhor ter esse tipo de problema do que a falta de demanda", afirma. Para ele, a questão de como cada empresa vai lidar com esse gargalo vai se tornar um diferencial competitivo nos próximos anos.
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), somente o Paraná deverá fechar 2010 sem conseguir preencher 18,4 mil vagas qualificadas. Trata-se do pior índice do país.