Ouça este conteúdo
Mesmo após a aprovação do novo marco regulatório do saneamento no Congresso, no ano passado, a participação da iniciativa privada no setor ainda não dá sinais claros de crescimento. Em 2020, aliás, o número de novas concessões e parcerias público-privadas (PPPs) para os segmentos de água e esgoto caiu 59% na comparação com 2019, segundo levantamento da consultoria Radar PPP. Em parte, em razão das eleições municipais e da pandemia do novo coronavírus, mas também por indefinições jurídicas e uma dificuldade por parte dos municípios na elaboração dos editais.
Entre as principais mudanças trazidas pelo novo marco está a proibição a empresas públicas estaduais, hoje predominantes no setor, de celebrar contratos de programa sem licitação com os municípios, responsáveis pelo serviço de saneamento. Com isso, abre-se espaço para a participação da iniciativa privada no mercado de abastecimento de água e coleta, e tratamento de esgoto.
Com a criação de metas de universalização dos serviços, o governo federal estima que a nova legislação traria investimentos de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões para o setor, inclusive com a privatização de companhias estatais. O marco chegou a ser considerado importante instrumento para a recuperação econômica pós-pandemia.
Até algumas semanas atrás, no entanto, ainda havia incerteza a respeito da possibilidade de prorrogação dos atuais contratos de programa por mais 30 anos. A permissão constava do texto aprovado no Congresso, e foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro ainda em julho de 2020, mas somente no último dia 17 de março o veto foi mantido pelos parlamentares. Outras questões precisam ser sanadas.
Em 15 de julho próximo termina o prazo para que estados concluam o processo de regionalização, no qual serão definidos blocos de municípios que contratarão conjuntamente os serviços de saneamento. A adesão é voluntária e um município pode optar por fazer licitação sozinho.
Outra indefinição diz respeito aos contratos em vigor, que, conforme a nova legislação, serão mantidos até o fim do prazo previsto mediante a comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada para cumprimento das metas de universalização. Por enquanto, ainda não estão regulamentadas as condições para a avaliação dessa viabilidade econômico-financeira.
Para a advogada Bruna Bouissou, sócia da área de infraestrutura da Azevedo Sette Advogados, faltam ainda regras para uma transição para o modelo previsto no novo marco, “ainda mais quando a justificativa para o veto presidencial foi exatamente o excessivo prazo para a prorrogação e a limitação à livre concorrência”.
A esse quadro, soma-se uma falta de condições técnicas para que os municípios elaborem editais que levem a concessões ou a PPPs. Nesse sentido, a Agência Nacional de Águas (ANA) deve ter um papel importante nessa transição, não só por elaborar modelos de editais e contratos, mas por estabelecer normas de referência para a regulação dos serviços, contribuindo para a viabilidade técnica e econômica, a criação de ganhos de escala e eficiência e a universalização dos serviços.
A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) sugere um período mínimo de 12 meses após a edição da última norma de referência da ANA, “tendo em vista a influência que as normas terão sobre os contratos de prestação de serviços”. A agenda regulatória do órgão tem conclusão prevista para dezembro de 2022.
Outro entrave é a falta de incentivo aos municípios para aderirem aos modelos com participação da iniciativa privada. O leilão de serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), do Rio de Janeiro, previsto inicialmente para o dia 30 de abril, é visto como uma espécie de indutor do processo por incentivar outras autoridades municipais, mas corre o risco de ser suspenso enquanto o governo federal não aprovar a adesão do estado fluminense ao novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Iniciativa privada deve agir proativamente para investir em saneamento
Bruno Pereira, sócio da Radar PPP, considera que a iniciativa privada tem de agir proativamente para o crescimento da carteira de projetos de concessão e PPP em saneamento. “Esperar que os riscos sejam resolvidos e que as licitações de qualidade simplesmente sejam publicadas não é a melhor atitude”, avalia. A própria consultoria lançou este ano um selo de compromisso municipal com concessões e PPPs, com a finalidade de incentivar cidades interessadas em priorizar o tema, particularmente nos segmentos de abastecimento de água, esgotamento sanitário e resíduos sólidos.
“Não falta nada para que os municípios possam avançar rumo à universalização, elas apenas precisam conhecer melhor o potencial das concessões e PPPs e querer aplicá-las em suas cidades”, diz. Pereira acredita que as estatais que atuam no setor vão se tornar inviáveis se não priorizarem o modelo de parceria com a iniciativa privada. “Infelizmente, até o momento, temos apenas 13 PPPs celebradas em âmbito estadual”, diz. “A timidez com PPPs ocasionou a pressão da iniciativa privada e da liderança política nacional geradora do novo marco.”
“Quando da aprovação das novas normas nacionais do saneamento básico, em 2020, havia uma carência de boas notícias no país, então, celebrou-se um avanço, mas a celebração foi um pouco desmedida, pois, para quem atua com concessões e PPPs, sabe-se que os avanços práticos decorrentes de avanços normativos, principalmente no âmbito subnacional não ocorrem do dia para a noite”, diz Pereira.
De acordo com os últimos dados disponíveis no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério do Desenvolvimento Regional, em 2019, dos 1.603 prestadores de serviço de abastecimento de água em atuação no Brasil, 52,3% eram órgãos da administração pública direta. Outros 35,6% eram autarquias. Empresas privadas eram 8,7% do setor, e 2,5% correspondiam a sociedades de economia mista. Havia ainda 0,5% de empresas públicas e 0,4% de organizações sociais.
No segmento de esgotamento sanitário, a administração pública direta respondia por 82% dos prestadores de serviço, e autarquias eram 13,4%. Empresas privadas correspondiam a 3,2% da área, e sociedades de economia mista eram 1,2%. O restante, 0,2%, eram empresas públicas.